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27 dezembro 2013

5 livros que eu li em 2013 e que você gostará de ler em 2014

Seguindo a tradição do Gato Branco, nos últimos dias do mês de dezembro de cada ano eu elaboro a lista dos cinco livros que mais me impressionaram como leitor, desde janeiro até então. Ou seja, escolho cinco obras cuja leitura superou (ou atendeu) minhas expectativas nos últimos 12 meses e as coloco aqui, acompanhadas de um breve comentário.

Naturalmente, isso não significa dizer que, dentre todas as leituras de 2013, considerei apenas estas cinco como boas. Muitos livros passaram pelas minhas mãos ao longo deste ano, e muitos deles maravilhosos; mas, por uma questão de seleção quase arbitrária, separo apenas cinco para trazer para cá.

E, então, a minha lista de 2013 é esta:


O silêncio contra Muamar Kadafi | Andrei Netto

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Que o jornalista brasileiro Andrei Netto viveu uma aventura impressionante no coração da Líbia, durante a guerra civil que depôs o ditador Muamar Kadafi em 2011, disso não restam dúvidas. Entrando clandestinamente no país junto com um colega de profissão iraquiano, Netto buscou o epicentro da revolução popular que ansiava por derrubar um regime totalitário sangrento de mais de 40 anos. Entrevistando líderes do movimento insurgente, refugiados e estrangeiros, o jornalista disseca a Primavera Árabe na Líbia e, graças à excelência de sua escrita, faz o leitor se imaginar nos desertos áridos do Norte da África, acompanhando os passos da rebelião popular.

Netto chegou a ser preso pelas autoridades líbias durante sua estada no país, acusado de ajudar o movimento insurgente. Passou vários dias em uma cela pequena, imunda, e foi liberado somente com a intervenção da diplomacia brasileira. Essa passagem no livro é uma das mais interessantes.

Narrado em forma de thriller (o que o torna incrivelmente atraente e fluido, como um grande romance de aventura), O silêncio contra Muamar Kadafi foi, sem dúvida, o melhor livro de jornalismo que li em 2013. Vale conferir, sem ressalvas.

Clique aqui para ler a resenha de O silêncio contra Muamar Kadafi no Gato Branco.


1Q84 – Vol. I | Haruki Murakami

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Desde Norwegian Wood e Kafka à beira-mar, venho acompanhando os romances do japonês Haruki Murakami com dedicação, ainda que os dois primeiros que li continuem a ser os meus favoritos. De um modo geral, os romances do autor são muito semelhantes entre si e, como falou uma amiga minha, a sensação é a de que você está lendo sempre o mesmo livro, o que não é propriamente ruim – já que os enredos criados por Murakami sempre nos envolvem.

1Q84 inicia a trilogia que é considerada a obra máxima do autor. Publicada entre 2009 e 2010 no Japão, 1Q84 vendeu dezenas de milhões de cópias no mundo inteiro (aliás, coisa nem um pouco rara em se tratando de Murakami) e reafirmou o japonês como um dos escritores cult mais populares da atualidade.

Este primeiro volume apresenta os dois personagens principais a partir dos quais a trama é costurada: Tengo, um jovem professor de matemática do Ensino Médio, aspirante a romancista, recebe do seu amigo editor o desafio de reescrever um livro enigmático de autoria de uma garota mais enigmática ainda – e, de repente, coisas estranhas começam a acontecer no mundo real, de algum modo ligadas a esse processo de reescrita; Aomame, uma professora de educação física que esconde sua segunda ocupação, a de fazer justiça contra homens que violentam mulheres. Como não poderia deixar de ser, a trajetória desses dois vai convergindo aos poucos para um único ponto, clímax da série.

Com seus pontos altos e baixos, a trilogia é ainda assim um grande exercício de imaginação e um excelente entretenimento para os fãs de Murakami. Sem a carga emocional e a densidade psicológica de Norwegian Wood, e sem o enredo orquestrado de Kafka à beira-mar, 1Q84 se sustenta pela criatividade e pela fantasia non-sense, que tem agradado muito o público em toda a carreira do autor.

Clique aqui para ler a resenha de 1Q84 – Vol. I no Gato Branco.


Anna Kariênina | Liev Tolstói

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A Felicidade Conjugal foi o primeiro livro que li do escritor russo Liev Tolstói. Sua escrita primorosamente refinada, o conteúdo introspectivo e o enredo belo e surpreendente fez com que este autor ocupasse o lugar da minha estante que é destinado aos grandes gênios da literatura. Suas obras são como um espelho que reflete nossa condição humana: todas as nossas dúvidas, nossos temores e nossos desejos são sugeridos de forma sutil – e às vezes nem tão sutil – em obras como, por exemplo, Anna Kariênina, publicado originalmente em 1877.

