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20 fevereiro 2011

Nintendo, PS3 e Uncharted

"A tecnologia só é tecnologia para quem nasceu antes de ela ter sido inventada." (Alan Kay)

Kids-Playing-Video-Games

Quando meu irmão anunciou, no final do ano passado, que iria comprar um console Playstation 3 para nos divertirmos e esquecermos o mundo real, a primeira coisa na qual pensei foi: Quais serão os jogos?

Sempre adorei video-games. Minha época de jogador de Super Nintendo foi áurea, extremamente proveitosa; eu curtia os mais variados jogos que aquele console simpático da Nintendo poderia oferecer, e joguei muitos deles, desde o insubstituível Mario Bros até o sanguinolento Mortal Kombat Ultimate, passando pelos games baseados em quadrinhos e filmes, etc.

Um jogo do Super Nintendo que eu adorava (e que nunca tive, até baixar um milagroso emulador do console) era o clássico Donkey Kong Country. Gostava dos gráficos, que naquela época eram o máximo, e gostava também da idéia do game, que ia conduzindo o jogador através de uma série de desafios que aumentavam sistematicamente o nível de dificuldade com o passar das fases.

Super Nitendo


Donkey Kong

O Super Nintendo foi (acreditem) o último video-game que tive e que pude chamar de meu. Quando o fabuloso Nintendo 64 foi lançado e o queixo de todas as crianças daquela geração caíram nos seus pés, minha prima não perdeu tempo e comprou (ou melhor, o pai dela comprou para ela) aquele indescritível console que reproduzia jogos em três dimensões. Eu, claro, ia para a casa dela e monopolizava providencialmente o joystick. Um dos jogos de que mais gostava era 007 – GoldenEye; e quando eu percebi que atirava nos pés dos inimigos e eles reagiam pulando e segurando as próprias botas, achei que a humanidade havia alcançado o ápice no que se referia aos video-games.

Um outro jogo que me fazia ficar sentado a tarde toda na frente da TV da minha prima era Mario Party. Até hoje, com o emulador do N64 aqui no PC, Mario Party está entre os remanescentes daquela época com os quais me divirto até os dias atuais. Gostaria de ter um Nintendo Wii e ver o que fizeram com essa famosa franquia dos jogos do Mario, que já está na oitava edição.

O nome da Nintendo deixou de ser sinônimo de video-game quando descobri que havia um sinistro console fabricado pela Sony. A única coisa produzida pela Sony que eu conseguia imaginar era rádio de pilha e disckman. Achei que estavam tirando sarro da minha cara quando disseram que os jogos do Playstation eram rodados através de CD's. Numa época em que até mesmo os aparelhos de DVD eram raros, ter um console que rodava jogos por CD era uma coisa que sequer passava pela minha rica imaginação.

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James Bond – GoldenEye (N64)


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Mario Party 2 (N64)


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Playstation (vamos ser sinceros… qual é o mais simpático, este ou o quadradão SNES?)


O tempo passou, o Playstation foi evoluindo, chegou a sua terceira edição (que meu irmão comprou no final do ano passado) e agora eu ando fascinado com um jogo que atende pelo nome de Uncharted. Extremamente desligado do mundo circundante, passo o dia inteiro conduzindo o personagem Nathan Drake pelos confins do mundo, superando perigos dignos de Indiana Jones que, quando criança, eu pensava que só saíam da cabeça de Steven Spielberg.

Os jogos da série Uncharted são muitíssimos parecidos com os de Lara Croft, sendo que o game produzido pela Naughty Dog tem um personagem masculino como herói. E como é cativante a personalidade de Nathan Drake! Nada de aventureiros durões, absolutamente inteligentes e sérios; Drake é cômico como ninguém, visual descolado, solta piadas irônicas o tempo todo sobre a cilada em que se meteu, além de ser ousado e "seja o que Deus quiser". Um cara muito simpático que, se fosse real, eu gostaria de conhecer pessoalmente.

Ando jogando Uncharted 2 e estou impressionado com a qualidade do game, em vários aspectos. Em primeiro lugar, a jogabilidade é leve e fácil; ou seja, não chega a ser nenhum bicho-de-sete-cabeças. Facilidade que eu já havia percebido na primeira edição do jogo. Em segundo lugar, os encarregados do cenário capricharam dessa vez: quando Drake está no Nepal em meio a uma explosiva guerra civil, o que não falta é destruição por todos os lados, caixas jogadas nas ruas, carros capotados, prédios tombados, fumaça, entulho etc. E tudo isso com uma riqueza de detalhes que me deixou verdadeiramente impressionado.

