Pesquisar neste Blog

30 julho 2010

Travessuras da menina má, de Mario Vargas Llosa

"Quer dizer, você esperava há dez anos que uma garota como eu aparecesse em sua vida?" (p. 27)

meninavargas-llosa

Uma das primeiras providências que tomei ao chegar na cidade de Fortaleza-CE – onde iria morar pelos anos seguintes – foi adquirir livros com conteúdo mais profundo, denso, nada que se assemelhasse às histórias frugais que eu vinha lendo até então, em Belém-PA. Essa mudança de hábito literário nada tem a ver com as cidades em si, convém esclarecer. A questão é que, quando cheguei aqui, em Fortaleza, já contava 14 anos de idade e queria me ver livre das histórias "superficiais" (leia-se "de fácil digestão") que eu colecionava na minha prateleira.

Não sei se Travessuras da menina má (Travesuras de la ninã mala, 2006) atendeu perfeitamente essa exigência, porque, de certo modo, a história é escrita em moldes de best-seller e parece ser o romance menos profundo do autor. No entanto – e que isso fique bem claro – o livro é extremamente envolvente. Gostei muitíssimo de tê-lo lido.

Leia aqui a entrevista que o autor peruano Mario Vargas Llosa concedeu à Folha Online, na ocasião do lançamento do livro.

~~~~

Sinopse: O peruano Ricardo vê realizado, ainda jovem, o sonho que sempre alimentou – o de viver em Paris. O reencontro com um amor da adolescência o trará de volta à realidade. Lily – inconformista, aventureira e pragmática – o arrastará para fora do pequeno mundo de suas ambições. Ricardo e Lily – ela sempre mudando de nome e de marido – se reencontram várias vezes ao longo da vida, em diferentes cidades do mundo que foram cenários de momentos emblemáticos da História contemporânea.

~~~~

Ricardo Somocurcio, o protagonista da história, é um tradutor que trabalha para a Unesco, convertendo discursos e tratados de um idioma para outro. Acontece que na sua infância, ainda quando morava no bairro de Miraflores, no Peru, ele se apaixonou por uma misteriosa e sensual garota de nacionalidade incerta; desde esse fatídico encontro, jamais a esqueceu, mesmo depois de passados muitos anos. Ricardo se mudou para Paris – um sonho de criança – e parecia levar uma vida tranqüila e monótona de tradutor, até que reencontrou por acaso a tal garota – agora envolvida em uma violenta guerrilha comunista.

Esse é apenas o primeiro passo de uma jornada que iria durar décadas e décadas, para não dizer a vida toda dos dois, e irá transportar o leitor para vários países, em várias épocas diferentes – Inglaterra, França, Japão e Espanha, só para citar os principais. A Inglaterra dos hippies, a França conservadora – que se confunde com a personalidade de Ricardo –, o Japão dos mafiosos cruéis e a Espanha miscigenada são panos de fundo para essa história de amor nada convencional.

Se Dom Casmurro ficou cismado com os indícios de que Capitu o estava traindo, Ricardo Somocurcio parecia não se importar nem um pouco com o fato de sua amada estar dormindo com outros homens, por mais que tivesse certeza disso. Aliás, essa história de traição é algo que não importa em Travessuras da menina má, porque o fato é amplamente consumado por parte da protagonista. O próprio Llosa afirma que procurou fugir dos padrões que regem as histórias de amor tradicionais: "Queria fugir do lugar-comum", afirma. Assim, quando nos outros romances do gênero a traição possui um valor alto de tabu, aqui ela simplesmente é banal e corriqueira.

Edição originalEdição inglesaEdição portuguesa

Aliás, talvez nem possamos falar em "traição" propriamente dita. Ricardo e a Menina Má não eram cônjuges, sequer namorados no sentido usual do termo. E é esse o fio da meada do livro: enquanto ele, profundamente apaixonado por ela, ansiava por uma relação estável e tranqüila, ela, por sua vez, brincava com os sentimentos dele, vagando pelo mundo e casando-se com homens cuja posição social a beneficiaria. A história alterna momentos em que Ricardo fica sozinho em Paris, pensando na Menina Má, e momentos em que os dois se encontram, ou por obra do destino, ou deliberadamente – muitas vezes, deliberadamente.

É interessante ir acompanhando o desenvolvimento psicológico dos personagens – coisa que é mais bem trabalhada no caso da Menina Má – e é legal conhecer as amizades que tanto ela quanto Ricardo estabelecem ao longo de suas vidas, relações essas que, de um modo ou de outro, coadunam para que o casal-protagonista fique junto (como é o caso do Menino Sem Voz, responsável por uma das partes mais deliciosas do livro).

Assim como em Dom Casmurro, em Travessuras da menina má o autor teceu a trama de um jeito especial, de modo que fica no final uma dúvida no espírito do leitor. Se no primeiro o caso era "Traiu ou não traiu?", aqui a questão é "Amou ou não amou?" Há discussões acaloradas nas comunidades do Orkut, e uns leitores dizem que sim, que a Menina Má amou Ricardo à sua maneira excêntrica; enquanto outros dizem que não, que ela apenas brincou com o protagonista e que ele era um bobo em amá-la tão profundamente. E realmente é muito divertido ficar discutindo isso. É algo absolutamente comparável a Machado de Assis.

Pela rápida pesquisada que fiz na internet, vi que o livro tomou conta das livrarias brasileiras na época do seu lançamento, virando, inclusive, um best-seller por aqui. Não lembro disso (o que eu estaria fazendo na época?), mas de qualquer forma é interessante ver que um livro razoavelmente fora do circuito atraiu a atenção da massa. O sucesso de Travessuras da menina má é comparado ao de Caçador de pipas, e a vendagem do livro de Llosa, capaz de tirar qualquer editora da falência, foi a maior da companhia Objetiva.

Conclusão: muitíssimo recomendado.

~~~~

"Vou morrer", balbuciou, cravando as unhas no meu braço.

"Não vai morrer. Deixei que você fizesse comigo todas as canalhices do mundo, desde que éramos crianças, mas essa, de morrer, não. Isso eu proíbo."

Sorriu (…).

"Já era hora de me dizer alguma coisa bonita." (p. 183)

2 comentários:

  1. a historia e' de fato uma delicia, apaixonante.
    gostei da resenha!

    ResponderExcluir
  2. Olá, Duda!

    Muito obrigado pelo comentário! E pela visita. :)

    Seja sempre bem-vinda aqui.

    E, sim, o livro do Llosa é maravilhoso. :D

    Abraço!

    ResponderExcluir

Muito obrigado pela visita ao Gato Branco! Seu comentário será extremamente bem-vindo! :)