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29 maio 2010

Na natureza selvagem, de Jon Krakauer

"A alegria da vida vem de nossos encontros com novas experiências, e, portanto, não há alegria maior que ter um horizonte sempre cambiante (…)" (p. 68)

Na natureza selvagem Jon Krakauer

Como eu não estou com nenhum artigo sobrando dentro da gaveta e preciso atualizar o blog pelo menos uma vez por semana, decidi escrever agora uma resenha sobre um livro escolhido a esmo da minha estante. E o livro sorteado foi nada menos que Na natureza selvagem (Into the wild, 1996), de autoria do jornalista norte-americano Jon Krakauer.

Como geralmente acontece na longa história de amizade que o cinema tem com a literatura, aqui a aventura do andarilho Christopher Johnson McCandless foi resgatada por conta do filme homônimo dirigido por Sean Penn, estrelado por uma penca de astros, lançado em 2007 e alvo de muitas críticas elogiosas.

Li o livro três vezes.

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Sinopse: Depois de concluir a faculdade com brilhantismo, Chris McCandless, jovem americano saudável e de família rica, doa todo o dinheiro que tem, abandona o carro e a maioria de seus pertences, adota outro nome e some na estrada, sem nunca mais dar notícias aos pais. Dois anos depois, aparece morto num lugar ermo e gelado do Alasca.

NOVO! Leia capítulos do livro aqui neste link.

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"Viver no mato não é um piquenique", relata o eletricista sindicalizado Jim Gallien, o último homem (de vários) a dar carona para Chris – ou, como o próprio Chris se chamava, Alexander Supertramp.

Para muitas pessoas, permanece um mistério o que levou Alex a trilhar os "caminhos da terra" sem o mínimo de preparo, sem um mapa, uma bússola ou um cantil de água. Aparentemente, é mesmo um mistério. Bem logo depois de terminar a faculdade com notas altíssimas, tendo um futuro promissor pela frente, McCandless (vamos usar o seu nome verdadeiro) literalmente queimou a sua identidade, pegou o seu amado carro Datsun amarelo e partiu para o oeste, deixando para trás os pais preocupados e a irmã sem um sólido no qual se agarrar.

Parece um mistério que Chris tenha abandonado tudo e feito isso, mas na verdade não é nada que foge à lógica. Eu não acho. O que está em jogo é a tolerância de Chris para aceitar o absurdo da vida cotidiana, tolerância essa que era baixíssima ou inexistente no rapaz. Ele, romântico típico, forte adepto de Thoreau e Tolstói, não aceitava o que nós vemos todos os dias no noticiário da noite (assassinatos, bolsa de valores, última moda nos salões de Paris) e simplesmente decidiu deixar todo este mundo de aparências e falsos valores para trás. Coragem? Eu diria "força de vontade". Mas, acima de qualquer coisa, não é uma atitude absurda.

O livro de Jon Krakauer remonta toda a trajetória de Chris (desde Atlanta até o Alasca) a partir de depoimentos prestados pelas pessoas que participaram da odisséia do rapaz, incluindo a família em Chesapeake Beach, o casal hippie de meia-idade que McCandless encontrou pelo caminho, Wayne, gerente de um elevador de cereais no qual o jovem trabalhou por algum tempo, dentre outras figuras atípicas. O autor recolhe todas as falas destas pessoas e, dessa maneira, vai montando um quebra-cabeça cuja história parece ser contada espontaneamente, na hora.

E a narrativa de Krakauer avança assim, entre os discursos das pessoas diretamente envolvidas, com evidências, com suposições, salpicando com elementos característicos de romance o seu jornalismo despreocupado. Vale lembrar que um ponto interessante na construção do livro foi o recurso de usar, assim como no filme, uma cronologia sem contornos nítidos, em que os fatos vão e vêm numa sucessão de flashbacks, em que passado e presente se misturam.

Por fim, para quem ainda não entrou em contato com a história de McCandless, eu aconselho primeiro a ver o filme, e depois ler o livro. Assim, você parte para a narrativa já associando as pessoas e os lugares descritos com as cenas do longa-metragem, quem sabe ainda ouvindo no MP4 a excelente trilha sonora de Eddie Vedder. O resultado, como um todo, é bem agradável.

Encarte do DVD 

Conclusão: muito recomendado, principalmente para os que de vez em quando entram em rixa com a sociedade.

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Abaixo, eu disponibilizo o ótimo trailer do filme.