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Outra coisa: as seqüências de ação do jogo são impagáveis. Para citar apenas duas, fico com aquela em que Drake e Elena estão dentro de um prédio, no Nepal, e são atacados por um helicóptero das forças inimigas; o edifício vai tombando aos poucos e o objetivo é pular para a janela de outro prédio, vizinho, enquanto os móveis caem sobre eles. Fantástico. Para quem se fascinava com as seqüências de Batman & Robin no SNES, Uncharted é estonteante.

A outra grande seqüência é a do trem. Num determinado momento, antes de ir parar no Tibet, Drake sobe em um trem inimigo e percorre toda a sua extensão (pelo menos, boa parte dela), abatendo os capangas dos vilões, subindo e descendo pelos vagões. O que mais impressiona nesse capítulo da aventura é o cenário, fantástico, que vai se desfilando enquanto o trem anda. A locomotiva passa em alta velocidade por pântanos, florestas densas, pontes, desfiladeiros, túneis etc. E esse cenário fantástico nunca se repete, por mais que você se demore de propósito. Impressionante.

Corre um boato de que Uncharted será transformado em filme. Se preservarem nas telas dos cinemas a carga de dinamismo presente nos jogos, fico satisfeito. Além disso, claro, a história deve estar à altura. Mas a origem de Drake é muito vaga, ainda não foi desenvolvida de forma apropriada pelos próprios criadores, e então fica difícil fazer um filme contando de onde veio o personagem de Uncharted. 

Se esse game fosse um livro, eu digo que teria sido escrito por Matthew Reilly.

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Portanto, fica a recomendação para quem gosta de jogos de aventura a la Indiana Jones. Uncharted é um jogo que, sem dúvida, você não vai se arrepender de ter – e, óbvio, de jogar.

13 fevereiro 2011

Admirável mundo novo, de Aldous Huxley

"O sentimento está à espreita nesse intervalo de tempo entre o desejo e sua satisfação." (p. 84)

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Sempre tive uma vaga vontade de ler o livro Admirável mundo novo (Brave new world, 1932), mas nunca consegui ter o ânimo nem o tempo necessário para tanto. Além disso, eu também não me sentia estimulado intelectualmente para encará-lo. Estar empolgado para ler algo sobre uma sociedade utópica baseada em 700 anos no futuro não era o bastante; eu tinha que estar, também, disposto a encarar um bom ensaio sociológico em forma de romance.

Acontece que, na semana passada, meu professor de Psicologia Social II indicou o mais famoso livro de Aldous Huxley como leitura complementar. Era o empurrão que faltava. Li o livro.

E o achei maravilhoso.


Sinopse: 'Admirável mundo novo' narra um hipotético futuro no qual as pessoas são modeladas biologicamente e condicionadas psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e as regras sociais, dentro de uma ditadura científica que torna o mundo absolutamente estável, feliz e inócuo.

Nesse mundo está Bernard Marx, um psicólogo que se sente desajustado na sociedade da Londres perfeita. Ao fazer uma viagem ao Novo México, Bernard traz para Londres um sujeito chamado John, tido como "selvagem" por pertencer a uma comunidade marginal cujos hábitos foram ultrapassados há séculos. Passando a residir em Londres, John, moralista e conservador, impulsionado por Bernard, começa a entrar em conflito com as rígidas regras sociais.


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O ano é 632 d.F. Ou seja, 632 anos depois de Nosso Ford, figura essa que substituiu Cristo depois da Guerra dos Nove Anos. Assim como no exemplar modelo fordiano de produção em série, tudo o que acontece no admirável mundo novo é fabricado em massa e distribuído como tal: diversão, trabalho, educação e até mesmo os seres humanos, que são produzidos em laboratório, aos montes, de forma organizada e conveniente, para depois serem separados em castas específicas.

Dessa forma, todos os dispositivos sociais assumem a sua função de serem, por excelência, voltados para as massas, para o coletivo. Não há lugar para a individualidade. Todos os espaços sociais são forjados de forma apropriada, para que as engrenagens dessa sociedade absolutamente estabilizada continuem funcionando, sempre em prol da união entre os indivíduos. É por isso que toda e qualquer atividade solitária – incluindo as que geram prazer ou estimulem o pensamento crítico, como a leitura – são desestimuladas.

