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26 novembro 2009

Terra dos Homens, de Antoine de Saint-Exupèry

“Trabalhando só pelos bens materiais construímos nós mesmos nossa prisão. Encerramo-nos lá dentro, solitários, com nossa moeda de cinza que não pode ser trocada por coisa alguma que valha a pena viver.” (p. 25)

Terra dos Homens A. de Saint-Exupèry

Hoje pela manhã finalizei a leitura do livro Terra dos Homens (Terre des Hommes, 1939), escrito pelo francês Antoine de Saint-Exupèry. Sim, este mesmo: Saint-Exupèry, o autor do mundialmente venerado O Pequeno Príncipe. (Acho que eu sou a única pessoa na cidade que leu algo desse sujeito que não seja o seu tão famoso livro infantil.)

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Sinopse (Armando Nogueira): Saint-Exupèry tornou-se piloto civil aos 21 anos. Aos 26 integrou a equipe que foi sobrevoar o Saara e os Andes levando o correio aéreo da Europa para a África e a América do Sul. (...) Como devia ser a emoção de voar em aparelhos tão pequenos, contando apenas com a hélice e sem nenhuma presurização? É dessa emoção a matéria deste livro.

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A prateleira do meu quarto é composta por seis nichos diferentes; nos dois primeiros nichos de baixo, ponho os livros que venho comprando ao longo dos últimos anos. Nos últimos dois de cima, estão aqueles livros da família que são transmitidos de geração para geração, passados de mãos em mãos (das mãos do avô para as do neto, e assim sucessivamente). Certa noite, deitado na cama, olhei para esses dois nichos da minha prateleira, e vi, no meio de tantos volumes envelhecidos, um título: Terra dos Homens.

Um verdadeiro achado. Ele está na nossa família há anos, décadas mesmo, e, segundo me disseram, fora presente para o meu pai, dado por uma ex-namorada dele - em um tempo onde, note-se bem, as namoradas ainda davam livros de presente para os seus namorados. Isso confere ao livro um caráter mais pictórico ainda, creio. Peguei o volume lá de cima, quase caindo no ato, e deitei-me na cama para começar a lê-lo. No momento em que o abri, a capa se despregou e caiu das minhas mãos.

Terra dos Homens é um livro de memórias. Saint-Exupèry nos conta sobre o ofício de pilotar pequenos aviões-correio, cruzando os desertos da Arábia e os oceanos do sul da Europa. O texto todo é dividido em oito capítulos pequenos (A Linha, Os Companheiros, O Avião, O Avião e o Planeta, Oásis, No Deserto, No Centro do Deserto e Os Homens), todos eles trazendo-nos pequenas e despretensiosas lições, lições estas tão despretensiosas que podemos dizer que o autor nem cogitou em denominá-las “lições”.

A verdade é que Terra dos Homens é um livro que fala diretamente às nossas partes mais sensíveis, mais poéticas. É com um estilo do tipo haicai que Exupèry narra as suas aventuras aéreas pelo mundo, contando-nos desde a sua relação com um escravo (o qual mais tarde comprou apenas para libertá-lo), até a queda do seu avião no deserto das Arábias, onde ficou com o companheiro Prévot durante vários dias, morrendo de sede e tendo alucinações, até ser encontrado por um beduíno.

Para ser sincero, tenho pouca coisa a falar sobre este livro, com a exceção de que gostei imensamente dele. É um relato simples, frugal e, ao mesmo tempo, ricamente poetizado, cheio de frases que nos põe a refletir bastante. É o tipo do livro que deixa uma impressão indelével em nossa mente. A propósito, adorei o capítulo Oásis, onde ele nos conta sobre uma noite em que se viu convidado por um casal de estancioneiros a jantar em sua casa; lá, Exupèry fica como que hipnotizado pelas duas moças filhas do patriarca e pelo “império” que elas exerciam sobre os elementos naturais da casa, como as víboras que surgiam debaixo da mesa da sala na hora do jantar.

Nota 10.

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O livro é cheio de partes muitíssimo interessantes, e todas elas teriam o direito de estar aqui, mas transfiro para cá apenas uma única dentre todas elas:

“A vida nos separa dos companheiros e nos impede de pensar muito nisso. Eles estão em algum lugar, não se sabe bem onde (…).

Mas pouco a pouco descobrimos que não ouviremos nunca mais o riso claro daquele companheiro; descobrimos que aquele jardim está fechado para sempre. Então começa o nosso verdadeiro luto, que não é desesperado, mas um pouco amargo. Nada, jamais, na verdade, substituirá o companheiro perdido. Ninguém pode criar velhos companheiros. Nada vale o tesouro de tantas recordações comuns, de tantas horas más vividas juntos, de tantas reconciliações, de tantos impulsos afetivos. Não se reconstroem essas amizades. Seria inútil plantar um carvalho na esperança de ter, em breve, o abrigo de suas folhas.” (p. 24)

08 novembro 2009

Cidade de Ladrões, de David Benioff

"Teria sido um gesto sem sentido, (...) mas gestos sem sentido pareciam ser tudo o que nos tinha restado. (p. 248)"

CidadedeLadres_thumb1  D.Benioff_thumb1

Pelo início da tarde de hoje, depois de assistir à última produção cinematográfica de O Grande Gatsby, finalizei a leitura do romance norte-americano Cidade de Ladrões (City of Thieves, 2008), escrito pelo jovem talentoso David Benioff.

