Pesquisar neste Blog

30 julho 2010

Travessuras da menina má, de Mario Vargas Llosa

"Quer dizer, você esperava há dez anos que uma garota como eu aparecesse em sua vida?" (p. 27)

meninavargas-llosa

Uma das primeiras providências que tomei ao chegar na cidade de Fortaleza-CE – onde iria morar pelos anos seguintes – foi adquirir livros com conteúdo mais profundo, denso, nada que se assemelhasse às histórias frugais que eu vinha lendo até então, em Belém-PA. Essa mudança de hábito literário nada tem a ver com as cidades em si, convém esclarecer. A questão é que, quando cheguei aqui, em Fortaleza, já contava 14 anos de idade e queria me ver livre das histórias "superficiais" (leia-se "de fácil digestão") que eu colecionava na minha prateleira.

Não sei se Travessuras da menina má (Travesuras de la ninã mala, 2006) atendeu perfeitamente essa exigência, porque, de certo modo, a história é escrita em moldes de best-seller e parece ser o romance menos profundo do autor. No entanto – e que isso fique bem claro – o livro é extremamente envolvente. Gostei muitíssimo de tê-lo lido.

Leia aqui a entrevista que o autor peruano Mario Vargas Llosa concedeu à Folha Online, na ocasião do lançamento do livro.

~~~~

Sinopse: O peruano Ricardo vê realizado, ainda jovem, o sonho que sempre alimentou – o de viver em Paris. O reencontro com um amor da adolescência o trará de volta à realidade. Lily – inconformista, aventureira e pragmática – o arrastará para fora do pequeno mundo de suas ambições. Ricardo e Lily – ela sempre mudando de nome e de marido – se reencontram várias vezes ao longo da vida, em diferentes cidades do mundo que foram cenários de momentos emblemáticos da História contemporânea.

~~~~

Ricardo Somocurcio, o protagonista da história, é um tradutor que trabalha para a Unesco, convertendo discursos e tratados de um idioma para outro. Acontece que na sua infância, ainda quando morava no bairro de Miraflores, no Peru, ele se apaixonou por uma misteriosa e sensual garota de nacionalidade incerta; desde esse fatídico encontro, jamais a esqueceu, mesmo depois de passados muitos anos. Ricardo se mudou para Paris – um sonho de criança – e parecia levar uma vida tranqüila e monótona de tradutor, até que reencontrou por acaso a tal garota – agora envolvida em uma violenta guerrilha comunista.

Esse é apenas o primeiro passo de uma jornada que iria durar décadas e décadas, para não dizer a vida toda dos dois, e irá transportar o leitor para vários países, em várias épocas diferentes – Inglaterra, França, Japão e Espanha, só para citar os principais. A Inglaterra dos hippies, a França conservadora – que se confunde com a personalidade de Ricardo –, o Japão dos mafiosos cruéis e a Espanha miscigenada são panos de fundo para essa história de amor nada convencional.

Se Dom Casmurro ficou cismado com os indícios de que Capitu o estava traindo, Ricardo Somocurcio parecia não se importar nem um pouco com o fato de sua amada estar dormindo com outros homens, por mais que tivesse certeza disso. Aliás, essa história de traição é algo que não importa em Travessuras da menina má, porque o fato é amplamente consumado por parte da protagonista. O próprio Llosa afirma que procurou fugir dos padrões que regem as histórias de amor tradicionais: "Queria fugir do lugar-comum", afirma. Assim, quando nos outros romances do gênero a traição possui um valor alto de tabu, aqui ela simplesmente é banal e corriqueira.