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21 maio 2010

Infância, de J. M. Coetzee

"O coração dele é velho, sombrio e duro, um coração de pedra. Esse é o seu segredo desprezível." (p. 113)

Infância J. M. Coetzee

Hoje pela manhã, antes de sair para almoçar um delicioso peixe frito com minha melhor amiga, eu finalizei a leitura do romance Infância (Boyhood – scenes from provincial life, 1997), cujo autor, o africânder John Maxwell Coetzee, recebeu o Nobel de Literatura em 2002 pelo conjunto de sua obra.

Coetzee é o segundo Nobel que leio. O primeiro foi Saramago ("Saramargo", como diz Natália, minha amiga), com os romances Ensaio sobre a cegueira (1995) e Intermitências da morte (2005). Gostei dos dois, mas o estilo do português não me animou muito, e acabei deixando os demais para a outra vida, se é que ela existe. (Azar o meu se não existir.)

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Sinopse: 'Infância' narra em terceira pessoa o processo de formação da personalidade de John, um jovem cuja infância é solapada pela presença de um pai falastrão e perdulário, uma mãe apática e a realidade hostil e violenta da África do Sul pós-Segunda Guerra Mundial. Refugiado nos livros e na introspecção, John procura sobreviver à própria infância.

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Infância é o primeiro livro da trilogia ficcional autobiográfica que se segue com Juventude (2002) e Verão (2009), este último lançado recentemente pela Cia. das Letras. Só li o primeiro, e ainda estou pensando em ler os outros. Talvez valha a pena. Pelo que pude perceber através da leitura de Infância, Coetzee é um daqueles autores que, embora não tenham uma narrativa sublime, pelo menos fisgam o leitor de uma maneira diferente e fazem com que ele se fixe nos seus livros.

Ainda que as primeiras páginas não tenham me atraído da forma como eu esperava, me identifiquei bastante com inúmeras passagens da história. São coisas que aconteceram na minha infância e também na de Coetzee, e que estão lá no livro, retratadas todas de uma maneira fria, imparcial e quase masoquista. Coetzee sofrendo com os colegas truculentos da escola, Coetzee enfrentando obstáculos para tomar a decisão de que religião seguir, Coetzee tendo dificuldades de relacionamento com a família. Com essas e com outras passagens é inevitável o leitor se identificar.

Um ponto forte da obra é a sinceridade com que o autor conta aquela infância: uma criança relativamente mimada, detentora de poderes maiores do que o normal, que, embora seja ocasionalmente rude com a mãe, o pai e o irmão, sempre se vê em apuros fora de casa. O tipo de criança que tem imponência sobre o lar, mas, fora dele, está sujeita às outras crianças.

Algo interessante de se notar é que, ainda que seja comum em livros do gênero "desenvolvimento da puberdade", neste as reflexões sobre sexo são mínimas. Coetzee parece muito mais inclinado a relatar uma infância em que o principal marco foi a falta de referências dentro de uma sociedade, e não pensamentos povoados por delírios eróticos e atos masturbatórios, como geralmente encontramos em obras cujo objetivo é narrar a saga pubertária de alguém.

Quem conta a história é um narrador em terceira pessoa distante e onisciente, impiedoso, sempre pondo os verbos no presente. Uma das coisas bem originais e interessantes do livro é que o protagonista é sempre referido como "ele", nunca pelo nome, John (mencionado apenas uma única vez durante um diálogo). Isso prova que, quando um escritor quer ser excêntrico e inovar na maneira de contar histórias, pode fazê-lo sem grosseria, de modo fluido, cujo ritmo o leitor acompanha numa boa. Mas o escritor tem que ser realmente bom para tanto.

Outra característica muito chamativa de Infância é a quase ausência de diálogos. Alguém poderia parafrasear Alice e dizer: "De que servem livros sem gravuras ou diálogos?", mas aqui Coetzee nos mostra outra excentricidade que ele faz o leitor acompanhar sem sofrimento. Cedo você descobre que o diálogo não é exatamente o melhor que o livro oferece; descobre que o melhor está nas descrições dos sentimentos e dúvidas do protagonista, naquilo que ele faz e que um dia você também fez quando criança.

A melhor parte, sem dúvida, é quando ele está na fazenda Voëlfontein!

Conclusão: Um livro que vale a pena ser lido.

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Natália parte uma posta do peixe com o garfo, olha para mim e pergunta: "Você vai ler os outros dois, Juventude e Verão?"

"Talvez", respondo com o copo de refrigerante na mão. "Esse que eu acabei de ler foi um livro muito bom, mas ainda estou pensando no que fazer com o restante da trilogia. Para ser sincero, nem sei que qualificação dar-lhe no Skoob. Estou em dúvida entre 4 estrelas e 5 estrelas."

Ela franze o cenho. Pensa um pouco com os olhos voltados para o prato, e depois os põe sobre mim, sorrindo. Vai dizer algo importante, imagino. E diz mesmo:

"Se você está na dúvida, é melhor colocar mesmo 4 estrelas. Se fosse para colocar a nota máxima, você não estaria pensando nisso."