Anna Kariênina é o tipo do livro que, não importa se foi escrito na distante Rússia do século XIX, o leitor de hoje certamente vai se identificar com algum personagem da galeria de Tolstói e constatar que sentimentos – no sentido estrito da palavra – são universais em larga medida. Este foi um livro que li com deleite. Não era raro me deter por mais de dez minutos na mesma página, apreciando um determinado diálogo, um determinado parágrafo descritivo, uma determinada reflexão, e constatando como Tolstói escrevia de forma maravilhosa.

Gosto de me referir a Anna Kariênina como "o romance definitivo sobre o Amor". Afinal de contas, é uma obra que pondera o que somos capazes de fazer por causa dele: do que podemos abrir mão e o que podemos abraçar como causa. E, quando me refiro a Amor, estou me referindo a esse sentimento em suas múltiplas manifestações: o amor entre amantes, entre pai e filha, entre mãe e filho, entre irmãos, entre desconhecidos. Como não poderia deixar de ser, é também um romance sobre as aparências: sobre se relacionar buscando algo não no outro, mas em si mesmo; uma afirmação não para o outro, mas para si, afirmação com a qual você tenta construir sua identidade. Afinal de contas, quando dizemos "Eu te amo", não estaríamos sugerindo algo como "Eu preciso dizer que te amo"?

Livro monumental que faz justiça às suas 800 páginas, Anna Kariênina é o romance do qual ninguém pode escapar. Leitura mais que obrigatória para os fãs dos russos.

Clique aqui para ler a resenha de Anna Kariênina no Gato Branco.


A visita cruel do tempo | Jennifer Egan

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Escrito à mão, A visita cruel do tempo foi o romance vencedor do Prêmio Pulitzer de Ficção 2011 e, também, o ganhador de outros prêmios importantes nos EUA. Recebeu elogios desmedidos de vários suplementos literários norte-americanos (e do restante do mundo) pela criatividade da autora, seu domínio técnico e prosa envolvente. Ganhei o livro do meu irmão e, no início, antes de começar a lê-lo, eu tinha minhas reservas quanto a todo aquele experimentalismo literário, que parecia, ao mesmo tempo, ambicioso demais e relevante de menos.

Mas me enganei com prazer quando iniciei a leitura. A visita cruel do tempo é um texto engenhoso, de fato envolvente, complexo, cujas histórias e personagens se entrelaçam de modo criativo e até inesperado. Foi certamente uma das leituras mais acertadas do ano.

O livro possui uma cronologia embaralhada que conta, através da passagem do tempo, a juventude e a vida adulta de um grupo de pessoas que estão no mesmo círculo afetivo e profissional. É o caso de Bennie Salazar – talvez o eixo central desse círculo –, um executivo da indústria fonográfica que acompanha desde a explosão dos roqueiros independentes, nos anos 70 e início de 80, até a superficialidade do ramo na era digital.

Navegando pelos mares da internet, encontrei um leitor do livro chamado Daniel que se deu ao trabalho de identificar o local e a época em que cada capítulo transcorre. Segue abaixo o que ele garimpou. (Se alguém quiser ler o livro pela segunda vez, fica aí uma sugestão de acompanhar a cronologia real.)

1. Achados e perdidos – NY, 2009
2. Ouro que cura – NY, 2006
3. Não estou nem aí – São Francisco, 1979 (narradora: Rhea)
4. Safári – África, 1973
5. Vocês – São Francisco, 2006 (narradora: Jocelyn)
6. Xis-zero – NY, 1997
7. De A a B – NY, 2003
8. Como vender um general – NY, 2008
9. Um almoço em 40 min – NY, 1999
10. Fora do corpo – NY, 1994 (narrador: Rob)
11. Adeus, meu amor – Nápoles, 1993
12. Grandes pausas do rock – Deserto da Califórnia, 2020?
13. Linguagem pura – NY, 2022

Clique aqui para ler a resenha de A visita cruel do tempo no Gato Branco.


Cartas na rua | Charles Bukowski

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Nesse ano, tiquei mais um Charles Bukowski da minha lista de "Obras Indispensáveis". O livro foi Cartas na rua, romance publicado em 1971 que traz ao leitor pela primeira vez o protagonista Henry Chinaski, alter-ego de Bukowski – também inclinado aos porres, às mulheres e aos empregos sem perspectiva nenhuma.