Edição originalEdição inglesaEdição portuguesa

Aliás, talvez nem possamos falar em "traição" propriamente dita. Ricardo e a Menina Má não eram cônjuges, sequer namorados no sentido usual do termo. E é esse o fio da meada do livro: enquanto ele, profundamente apaixonado por ela, ansiava por uma relação estável e tranqüila, ela, por sua vez, brincava com os sentimentos dele, vagando pelo mundo e casando-se com homens cuja posição social a beneficiaria. A história alterna momentos em que Ricardo fica sozinho em Paris, pensando na Menina Má, e momentos em que os dois se encontram, ou por obra do destino, ou deliberadamente – muitas vezes, deliberadamente.

É interessante ir acompanhando o desenvolvimento psicológico dos personagens – coisa que é mais bem trabalhada no caso da Menina Má – e é legal conhecer as amizades que tanto ela quanto Ricardo estabelecem ao longo de suas vidas, relações essas que, de um modo ou de outro, coadunam para que o casal-protagonista fique junto (como é o caso do Menino Sem Voz, responsável por uma das partes mais deliciosas do livro).

Assim como em Dom Casmurro, em Travessuras da menina má o autor teceu a trama de um jeito especial, de modo que fica no final uma dúvida no espírito do leitor. Se no primeiro o caso era "Traiu ou não traiu?", aqui a questão é "Amou ou não amou?" Há discussões acaloradas nas comunidades do Orkut, e uns leitores dizem que sim, que a Menina Má amou Ricardo à sua maneira excêntrica; enquanto outros dizem que não, que ela apenas brincou com o protagonista e que ele era um bobo em amá-la tão profundamente. E realmente é muito divertido ficar discutindo isso. É algo absolutamente comparável a Machado de Assis.

Pela rápida pesquisada que fiz na internet, vi que o livro tomou conta das livrarias brasileiras na época do seu lançamento, virando, inclusive, um best-seller por aqui. Não lembro disso (o que eu estaria fazendo na época?), mas de qualquer forma é interessante ver que um livro razoavelmente fora do circuito atraiu a atenção da massa. O sucesso de Travessuras da menina má é comparado ao de Caçador de pipas, e a vendagem do livro de Llosa, capaz de tirar qualquer editora da falência, foi a maior da companhia Objetiva.

Conclusão: muitíssimo recomendado.

~~~~

"Vou morrer", balbuciou, cravando as unhas no meu braço.

"Não vai morrer. Deixei que você fizesse comigo todas as canalhices do mundo, desde que éramos crianças, mas essa, de morrer, não. Isso eu proíbo."

Sorriu (…).

"Já era hora de me dizer alguma coisa bonita." (p. 183)

24 julho 2010

Misto-quente, de Charles Bukowski

"Que tempos penosos foram aqueles anos – ter o desejo e a necessidade de viver, mas não a habilidade." (p. 7)

Misto-quenteCharles Bukowski

Segundo o calendário que está grudado na porta da minha geladeira, as férias de julho já estão chegando ao fim. E quando as aulas da universidade retornarem, não sei ao certo se vou encontrar tempo para ler alguma coisa relacionada a literatura recreativa – aí é provável que eu não tenha obras sobre as quais escrever aqui.

No entanto, para que o blog não fique abandonado pela falta de artigos, vou escolher aleatoriamente, por semana, um livro da minha estante e traçar alguns comentários sobre ele. Sendo assim, teremos sempre um artigo semanal, independentemente da eventualidade – pelo menos é o que eu espero.

Bem. Iniciando o circuito, o livro escolhido foi o improvável Misto-quente (Ham on rye, 1982), escrito pelo rei underground de Los Angeles, o alemão naturalizado norte-americano Charles Bukowski. Já escrevi sobre um outro livro dele aqui no blog, Factótum (1975).

~~~~

Sinopse: O que pode ser pior do que crescer nos Estados Unidos da recessão pós-1929? Ter pela frente apenas a perspectiva de servir de mão-de-obra barata em um mundo cada vez menos propício às pessoas sensíveis e problemáticas? Esta é a história de Henry Chinaski, o protagonista deste romance que é sem dúvida uma das obras mais comoventes e mais lidas de Charles Bukowski.