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Abaixo, disponibilizo o trailer do filme Desonra, baseado no livro homônimo de Coetzee. O filme é estrelado por John Malkovich e, pela prévia, eu me interessei bastante. (Atenção para a ótima fotografia geral da película.)

Todos os direitos reservados.

12 maio 2010

Minha querida Sputnik, de Haruki Murakami

“No avesso de tudo que acreditamos identificar perfeitamente, esconde-se uma quantidade igual do desconhecido.” (p. 148)

Minha querida Sputnik Haruki Murakami

Ontem pela noite eu finalizei a leitura do romance japonês Minha querida Sputnik (Sputnik Sweetheart, 2001), que era o último livro do Murakami que restava para eu ler em português brasileiro.

Depois de ter iniciado a maratona de leitura de suas obras no início do ano passado, e ter lido inclusive todos os livros em rápida sucessão, me pergunto por que motivo protelei tanto a leitura de Minha querida Sputnik, a ponto de só tê-lo lido agora. Não faço a menor idéia do motivo. Não mesmo.

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Sinopse: O livro, com mais de 600 mil exemplares já vendidos no Japão, conta a história de Sumire, uma jovem de 22 anos que se apaixona pela primeira vez. Uma paixão avassaladora que tem como alvo Miu, uma mulher casada e 17 anos mais velha. Mas, enquanto Miu é uma mulher glamorosa e bem-sucedida negociante de vinhos, Sumire é uma aspirante a escritora que se veste e se comporta como um personagem de Jack Kerouac mas que, em nome do desejo, é obrigada a dar outro rumo a sua trajetória.

NOVO! Leia capítulos do livro aqui neste link.

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Tenho uma teoria literária. Na verdade, não se trata bem de uma teoria, mas de uma obviedade. Posso resumi-la assim: quando você lê muitos livros de um mesmo autor, começa a perceber aquilo que se repete em sua obra. Em outras palavras, começa a perceber o que não é original nele próprio (ou seria isso a sua "marca registrada"?) Foi assim com Michael Crichton, com Dan Brown, com Charles Bukowski etc. E foi assim com Haruki Murakami.

Na verdade, desde Caçando carneiros eu já percebera que existe algo que se repete muito em seus livros, e, quando o leitor se dá conta disso, começa a se sentir um pouco incomodado: em Murakami, os personagens principais que narram a história são sempre muito parecidos entre si. Parecidos a ponto de terem quase a mesma aparência (posso imaginar isso), vivenciarem quase as mesmas coisas e terem praticamente a mesma filosofia de vida.

Não que isso seja um erro. Não é. Mas faz com que os livros que ficaram para o final da lista percam o seu brilho, a sua originalidade. A prova disso é que achei Norwegian Wood e Kafka à beira-mar seus melhores livros, e foram os dois primeiros que li. Também achei Após o anoitecer muito bom, mas porque não repete a dose de narrador-protagonista. Os outros, desde Caçando carneiros até Minha querida Sputnik, tiveram o brilho esmaecido por conta da repetição da personalidade do protagonista. Se eu os tivesse lido antes, teria-os achado bem mais marcantes.

Mas, enfim, apesar disso, Minha querida Sputnik é um livro que adorei. Carrega todo aquele estilo característico do Murakami (muita música, muitos livros, muita referência ao sexo) e é um dos mais densos do autor, suponho. Depois do "Documento 1", escrito pela personagem Sumire, o leitor é convidado a uma série de reflexões complexas que penetram fundo na alma e vão até o final do romance.

O elemento fantástico, tão caro na obra do autor, foi bem explorado aqui. Adoro a inserção de elementos fantásticos nos livros do Murakami porque eles não são colocados ali aleatoriamente, a esmo, embora assim pareça sempre; não, eles sempre carregam um sentido, que o leitor decifra por si mesmo no final. O absurdo nunca é posto nas histórias de Murakami sem que haja, cedo ou tarde, um lampejo de compreensão por parte do leitor.

Conclusão: recomendadíssimo.