No meu caso, o que mais chamou atenção no livro de Huxley foi a presença de uma promiscuidade explícita e natural no modo de vida dos indivíduos que compõem a Sociedade. Isso porque os administradores do Novo Mundo acreditam na idéia – sustentada por Freud, diga-se de passagem – de que os impulsos sexuais, quando não satisfeitos, tendem a desestabilizar os membros da Sociedade, uma vez que desejos reprimidos podem gerar sentimentos desatinados e perigosos para a ordem das coisas.

Reprimido, o impulso transborda, e a inundação é sentimento; a inundação é paixão; a inundação é loucura até (…) Reduza-se esse intervalo, derrubem-se todos esses velhos diques inúteis. (p. 84)

Por essa razão, desde bebês, os membros do Novo Mundo são condicionados à promiscuidade (entre outras coisas que satisfaçam os primitivos desejos humanos), seguindo ao pé da letra um famoso jargão de sua educação infantil: "Cada um pertence a todos".


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Analisando o romance nos dias de hoje, o elemento do sexo pode parecer uma coisa trivial, mas, para uma obra que foi publicada em 1932, isso constituía uma pura heresia, algo totalmente chocante e surpreendente para a sociedade. Fico imaginando a reação de alguns conservadores do início do século passado ao lerem a passagem em que as crianças estão brincando de jogos eróticos no jardim do parque. Não surpreende que o livro tenha sido proibido em muitos lugares (incluindo escolas) da época; não só na Inglaterra, mas em alguns pontos do Brasil, também.

Outra coisa muitíssimo instigante no futuro projetado por Aldous Huxley é que a comunidade mundial é dividida em 5 grandes castas: Alfa, Beta, Gama, Delta e Ípsilon. Enquanto as duas primeiras se ocupam com um trabalho mais mental e intelectualizado, as três últimas se encarregam do pesado trabalho manual nas corporações. E o x da questão é que todas as pessoas concordam com o estado em que elas vivem. Tanto as Ípsilons quanto as Alfas estão satisfeitas vivendo no espaço social que lhes foi destinado, sendo que as Alfas possuem uma consciência mais refinada da situação geral – e por isso, curiosamente, são um pouco menos felizes.

Bem, eu não vou abordar todas as milhares de questões levantadas pelo livro, não só porque a postagem ficaria imensa, mas também porque é melhor ler o romance sem muita idéia do que se pode encontrar pela frente. Além do mais, qualquer coisa que eu escrever aqui será incompleta e poderá trazer uma visão distorcida da obra. Portanto, vou me conter e apenas dizer que recomendo muitíssimo a leitura desse romance, tanto para os que gostam de ensaios sociológicos, quanto para os que também curtem uma história envolvente.


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Só posso dizer, por enquanto, que Admirável mundo novo foi uma leitura fascinante para mim. Huxley é extremamente ácido em sua ironia, em seu sarcasmo, e todas as páginas são recheadas de zombaria e deboche às convenções sociais – não apenas do Mundo Novo, mas da nossa própria sociedade, que se vê refletida em 632 d.F.

Aliás, a ironia do livro já começa no título.

~~

Tive o imenso prazer de ler Admirável mundo novo junto com uma grande amiga minha, a Gleici Ketlem. Pela indicação que eu fiz, ela baixou o romance pelo PC e começamos praticamente no mesmo dia, terminando também quase no mesmo dia. Descobri que ler um livro na mesma hora em que uma pessoa querida também lê é extremamente agradável. Valeu, Gle! Te adoro! :)


"Livraram-se deles. Sim, é bem o modo dos senhores procederem. Livrar-se de tudo que é desagradável, em vez de aprender a suportá-lo. Se é mais nobre para a alma sofrer os golpes de funda e as flechas da fortuna adversa, ou pegar em armas contra um oceano de desgraças e, fazendo-lhes frente, destruí-las... Mas os senhores não fazem nem uma coisa nem outra. Não sofrem e não enfrentam. Suprimem, simplesmente, as pedras e as flechas. É fácil demais." (p. 364)


Vale lembrar que o livro de Aldous Huxley foi adaptado para o cinema por Leslie Libman e Larry Williams, em 1998.

Por fim, deixo os leitores do blog com as palavras do próprio Huxley sobre ditaduras científicas e questões de ordem social no mundo de hoje. Ele morreu em 1963, no mesmo dia em que J. F. Kennedy foi assassinado.