Verdadeiro romance de formação com toques autobiográficos, Misto-quente cativa o leitor pela sinceridade e aparente simplicidade com que a história é contada. Estão presentes a ânsia pela dignidade, a busca vã pela verdade e pela liberdade, trabalhadas de tal forma que fazem deste livro um dos melhores romances norte-americanos da segunda metade do século XX.

~~~~

"A primeira coisa de que me lembro é de estar debaixo de alguma coisa. Era uma mesa (…)" É assim que começa Misto-quente, o romance que antecede a narrativa de Factótum – embora tenha sido escrito sete anos depois deste – e conta os primeiros passos (infância e adolescência) de Henry Chinaski, o anti-herói alter-ego de Bukowski. Em Factótum, o autor narra as andanças irregulares de Chinaski pelo mundo dos trabalhos manuais árduos, como limpar banheiros, empacotar caixas e carregar caminhões, tudo isso permeado pela vida boêmia que se resumia a porres homéricos e a sexo mais do que casual. Numa vida em que emprego e desemprego andam juntos, o protagonista do livro leva sua vida como pode, tentando conciliar sua realidade áspera com o desejo de ser escritor.

Já aqui em Misto-quente, Bukowski nos conta o que aconteceu com Chinaski antes disso. É quando somos apresentados a tudo aquilo que fez parte da infância do próprio autor: ser pobre, de origem alemã, ter um pai truculento que maltratava filho e esposa, colegas de escola chatos e perversos, um rosto cravejado de horríveis e numerosas acnes, e as iniciações sexuais na juventude – sujas e escatológicas.

Realmente não é nem um pouco difícil encontrar na narrativa de Bukowski – não só em Misto-quente e em Factótum, mas na maior parte de sua obra – uma espécie de espelho refletindo o que o próprio Bukowski era. Seus livros são, quase totalmente, auto-biográficos, mesmo que isso não seja declarado abertamente. Ao contrário do que pensa Pedro Gonzaga, tradutor de Misto-quente, eu tenho a impressão de que os livros de Bukowski retratam fielmente a vida do autor.

Bem, não consigo imaginar os livros do "velho Buk" em outras edições que não sejam as da editora L&PM Pocket, em seus clássicos volumes de bolso. Me parece que uma edição mais elaborada e mais bem acabada dos romances dele iriam contra aquilo que está nas próprias páginas dos livros – iriam contra a simplicidade, a aspereza e a sinceridade que permeiam a obra de Bukowski. Um volume de bolso que você pode carregar para lá e para cá, sem ter muito cuidado, é quase que uma extensão das histórias do "velho Buk", nas quais as personagens vivem vidas desregradas, vulgares, despreocupadas. Sempre pensei isso.

Charles Bukowski 2Charles Bukowski 3

Sim: o cara das fotos de cima é o autor do livro sobre o qual estou falando. A garota da esquerda, com a qual ele está agarrado, é uma figura que ninguém consegue identificar, embora uma boa quantidade de fotos dele com ela esteja no Google (em posições muito mais à vontade, diga-se de passagem). Observando fotografias desse tipo, não deixo de pensar em Henry Chinaski, seu alter-ego literário, principal personagem de Misto-quente e Factótum, também protagonista de vários contos da obra Fabulário geral do delírio cotidiano.

Tudo bem, está na hora de falar da parte interessante; daquilo que faz de Bukowski um escritor muito superior àqueles que retratam apenas sordidez em seus livros. É preciso falar por que gosto dos escritos do autor e por que não o considero tão vulgar quanto ele aparenta ser normalmente.

Há muito tempo, muito antes de eu pensar em escrever esta resenha, dentro de uma livraria no centro da cidade, escutei um diálogo interessante. Me lembrei desse diálogo agora mesmo. Eu folheava Fortaleza Digital, do Dan Brown, quando atentei para uma conversa que se desenrolava na estante da frente entre um grupo de garotas. Dando um jeito de bisbilhotar por entre as estantes de ferro, percebi que uma delas segurava um exemplar de Misto-quente, dizendo: "Poxa, Bukowski! Adoro esse autor. Mas ele é bem… como a gente pode dizer?" Virou-se para uma das amigas. "É bem escatológico, não é?" A outra concordou: "É sim, bem pesado, muito sexo, muita bebedeira." Uma terceira garota, que folheava contos de Tchekhov, questionou: "Se é tão assim, por que vocês gostam?"

"Porque ele escreve muitíssimo bem", respondeu a que segurava o livro, "e seus personagens realmente têm vida." Relembrando esse diálogo, vejo que a garota tinha razão. Como disse um jornalista do New York Times, há verdadeiro sentimento nas pessoas que Bukowski retrata. Os palavrões, a escatologia e os porres homéricos presentes na obra dele escondem algo que raramente se encontra em livros do gênero: o amor e a simpatia pelos desvalidos. Há humanismo em diversas passagens de Misto-quente, dentre elas aquela em que Chinaski, já adulto, encontra um garoto mexicano dentro de uma casa de jogos, nas últimas páginas do livro.

Conclusão: ninguém é obrigado a gostar de Charles Bukowski, mas, enfim, ele é um escritor que merece a boa fama que tem.

