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08 outubro 2013

Perto demais da redenção?

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Quando tinha 22 anos de idade, Christopher Johnson McCandless abandonou os estudos e a família e fugiu para o gelado estado norte-americano do Alasca, onde morreu dentro de um ônibus abandonado, aos 24 anos, no meio de uma floresta ensolarada, após ter ingerido por acidente uma planta venenosa que corroeu parte do seu estômago. Deixou para trás uma história confusa cheia de dor, mágoas e senso de liberdade. Sua jornada pelos Estados Unidos é lembrada ainda hoje por muitos jovens como símbolo de resistência e paixão pelas coisas simples da vida – à maneira de Walden, do escritor inglês Henry David Thoreau. As pessoas que o conheceram pessoalmente se referem a ele, hoje, como alguém que carregava nas costas uma carga de sonhos mais pesada do que a que ele próprio poderia suportar.

Eu tinha aproximadamente 16 anos quando conheci a história de Christopher – ou "Alex", como ele mesmo passou a se chamar depois de abrir mão de tudo o que tinha antes de meter o pé na estrada. Naquela época, 22 anos representava para mim uma idade em que as pessoas eram velhas e, por essa razão, pareciam ter consciência plena do que faziam e das decisões que tomavam – de modo que eu, adolescente recém-saído da infância, vi na atitude de Christopher um exemplo de iniciativa que materializava todos os meus desejos pela liberdade, fosse lá o que essa palavra significasse.

No mais, falar sobre liberdade não é a intenção desse texto. Meus 22 anos vieram na semana passada e eu acabei me lembrando hoje da aventura de Alex, o jovem norte-americano que eu mesmo admirava tanto há seis anos. Parece difícil acreditar que ele tinha a mesma idade que eu tenho agora quando decidiu fugir do mundo em busca dos sonhos que tanto cultivava. Parece difícil porque não tenho mais as ambições e os projetos que Christopher tinha, quais fossem, o de viver da natureza compartilhando alguns princípios universais de amor e culto à estética. Sou apenas um rapaz latino-americano sem muito dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo de uma capital.

Já escrevi bastante aqui no blog sobre a história de Christopher, o que inclui a resenha do livro de Jon Krakauer, Na Natureza Selvagem. Escrevi também, no início das atividades do Gato Branco, uma espécie de crônica que destilava algumas ideias minhas acerca da saga de Chris. Ainda assim, acho que ele merece mais uma postagem: acima de tudo porque, pensando sobre como os jovens de hoje vivem suas vidas, acho que dá para entender um pouco do ato impulsivo de Alex.

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Vivemos em uma época em que os jovens não parecem mais ter tempo ou disposição para refletirem sobre a sua condição fundamental: sobre como o tempo da juventude significa o tempo de uma passagem árdua da infância segura para a vida adulta imprevisível. Ser jovem hoje significa possuir um crédito de gozo ilimitado disponibilizado pela própria sociedade, que cobra o preço exigindo da juventude dedicação integral e precoce aos assuntos da vida adulta. Talvez porque, afinal de contas, os jovens se tornaram o símbolo sócio-econômico da energia, do dispêndio e da propensão para o usufruto de tudo o que é novidade. São aqueles em que se depositam todas as fichas, todas as promessas e todas as esperanças, o que faz com que assumam precocemente um papel para o qual não estão preparados – nem nunca deverão estar.

Em outras palavras, salvo exceções felizes, me parece que a juventude contemporânea é formada simplesmente por um conjunto de moços e moças que, ávidos por aquilo que a sociedade do consumo oferta, são lançados abruptamente no mundo dos adultos, instados a produzir, e esse processo acelerado impede que qualquer momento de reflexão sobre a própria juventude seja levado em consideração. Na minha opinião, que não conta tanto assim, um rapaz ou uma moça de 14 ou 15 anos de idade não deveria se preocupar tanto com cursos profissionalizantes, carreiras e mercado de trabalho, embora seja isto o que eu mais tenha visto ultimamente. 

Somente isso não seria um problema tão insolúvel se não viesse acompanhado de um fato triste: os jovens que "param no tempo" e se permitem estar em um momento de reflexão improdutiva são, muitas vezes, considerados ultrapassados, quando não patológicos mesmo. Christopher McCandless foi um desses jovens vítimas do mal-estar que eles próprios despertam nos outros: entrou em crise e tentou encontrar-se, tentou compartilhar seus questionamentos, mas não foi compreendido porque esperava-se dele – assim como se espera de todos os rapazes de sua idade – algo que ele não estava preparado para dar. Foi rotulado de louco por uns e de depressivo por outros.

Mas o que se esperava dele? O que se espera de todos os jovens? Que se lancem sem intervalo da infância e da adolescência diretamente para a rotina adulta? No mundo adulto espera-se que você seja produtivo e que tenha sucesso profissional. Na infância e na pré-adolescência, muita coisa acontece fora do seu controle, e muitas vezes não somos nós que resolvemos nossos próprios problemas, sejam eles de que ordem forem. Não me convenço de que essas duas fases da vida, tão díspares, possam ser unidas imediatamente, mas é o que parece estar acontecendo.

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Mais ou menos até a década de 1970, entrar em crise na adolescência era uma espécie de ritual. Provava que o jovem estava preocupado com a sua vida e que, no fundo, tinha consciência do seu lugar no plano das coisas. Era-lhe permitido isso: ele passava por essa angústia e essa crise e era até bem visto pelos colegas, que compartilhavam dos mesmos questionamentos. Ninguém era considerado depressivo ou desajustado. Simplesmente estavam pensando sobre sua condição e entendendo o que aquele processo de tornar-se adulto significava (ou não entendendo, o que também fazia parte do processo). Quem leu O Apanhador no Campo de Centeio, de J. D. Salinger, deve ter enxergado esse fenômeno. E, se alguma dúvida persistir, leiam Depressão e Imagem do Novo Mundo, de Maria Rita Kehl.

Christopher McCandless representa, de certa forma, um tipo de resistência jovem – que alguns podem considerar como a rebeldia por excelência da juventude. Ele se negou a fazer parte do processo de mergulhar diretamente em um mundo que não era o dele. Vivendo meus 22 anos agora, vejo que este momento de pensar sobre nossa própria condição transacional não deve ser nunca descartado: ele é fundamental para quem quer cultivar um mínimo de postura crítica sobre o mundo.

Hoje entendo Chris nesse sentido porque penso que estou vendo o que ele via na sua época. Mas, como sempre, posso estar enganado.