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Minha querida Sputnik traz, como sempre em Murakami, personagens que navegam à margem da sociedade, solitários, em busca de uma relação sólida a que se agarrar. Um trecho do livro que ilustra isso muito bem é o seguinte:

“Então me ocorreu que, apesar de sermos companheiras de viagem maravilhosas, no fundo, não passávamos de duas massas solitárias de metal em suas próprias órbitas separadas. A distância, parecem belas estrelas cadentes, mas, na realidade, não passam de prisões, em que cada uma de nós está trancada, sozinha, indo a lugar nenhum. Quando a órbita desses dois satélites se cruzam, acidentalmente, podemos estar juntas. (…) Mas só por um breve momento. No instante seguinte, estaremos na solidão absoluta. Até nos queimarmos completamente e nos tornarmos nada.” (p. 132)

03 maio 2010

Vale a pena ler de novo: Música ao longe, de Erico Verissimo

“No fundo de todas as coisas só existe esta verdade triste: Nós vivemos em solidão.” (p. 33)

Música ao longe Erico Verissimo

Recentemente eu reli o romance Caminhos cruzados (1934) – que faz parte do ciclo de romances urbanos de Erico Verissimo – mas, infelizmente, não comentei a releitura aqui no blog porque eu ainda não havia criado o quadro do Vale a Pena Ler de Novo.

No entanto, agora que ele foi criado, e agora que acabei de reler Música ao longe (1934), eu aproveito esse espaço para comentar as minhas impressões sobre esse livro maravilhoso, que compõe uma das mais belas sagas da literatura: o ciclo de romances urbanos protagonizados por Clarissa e Vasco.

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Não é só Música ao longe que merece ser relido. Na verdade, toda a obra de Erico o merece, e eu digo isso sem o risco de parecer exagerado, bajulador ou as duas coisas juntas. Alguém já disse que Ulisses (1922), de James Joyce, é um livro interessante porque, se você o reler a cada cinco anos (haja fôlego!), terá sempre uma visão diferente da história, de acordo com a sua maturidade.

É isso o que ocorre com o ciclo dos romances urbanos de Erico Verissimo, composto por Clarissa (1933), Caminhos cruzados (1934), Música ao longe (1934), Um lugar ao sol (1936), Olhai os lírios do campo (1938) e Saga (1940). Como esses livros são praticamente concebidos como uma história única, cujos personagens estão sempre interagindo, e como ela é perpassada por ideais humanitários muito fortes, isso significa que, se você reler esses seis livros de vez em quando (tarefa não muito difícil), terá sempre uma visão diferente deles.

Para começo de história, eu reli Música ao longe meio que acidentalmente. Eu tinha uma edição muito antiga desse livro e, como toda a minha coleção dos livros do Erico pertence às recentes edições da Companhia das Letras, achei conveniente adquirir Música ao longe também dessa safra nova. Resultado: comprei o livro de novo e, para todos os efeitos, reli-o. (Guardei a edição antiga.)

Devo confessar que a sensação de lê-lo foi, outra vez, empolgante. Não foi psiquicamente muito diferente da primeira vez, porque faz pouco tempo desde lá, mas é verdade que eu já agora o vejo sob um outro olhar. Música ao longe tem um plano narrativo aparentemente simples, mas ao mesmo tempo (não sei como, talvez devido à escrita do autor) é uma obra grandiosa, reflexiva, capaz de mover uma multidão intelectual. Afeta os inteligentes, comove os sensíveis, empolga os críticos da sociedade.

Sim, porque além de nos embalar com uma história sensível e poética, em que a menina Clarissa agora é professora na cidadezinha provinciana de Jacarecanga, e assiste à decadência da família ao mesmo tempo em que vê se avolumar uma espécie de paixão pelo primo Vasco – além de nos mostrar essa cativante história –, a trama tece comentários sobre as tendências da sociedade, as sutilezas dos planos sociais rígidos e a mobilidade (muitas vezes negativa) das elites locais.

Vale lembrar também que as personagens do livro são todas muito contemporâneas, principalmente o rapaz Vasco, subversivo e áspero para com os mais velhos. Isso confere à obra (não só com relação a Música ao longe, mas a todas as demais do ciclo) um caráter atemporal mesmo, capaz de lançar luzes às pessoas de qualquer idade, de qualquer lugar, de qualquer época. Acho meio impossível alguém ler um livro de Erico Verissimo e sair indiferente.

A obra deste escritor gaúcho é uma leitura altamente recomendada, de preferência na ordem cronológica do ciclo dos romances urbanos.

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“O velho se levanta, aproxima-se da mesa e explica. Tirem os olhos ao homem: ele não vê mais o mundo. Tirem-lhe o olfato: ele não sentirá mais os cheiros do mundo. Vão lhe tirando todos os sentidos: o tato, o gosto… Que fica no fim? Nada. O homem não vê, não ouve, não sente cheiros, nem contatos, nem nada. Logo, o mundo não existe: é uma ilusão dos sentidos.” (p. 72)

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Como a partir de agora eu farei de tudo para colocar um vídeo relacionado com o conteúdo de cada post, segue-se abaixo um comercial feito pela televisão brasileira para comemorar o centenário do autor, em 2005.

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