~~~~

Abaixo, o trailer do filme Factótum, estrelado por Matt Dillon e Lili Taylor.

17 julho 2010

Templo, de Matthew Reilly

"Sou agora um homem velho, frágil e carcomido, sentado numa mesa do mosteiro, escrevendo sob a luz de uma vela." (p. 455)

TemploMatthew Reilly

Há mais ou menos uma semana, eu estava passeando com minha amiga Natália por entre as estantes de uma livraria qualquer da cidade, quando, por obra do acaso, meus olhos caíram sobre um exemplar de Templo (Temple, 1999), romance escrito pelo australiano Matthew Reilly. Li a sinopse do livro e comentei com Natália: "Não se parece com aquelas histórias de aventura que eu escrevia quando era mais novo?" Na época, Natália fora uma das únicas pessoas que as leram. E ela respondeu: "Realmente, se parece até demais." Deu de ombros. "Compre."

Embora nunca tivesse ouvido falar de Reilly até então, eu comprei o volume e finalizei a leitura hoje pela manhã. Graficamente falando, o livro – que foi lançado pela editora Record aqui no Brasil – recebeu um ótimo trato e ficou bastante apresentável. Os detalhes da capa (relevos e tinta levemente áspera) são atraentes e bem feitos, e no miolo a tipografia é boa, sem aqueles borrões terríveis que povoam as letras dos livros da Record.

~~~~

Sinopse: Na perigosa selva do Peru, começa a corrida para localizar um lendário tesouro inca, esculpido em uma pedra rara feita de tírio, um elemento químico não encontrado no planeta Terra. Só que a relíquia pode ser usada para levar o mundo à total aniquilação, uma vez que o tírio é a peça que falta para pôr em funcionamento a Supernova, um artefato poderoso capaz de exterminar 2/3 do globo. Na disputa, o governo americano e um grupo paramilitar neonazista empregam todos os seus esforços. E a caçada em busca do ídolo inca já começou.

~~~~

Em 1997, Matthew Reilly escreveu um livro chamado Estação polar, que, imediatamente após ter sido publicado, virou um best-seller internacional. Nessa época, Reilly tinha apenas 23 anos de idade e estudava Direito. Provavelmente, com o sucesso do seu primeiro livro e o conseqüente dinheiro que arrecadou dos direitos autorais, o jovem Reilly abandonou a faculdade e dedicou-se à atividade de literato em tempo integral. E então, dois anos depois, em 1999, publicou Templo.