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Sinopse (minha): 2ª Guerra Mundial. Rússia sendo atacada por nazistas. Lev Beniov, protagonista deste romance que tem como pano de fundo eventos marcantes da História contemporânea, é um jovem tímido e solitário. Preso pelos russos por não respeitar o toque de recolher, acaba por dividir a cela com Kolya, um rapaz carismático, acusado de abandonar a frente de batalha. Para que não sejam executados, os dois recebem de um coronel uma missão aparentemente impossível: encontrar, na cidade gelada e sem alimentos, uma dúzia de ovos para que a filha do oficial tenha um bolo de casamento.

Em uma cidade onde as pessoas viram canibais e devoram pombos da rua para não passar fome, a idéia de encontrar 12 ovos parece impossível. E é para realizar esta missão que Lev e Kolya cruzam a Rússia em uma aventura inesquecível, marcante, onde a tal missão do coronel é apenas o fio condutor.

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Já fazia algum tempo que eu não me empolgava tanto com uma leitura. A última vez que eu me empolguei de verdade - tirando os romances de Erico Verissimo, nos últimos meses -foi no início do ano, talvez, lendo Kafka à Beira-mar, livro cujas quase 600 páginas foram devoradas em um fôlego erótico. Os livros que eu vim lendo ultimamente (repito: com a exceção de Erico) foram apenas passatempos frugais e despercebíveis.

Novembro não parece ser um mês que prometerá muitas leituras para mim (ando meio ocupado), mas, de qualquer forma, prometendo ou não, na última sexta-feira que precedeu o feriado de Finados eu estava sem a mínima idéia de que livros poderia comprar para me divertir na longa folga. Mas uma coisa era certa: eu queria ler. Então, quase inconscientemente, passei pela livraria mais próxima e, ainda com a mochila nas costas (eu havia acabado de voltar da universidade), me pus a percorrer as estantes da loja.

Foi por puro acaso que encontrei Cidade de Ladrões. Ele estava ali sobre aquela prateleira abarrotada, fora do seu devido lugar, largado a esmo por algum cliente ou funcionário desleixado. É engraçado como estas coisas acontecem: peguei o livro, muito pouco interessado, abri-o na primeira página e, como sempre faço, comecei a lê-la.

A linguagem ágil, elegante e precisa de Benioff logo me chamou a atenção. Li o prólogo inteiro ali em pé mesmo, minhas costas protestando contra o peso da mochila. Animado, levei o livro para o segundo andar da livraria, sentei-me a uma cadeira extremamente confortável (gosto de lá por causa dessa cadeira) e comecei a devorar o exemplar que tinha nas mãos. Só mais tarde me dei conta de que já havia ido longe demais na leitura e que, assim, poderia levá-lo para casa sem hesitar.

Cidade de Ladrões prende a atenção do leitor logo no início. Depois que você acaba de ler o prólogo e o primeiro capítulo, fica quase impossível largar o livro. Atenção: apesar de se tratar de uma história sobre o cerco nazista na 2ª Guerra Mundial, não espere um melodrama choroso ou um retrato mórbido da sociedade russa naquela época. Cidade de Ladrões é, antes de tudo, uma aventura intensa, marcada por um humor um pouco pesado (em grandes doses, pornográfico) e por momentos de reflexão e graça literária. As palavras que eu usaria para qualificar o livro são: Inteligente, divertido, leve, emocionante e original.

A dupla de protagonistas (Kolya e Lev) é tão carismática que pertence àquele grupo de personagens que ficam na nossa mente por anos a fio, se não para sempre. Lev, pela sua ingenuidade, medo e paixão; Kolya, pelo seu humor extraordinário e pela altivez das ações, como se nada daquele mundo em guerra lhe pertencesse realmente.

É um livro que comove, sim, mas a dose forte de emoção foi adiada apenas para as últimas páginas, o que revelou-se ser uma decisão acertadíssima do autor. Sem mais palavras, eu compararia este romance com o romance histórico Sangue Asteca, de Gary Jennings. Por alguma razão acho que os dois se parecem. É exatamente o mesmo estilo de aventura, a mesma opção de história.

Benioff é capaz de brincar com uma trama que, através da aparente simplicidade e da carga de questionamentos, comovem o leitor naturalmente, sem que para isso haja a necessidade de passagens clichês.

Livro nota 10, enfim. Estou aguardando o próximo lançamento de Benioff, coisa que, infelizmente, pode demorar um pouco, visto que o autor trabalha mais para o cinema (escrevendo roteiros) do que para a literatura. (Traduzam logo o seu A 25ª Hora, por favor!)

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Abaixo, um trecho do texto.

"Em pouco tempo atingimos o limite da cidadezinha. Saímos da estrada e corremos através dos campos congelados das fazendas, passando por silhuetas de tratores abandonados. Lá em Krasnogvardeysk podíamos ouvir o barulho de motores de carro acelerando e pneus com corrente rodando sobre a neve. Na escura distância à nossa frente podíamos ver a margem escura da grande floresta esperando para nos receber, para nos ocultar dos olhos de nossos inimigos." (p. 260)