Aqui, ao contrário de Factótum (1975), Chinaski não se vê pulando de trampo em trampo para ganhar uns trocados. Na verdade, o personagem mais conhecido de Bukowski está há 14 anos trabalhando no mesmo lugar: os Correios norte-americanos. Ele intercala sua vida monótona e estressante com as mulheres com as quais se envolve, umas mais novas, outras mais velhas, mas todas sempre muito excêntricas e desconcertantes. No final das contas, temos pintado um quadro sobre a desilusão do american way of life e sobre como o estofo da sociedade americana é, também, composto pelos marginalizados.

Primeiro romance de Bukowski, Cartas na rua é o início da obra de um escritor que foi muito além da literatura: transformou a própria vida em arte, desafiou tradições e abriu um novo caminho para os romances malditos. Não por acaso, o Velho Buk é um dos artistas mais celebrados e copiados desde os anos 80.

Clique aqui para ler a resenha de Cartas na rua no Gato Branco.



Menção honrosa:

Momo e o senhor do tempo | Michael Ende

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Eis um livro que foi parar na minha estante de modo completamente inesperado e que, sim, me surpreendeu muito. Um professor da Universidade de Fortaleza me indicou este livro no início do ano e, assim que comecei a lê-lo, percebi por que o alemão Michael Ende é tão querido na Europa e em alguns lugares do restante do mundo: sua prosa fluida está a serviço não da técnica, mas do conteúdo – e este conteúdo, voltado para o público infanto-juvenil, é sempre inspirador, carregando mensagens que o público adulto parece já ter esquecido.

Digo que o livro foi parar de modo inesperado na minha estante porque, até meu professor aparecer com ele, eu não tinha a menor intenção de lê-lo (sequer sabia da sua existência), embora conhecesse bem a reputação de Ende. E como valeu a pena!

Momo e o senhor do tempo conta a história de Momo, uma menina de aproximadamente 10 anos de idade que se vê na tarefa de devolver o tempo roubado das pessoas. Ela percebe a existência de um grupo de homens misteriosos que está atuando nos bastidores e que, de modo mal-intencionado, negocia com os cidadãos o uso do seu próprio tempo de vida.

Momo certamente é um lembrete do que o tempo representa nas nossas vidas e o que fazemos para preservá-lo (ou desperdiçá-lo).

Clique aqui para ler a resenha de Momo e o senhor do tempo no Gato Branco. 


É isso. E que venham novas e excelentes leituras em 2014!

07 dezembro 2013

Sobre a brevidade da vida, de Sêneca

"Muito breve e agitada é a vida daqueles que esquecem o passado, negligenciam o presente e temem o futuro." (p. 70)

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Na semana passada, finalizei a leitura de Sobre a brevidade da vida (De brevitate vitae), tratado epistolar escrito pelo filósofo, dramaturgo e político Lúcio Sêneca.

Sêneca nasceu em Córdoba, na Espanha, por volta do ano 4 a.C. Mudou-se para Roma ainda jovem, a fim de estudar retórica e Filosofia, e lá exerceu durante grande parte da sua vida trabalhos em altos cargos políticos, ao lado de, dentre outros, Calígula e Nero – deste último tendo recebido a ordem para cometer suicídio, após ter sido acusado de conspirar contra o então imperador. Seus trabalhos, que envolvem tragédias, ensaios e diálogos filosóficos, são conhecidos por abordar de maneira direta e prática temas comuns ao cotidiano das pessoas, tais como amizade, educação, vida e morte.

Sobre a brevidade da vida é um conjunto de cartas direcionadas a um homem chamado Paulino, funcionário público que muitos estudiosos acreditam ter sido sogro do filósofo. Nas epístolas que compõem a obra, sempre se dirigindo a Paulino, Sêneca discorre sobre a vida fútil e vazia dos sujeitos ocupados com tudo aquilo que não lhes diz respeito de fato: políticos preocupados com seu cargo, nobres preocupados com sua posição social, cidadãos preocupados com o julgamento do seu semelhante, e assim sucessivamente.