Devorei o livro e adorei. Ele me fez lembrar do tempo em que eu escrevia histórias de aventura passadas em países como México e Peru, em que um grupo de arqueólogos arriscava sua vida entrando em templos misteriosos para obter uma espécie de ídolo perdido e valioso, fosse de origem inca, asteca ou maia – uma sociedade pré-colombiana qualquer. E o livro de Reilly, assim como as minhas antigas histórias, preza pela aventura ao estilo antigo, a la Indiana Jones: florestas com névoas sinistras, templos misteriosos e perigosos, perseguições impossíveis e um punhado de pessoas que lutam para pôr as mãos no tesouro antes que a equipe concorrente, a vilã, faça isso.

Reilly é um cara absurdamente fã de filmes de ação, e, como é de se esperar, ele transporta esse gosto especial para os livros. Suas personagens vivem situações fantásticas, quase absurdas – o professor Race passando de um avião para outro em pleno ar é apenas um exemplo – e seus heróis experimentam eventos em que a adrenalina tem um papel crucial.

De certo modo, não posso negar: isso faz com que o livro perca pontos, pois as situações são tão exageradas que fica difícil engoli-las normalmente – ainda mais depois de constatar que as personagens saem incólumes das provações. Mas… creio que quem procura um livro de ação e aventura não pode se importar muito com isso, senão sai perdendo.

Edição norte-americanaEdição espanhola

Algo que convém ser trazido à tona é o fato de que Reilly possui um estilo muito parecido com o de Dan Brown. Até mesmo seu livro Estação polar tem uma semelhança de enredo indiscutível com Ponto de impacto. Porém… feitas as contas, vemos que Reilly é precursor de Brown: enquanto o australiano escrevia Templo – um de seus últimos livros até agora –, o americano começava a publicar Fortaleza Digital, seu primeiro romance. Sendo assim, a vontade de dizer que Matthew Reilly copiou Dan Brown rui por terra. (E o mais impressionante é que William Race, protagonista de Templo, tem uma semelhança incrível com Robert Langdon.)

Mas, enfim, os fãs de narrativas dinâmicas e com ritmo cinematográfico irão se deleitar lendo as aventuras desses dois escritores. Além do mais, Reilly – assim como Dan Brown – escreve muito bem, e com as descrições que ele faz fica fácil imaginar as atmosferas e os lugares apresentados na história.

Ah, antes que eu me esqueça, fica aqui a reclamação sobre a péssima tradução de Marcos Demoro. Não se trata nem de erros textuais – seria pior se fosse – mas de erros de ortografia, como vírgulas em lugares errados, pontuações mal-feitas, verbos mal-conjugados e concordâncias erradas (como "1,8 bilhões de dólares"). Nada que comprometa a leitura, óbvio, mas um livro não pode cometer deslizes assim.

Conclusão: aventura divertida e um ótimo passatempo. Bastante recomendado!

~~~~

"É próprio da natureza humana o desejo de dominar o semelhante. Algo que vem sob muitos disfarces, muitas formas, das políticas de gabinete às limpezas étnicas, e é praticado por todos nós, do mais baixo escalão ao presidente da República (…). Mas a essência permanece a mesma. Diz respeito ao poder e ao predomínio. Mas é um câncer que devasta o mundo e que deve ser extirpado." (p. 492)

~~~~

09 julho 2010

A montanha e o rio, de Da Chen

"(…) pelas breves noções de história que eu vinha adquirindo nas minhas leituras noturnas, sabia que (…) o poder nunca mudava de mãos sem ficar manchado de sangue." (p. 90)

A montanha e o rioDa Chen

Ontem pela manhã eu finalizei o que talvez tenha sido a minha penúltima leitura de férias: A montanha e o rio (Brothers, 2006), escrito pelo chinês radicalizado norte-americano Da Chen. O autor demorou nada menos que oito anos para conceber e redigir o romance, e no final das contas acabou arrecadando críticas elogiosas do Boston Globe, USA Today, San Francisco Chronicle e outros suplementos literários.