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06 fevereiro 2011

Um país distante, de Daniel Mason

"Ter fome e ver os outros comerem é muito pior do que só ter fome." (p. 176)

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Hoje é domingo. Amanhã começa a minha primeira semana inteira de aulas, serei monitor de uma disciplina… e preciso atualizar o blog.

Para isso, escolhi comentar algo sobre um romance que li há muito tempo. Chama-se Um país distante (A far country, 2007), e foi escrito por um jovem biólogo norte-americano de nome Daniel Mason, que morou no Brasil durante alguns anos.

Curiosamente, pode-se dizer que este livro é uma obra dedicada ao Brasil e, mais precisamente, às pessoas pobres do nosso país.


Sinopse: O cotidiano árduo de uma adolescente delicada e sensível sofre uma reviravolta quando ela parte para a cidade grande em busca do irmão mais velho, com quem mantém um poderoso vínculo afetivo. Ao chegar à cidade, porém, a garota se descobre indefesa num mundo hostil e incompreensível. Diante disso, para poder sobreviver, ela precisa criar novos pontos de referência.


É estranho imaginar Um país distante escrito em inglês; ou seja, escrito no seu idioma original. Já lê-lo em português é uma coisa tão natural que nem passa pela cabeça do leitor o fato de que o autor do livro é norte-americano. Isso porque, embora nenhuma localidade real seja dada como referência, os panos de fundo da história são quase óbvios: uma grande metrópole brasileira (São Paulo?) e uma cidade interiorana seca, pobre e cáustica.

Embora não seja exclusivamente parte integrante da vida do nosso povo, a situação de Isabel é vista com muitíssima freqüência por aqui: sem condições de enfrentar a vida na paupérrima cidade do interior em que mora, ela parte para a cidade grande, a fim de ganhar o seu sustento com o primeiro emprego que lhe surgir. Além disso, Isabel é movida pelo objetivo de reencontrar o irmão, que foi para a mesma cidade, com os mesmos objetivos, e sumiu sem mandar notícias.

A história toda é destilada em uma narrativa agradável que lembra um pouco a do africano J. M. Coetzee. Diálogos apenas em aspas (o que dá a impressão de que o livro é silencioso), parágrafos grandes, frases de efeito em abundância, e assim por diante. Uma protagonista que fala com os outros ao redor apenas para se defender. Um mundo hostil, estranho, dinâmico, em que é preciso mostrar as garras para ganhar a vida.


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Edição original de Um país distante e capa do livro O afinador de pianos, best-seller que alavancou Mason


Algumas pessoas podem achar o livro "parado", "monótono", "arrastado" ou qualquer coisa do tipo, e dizer que isso é um defeito. Eu entendo, e até concordo, em certo ponto. Acontece que a monotonia do livro (ou, em outras palavras, a ausência de acontecimentos que despertem a sensação de querer devorar as páginas) existe para convidar o leitor à reflexão. Uma leitura dinâmica raramente incita a pessoa que lê à reflexão.

E, como disse o The Boston Globe, o romance de Mason é "uma bela e desconcertante meditação sobre a pobreza, a imigração e a luta de classes". Eu diria mesmo que essa meditação fica ainda mais interessante com a idéia de que o autor, de fora, pinta um quadro excessivamente identificável com o Brasil, e faz com que nós vejamos nossa própria realidade.

Como eu já disse, o livro não possui uma referência explícita que indique que a história se passa no Brasil. Mas, mesmo sem ela, eu insisto na tecla de que Mason quis retratar naquelas páginas o maior país da América Latina. Não só pelo fato de ele ter vivido muitos anos aqui e, como todo bom biólogo, ter observado com atenção a vida ao redor, mas também porque todos os nomes próprios (seja de personagens ou de localidades) são tipicamente brasileiros.

Em suma, a qualidade de Um país distante não passa despercebida. Mesmo aqueles que não gostam do gênero em questão têm de concordar que o livro é um ótimo panorama da condição inerentemente humana de ver-se isolado em um lugar pouco acolhedor e de difícil adaptação. O nome de Daniel Mason ainda é relativamente ignorado, mas o seu talento em breve será mundialmente reconhecido.


Conclusão: um romance para ser lido com calma. Uma leitura bem-vinda que evoca um quadro realista impecável. Recomendado.