Como ele mesmo escreve:

Certamente, miserável é a condição de todas as pessoas ocupadas, mas ainda mais miserável é a daqueles que sobrecarregam a sua vida de cuidados que não são para si, esperando, para dormir, o sono dos outros, para comer, que o outro tenha apetite, que caminham segundo o passo dos outros e que estão sob as ordens deles nas coisas que são as mais espontâneas de todas – amar e odiar. (p. 81)


Sinopse: Sobre a brevidade da vida é a obra mais difundida do filósofo Sêneca (4 a.C.? – 65 d.C.) e um dos textos mais conhecidos de toda a Antiguidade latina. São cartas dirigidas a Paulino (cuja identidade é controversa), nas quais o sábio fala da natureza finita da vida humana. No correr das páginas, vão sendo apresentadas maneiras de prolongar a vida e livrá-la de mil futilidades que a perturbam sem, no entanto, enriquecê-la. Estas cartas compõem uma leitura inspiradora para todos os homens, a quem ajudam a avaliar o que é uma vida plenamente vivida.


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A persistência da memória, de Salvador Dalí

O que está em jogo, portanto, é a brevidade da vida dos sujeitos que se ocupam com coisas alheias a eles mesmos. Logicamente, a brevidade a que Sêneca se refere não é temporal, cronológica, mas subjetiva: vive pouco quem não vive para si. Nesse sentido, seu conselho geral a Paulino não poderia deixar de ser outro que não "afastar-se do vulgo" e "procurar um porto mais tranquilo", experimentando o que poderia ser feito nos momentos de ócio. Segundo o filósofo, um homem pode viver por 70 anos ou mais, mas não poderá dizer que viveu realmente se ele não tiver gasto a maior parte do seu tempo com assuntos que lhe dizem respeito de forma direta. Por outro lado, quem dedica seu tempo a si mesmo vive uma vida longa, não importa quantos anos tenha vivido no calendário.

Aquele que utiliza todo o tempo apenas consigo mesmo, que organiza todos os dias como se fosse o último, não deseja, nem teme o amanhã. (…) Não julgues que alguém viveu muito por causa de suas rugas e cabelos brancos: ele não viveu muito, apenas existiu por muito tempo. (p. 43)

É impressionante constatar que um livro escrito há quase dois mil anos aborde uma temática que continua a ser urgente nos dias de hoje – aliás, nos dias de hoje mais urgente do que nunca, ao que parece. Como integrante de um laboratório de pesquisa que estuda trabalho, ócio e tempo livre na sociedade contemporânea, eu vejo cientistas sociais de renome relatando como a ideia de tempo para si é cada vez mais escassa na nossa era. Cada vez trabalhando mais para conquistar status e altos salários, as pessoas são tomadas pelo meio e esquecem o fim – este, inadiável, tendo em vista que todos nós vamos morrer um dia. Como Sêneca diria, ocupam sua vida com o trabalho que realizam, mas esquecem de saborear o presente, antecipando sempre o futuro com agonia e rememorando o passado com insatisfação.

O filósofo tem uma palavra sobre isso também:

Pobre daquele que, cansado mais de viver do que de trabalhar, sucumbe às suas próprias ocupações. (p. 83)


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A morte de Sêneca, de Luca Giordano


Uma das grandes mensagens que podemos tirar de Sobre a brevidade da vida diz respeito ao quanto nos sentimos desconfortáveis com nossas próprias ocupações e tempos livres. Ou seja, diz respeito a como nós usamos o nosso tempo. Curioso notar que é possível se sentir feliz e realizado trabalhando em algo que nos dá felicidade e, ao mesmo tempo, se sentir letárgico e inútil em um tempo vago – o que desconstrói nossa ideia de que viver sem ter que trabalhar é um prazer garantido. De acordo com Sêneca, há aqueles que não usufruem do ócio, mas são eles mesmos ociosos "doentes", que vagam pelo mundo sem objetivo e não sabem discernir seus próprios interesses. Estes, incapazes de arquitetar um plano de vida de acordo com suas inclinações, "mortos-vivos" nas palavras do filósofo, contrastam com aqueles sujeitos que se dedicam a uma ocupação elevada, que lhes rende bons frutos e sabedoria existencial.

Dentre todos, somente são ociosos os que estão livres para a sabedoria, apenas estes vivem, pois não só controlam bem sua vida, como também lhe acrescentam a eternidade. (p. 64)

Sobre a brevidade da vida é uma leitura rápida que nos faz refletir sobre o que realmente estamos fazendo para garantir uma vida satisfatória e plena – ou, como isso é praticamente impossível, garantir uma vida mais satisfatória e mais plena. Ocupar-se com dedicação e prazer a assuntos que nos tocam como seres humanos é o primeiro passo para construir uma vida baseada em tranquilidade e alegria, e não permitir que sejamos consumidos pela máquina que suga a energia vital que possuímos, que poderia muito bem ser dedicada à nossa efêmera e valiosíssima passagem pela Terra. Por esse lado, o livro de Sêneca é uma leitura rápida, mas muito, muito profunda.