O livro foi lançado aqui no Brasil pela editora Nova Fronteira, que, por sinal, fez um ótimo tratamento na capa e no miolo. A tinta brilhosa que usaram no título da frente, nos caracteres chineses amarelos e na lombada não descascam, por mais que a gente manipule o livro esfregando os dedos nessas regiões. (Diferentemente do que aconteceu com o meu exemplar de Estado de medo, do Crichton, que a uma altura dessas já está totalmente sem título aqui na minha estante.)

~~~~

Sinopse: No auge da Revolução Cultural chinesa, Ding Long, um jovem e poderoso general, gera dois filhos. Um deles, legítimo. O outro, nascido de uma jovem camponesa que se atira do alto de uma montanha pouco depois do parto. Tan cresce em Beijing, cercado de luxo, carinho e conforto, ao passo que Shento é criado nas montanhas por um velho curandeiro e sua esposa, até que a morte do casal o leva a um orfanato onde passa a viver sozinho, assustado e faminto.

Separados pela distância e pelas condições de vida, Tan e Shento são dois estranhos que crescem ignorando a existência um do outro, até que suas vidas se dirigem, de forma emocionante, para um ponto de colisão.

~~~~

Não sei se começo esta resenha falando primeiro dos pontos negativos do livro e depois dos positivos, ou vice-versa. Em retrospecto, acho que eles estão relativamente balanceados aqui, e por isso não sei de quais falo primeiro. Como Da Chen é estreante em literatura de ficção, acho normal – além de inevitável – que seu primeiro romance tenha aspectos negativos: pontos clichês, incoerências, linguagem inadequada em algumas passagens etc. Em suma, aspectos negativos que, assim espero, serão corrigidos nos seus futuros romances.

Bem, já que comecei falando do lado ruim do livro, não me resta outra coisa senão continuar. E o primeiro ponto que eu gostaria de comentar aqui é uma espécie de defeito na linguagem da narrativa; difícil explicar, mas me pareceu que as palavras e expressões usadas por Da Chen nos primeiros capítulos soaram incoerentes, fora de contexto, como se a história se passasse em um país ocidental dos dias de hoje, e não na China comunista do final do século passado. Enfim, tive uma sutil sensação de que a linguagem não combinava com a carga histórica da obra.

Além disso, ainda falando em narrativa, me pareceu também que o livro seria melhor aproveitado se fosse escrito todo em terceira pessoa. Tudo bem, a narrativa das personagens em primeira pessoa se alternando nos capítulos é bacana, mas penso que os detalhes do enredo ficariam melhor explorados se a escrita fosse feita por um narrador observador onisciente, o que contribuiria ainda para dar uma atenção maior às personagens secundárias.

Uma coisa que pode entediar o leitor em A montanha e o rio são as passagens em que se descreve os trâmites burocráticos e políticos das operações de Tan, vovô Long e Shento. Na verdade isso não é um defeito do livro, obviamente, uma vez que é fundamental para o desenrolar da história, mas ainda assim essas passagens me fizeram bocejar algumas horas. O engraçado é que eu li coisas potencialmente bem mais "enfadonhas" em O Palácio de Espelho, mas não senti o menor enfado aí – acho que o autor desse livro soube tratar a coisa de modo mais interessante.

Para acabar a infeliz lista dos aspectos negativos do livro, resta apenas falar do enredo do romance em si, que é um tanto clichê. Irmãos que crescem separados – um legítimo; outro ilegítimo, buscando vingança contra o pai que o rejeitou –, apaixonados pela mesma moça, que fica indecisa quanto a quem ceder. Os irmãos, por conta da educação e das oportunidades que tiveram na vida, acabam virando inimigos mortais um do outro. Etc., etc. Não parece um pouco batido demais? Folhetinesco? Parece, mas o clichê presente no livro não é intragável, pelo contrário: algumas vezes passa até despercebido.

Praça Tiananmen, em Beijing, citada com freqüência no livro

O.K., agora é a hora dos pontos positivos do livro. É até bom acabar a resenha falando sobre eles, porque aí o leitor fica com uma impressão boa do romance. Em primeiro lugar, como sempre acontece em obras épicas, é agradável ir identificando os acontecimentos históricos reais que perpassam o enredo porque, além de o leitor ter uma detalhada aula de História, o livro se torna bem mais verossímil quando é inserido nesses contextos verídicos. É o caso de A montanha e o rio. Me surpreende a capacidade de alguns autores de conceber uma história com base em eventos reais, moldando suas personagens e a sua trama a partir dessas premissas.

Embora eu tenha apontado aquele defeito com a linguagem da narrativa no começo, não sou tão chato quanto pareço e digo que ela é extremamente fluida, agradável de ler, e o livro toma ares mais dinâmicos, envolventes, a partir dela. Outra coisa legal trabalhada no romance – e isso parece ter sido a preocupação central de Da Chen – é o sentimento do povo de estar sendo ludibriado e ter a liberdade roubada por um governo que age desonestamente em benefício próprio, assassinando líderes estudantis contrários à tirania reinante dos militares. A sensação que o leitor tem de estar participando das reuniões estudantis secretas, anti-governistas, é forte e bacana.

Por fim, confesso que li as últimas dezenas de páginas com tanta avidez quanto foi possível, na velocidade mínima necessária para pelo menos captar o que estava sendo passado. É um final elétrico, que deixa o leitor ligado. Sem brincadeira, o dinamismo do final é de tirar o fôlego.

Conclusão: para quem gosta de épicos que envolvem muita conspiração e manobras militares, um prato cheio. Para quem é indiferente, vale a pena dar uma olhada.

02 julho 2010

As aventuras de Sherlock Holmes, de Sir Arthur Conan Doyle

"(…) para chegar à perfeição da arte, o raciocinador precisa saber utilizar todos os dados que chegaram ao seu conhecimento." (p. 119)

As aventuras de Sherlock Holmes Sir Arthur Conan Doyle

Hoje pelo final da tarde, depois de assistir à penúltima rodada das oitavas-de-final da Copa do Mundo (escrevo isto no dia 28 de junho), eu finalizei a leitura do livro As aventuras de Sherlock Holmes (The adventures of Sherlock Holmes, 1892), uma compilação de doze contos do mais célebre detetive do planeta, Sherlock Holmes, criado pelo inglês Arthur Conan Doyle.

O livro que adquiri foi lançado pela editora Martin Claret recentemente. Essa editora já publicou vários outros títulos de Sherlock Holmes, incluindo O último adeus de Sherlock Holmes, mas a hegemonia não é só sua: a L&PM Pocket também possui uma boa quantidade de títulos do personagem mais famoso de Doyle.

~~

Sinopse: "As aventuras de Sherlock Holmes", obra publicada em 1892, é uma série de doze contos nos quais o genial detetive, acompanhado de seu fiel amigo dr. Watson, deslinda os mais intrincados e, por vezes, assustadores mistérios. Esta edição inclui mistérios conhecidos protagonizados por Holmes, como "Um escândalo na Boêmia", "A liga dos Cabeças Vermelhas" e "A coroa de Berilos".

~~

Eu já havia lido Um estudo em vermelho (primeira aventura de Sherlock Holmes) há uns três ou quatro anos, e gostei bastante da história (o suspense e a aparente ruptura no meio do livro são impagáveis), mas não sei por que cargas d'água não fui atrás das outras aventuras do detetive. Muito tempo se passou depois que li Um estudo em vermelho, e somente na semana passada, meio que a título de tapa-buraco (pois a vinda de A montanha e o rio pelo correio ainda ia demorar, e eu queria alguma coisa para ler nesse intervalo), encontrei na livraria esta compilação de contos e a trouxe para casa, para passar o tempo.

E foi então que me dei conta do quanto gosto do detetive particular criado pelo sr. Doyle. Ficou fácil, ainda, perceber por que a dupla Holmes e Watson perdurou no tempo e se consolidou tão famosa, mais famosa que o próprio escritor, diga-se de passagem, a ponto de leitores considerarem o personagem Holmes uma pessoa real.

O livro em questão nos traz doze historinhas curtas (média de vinte páginas para cada uma) em que, como sempre, no início de cada conto, Sherlock Holmes e Watson recebem uma visita inesperada no seu apartamento da Baker Street, sendo essa visita geralmente alguém que chega estabanado e vem pedir auxílio ao detetive. Holmes então ouve os relatos atento, acompanhado pelo seu fiel amigo Watson, e no final da exposição do visitante o detetive promete empregar toda a força de seu raciocínio lógico-dedutivo para a resolução do mistério que lhe foi apresentado.

Às vezes a competência desse raciocínio de Holmes na resolução dos mistérios pode nos parecer forçada, sobre-humana até, mas, creio eu, é essa inteligência fantástica do detetive que fez dele um personagem memorável. Sendo assim, eu não me importei quando li algumas deduções extraordinárias por parte de Sherlock Holmes; quando eu lia algo que soasse meio forçado, ainda assim pensava que o mérito era do personagem, e não um exagero do autor.

Para os que ainda não sabem, é Watson quem sempre narra as aventuras de Sherlock Holmes, e é pelos olhos dele que enxergamos o desenvolvimento das tramas das histórias. É importante ainda lembrar que essa narração em primeira pessoa, por Watson, não é gratuita: como que para divulgar as habilidades do seu amigo Holmes, Watson escreve os contos e os publica nos periódicos ingleses. Portanto, quando lemos as histórias de Sherlock Holmes, é como se lêssemos os textos que John Watson escrevia sobre as aventuras que protagonizava com seu amigo.

Falando ainda em coisas impagáveis, não posso deixar de citar a personalidade de Sherlock Holmes, personalidade essa que, sem dúvida alguma, contribuiu enormemente para que ele se tornasse imortal na literatura. Devo confessar que às vezes dá vontade de ser como ele: frio, distante, elegante, completamente desligado de emoções mas sempre com muito bom-humor, de raciocínio rápido e preciso. Um cara realmente admirável; quem lê as histórias dele reconhece isso.

Deste livro, destaco as histórias As cinco sementes de laranja, O mistério do Vale Boscombe, O homem do lábio torcido, O carbúnculo azul, A faixa malhada, A coroa de Berilos e As Faias Cor de Cobre. Mas não é preciso dizer que todos os contos são excelentes e sempre despertam a curiosidade da gente.

Conclusão: Sherlock Holmes é uma leitura quase obrigatória; sendo assim, esse livro é muitíssimo recomendado, principalmente para os que querem entrar pela primeira vez no universo do detetive.

~~

Abaixo, transcrevo uma passagem de uma fala de Sherlock Holmes, quando este faz a Watson algumas considerações sobre o trabalho de ser detetive.

"O raciocinador ideal é aquele que, depois de conhecer um fato em todos os seus detalhes, deve deduzir não só a série de acontecimentos que o antecederam, mas também todas as suas conseqüências. (…) o observador que examinou bem um acontecimento numa série deve ser capaz de determinar todos os outros [acontecimentos], anteriores e posteriores. (…) É possível resolver pelo estudo problemas que desafiaram os esforços dos que buscaram sua solução apenas com a ajuda dos sentidos." (p. 119)

~~

Por fim, segue o trailer legendado do filme Sherlock Holmes, lançado aqui no Brasil em janeiro de 2010. Ainda não assisti, mas me parece que a dupla retratada no longa passa a anos-luz da dupla literária. Como disse o site Omelete, "Se o seu medo era uma completa descaracterização do famoso detetive em prol de um personagem mais moderno e capaz de carregar uma franquia nas costas, comece a se preocupar."