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20 dezembro 2011

Vida roubada, de Jaycee Lee Dugard

"Amar é a parte fácil, difícil é viver sem o amor de que você precisa."

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Muitas vezes, a vida é palco de histórias que põem em cheque a afirmação de que a ficção é a única coisa capaz de nos surpreender e causar espanto. Não raro, episódios da realidade nos chocam e impressionam tanto quanto – ou até mesmo mais que – os enredos narrados nas ficções dos autores mais imaginativos. É aí que percebemos o quanto a vida pode ser pitoresca e dramática, em todos os sentidos, e não monótona e enfadonha, como gostamos de pintá-la freqüentemente.

Aconteceu de vir parar nas minhas mãos, por acaso, um livro intitulado Vida roubada (A stolen life, 2011), escrito pela norte-americana Jaycee Dugard. A capa simples da edição me despertou a curiosidade e resolvi ler o que estava escrito na orelha esquerda do volume. Embora não dê detalhes, a orelha é escrita pela própria autora, e de maneira muito objetiva ela expõe superficialmente o que ocorreu na sua infância. Na hora, pensei: este livro vai mexer comigo profundamente, tal como Os sobreviventes mexeu.

Li as memórias de Jaycee Dugard na própria livraria, em quatro dias. No começo, eu havia sentado para folhear aquelas páginas distraidamente e, quando dei por mim, estava passando da metade do livro. Não restava mais alternativa senão terminá-lo. Assim, todos os dias, ia quase religiosamente à livraria e lia mais um pedaço. Foi então que fiquei sabendo o que de fato aconteceu a Jaycee, com maiores detalhes, e não consegui mais largar a leitura.


Sinopse: Em 1991, aos 11 anos de idade, Jaycee Dugard foi raptada enquanto esperava o ônibus da escola. Pelos próximos 18 anos, sua vida se transformaria em um verdadeiro pesadelo. Abusada pelo homem que a seqüestrou, acabou se tornando mãe de duas crianças – e, de certa forma, também irmã, para tentar aplacar o imenso isolamento em que vivia. Encorajada a esquecer sua vida de antes do seqüestro, Jaycee não podia nem mesmo mencionar o seu nome. Este livro é o relato pessoal do que aconteceu durante as quase duas décadas em que a garota esteve mantida no cativeiro.


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Impressionante. Essa é a palavra que uso para qualificar este livro. Algumas passagens do texto soam tão irreais que parecem estar situadas no plano da ficção – mas não deixam de transmitir a sensação sólida de que são, sim, verídicas. Por exemplo, não é fácil assimilar a idéia de que uma garota de 11 anos de idade foi seqüestrada e resgatada somente 18 anos depois, aos 29: mas lá está o relato doloroso e conciso de Jaycee, que nos faz cair em si e pensar: "De fato, isso aconteceu".

Não é uma leitura fácil, tematicamente falando. É preciso estar com a cabeça em dia para, por exemplo, encarar os detalhes com que a autora narra os estupros a que ela mesma foi submetida ao longo de muitos anos. Em contrapartida, o que dá alívio ao leitor é a sensação de superação de Jaycee, pois através de seu livro é possível ver claramente que ela se enxerga acima de tudo o que relata. Esse distanciamento faz com que as páginas escritas não fiquem mais dolorosas do que já são por conta própria. Em muitas passagens (aliás, no livro inteiro) fica clara a vontade insistente da autora de superar esse trágico incidente que aconteceu na sua vida.


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Jaycee Dugard, antes e depois do seqüestro


A escrita de Jaycee Dugard é objetiva e concisa sem, no entanto, deixar de ser literária e até mesmo agradável. Às vezes parece que as pessoas que passam por suplícios assim são compensadas com o dom da escrita, para que então possam contar suas histórias inacreditáveis ao público. De qualquer modo, Jaycee narra suas memórias de cativeiro em um tom que não é nem um pouco afetado, mas que carrega consigo um toque qualquer de lirismo – para começar, boa parte do relato é contado no presente, como se fosse a garota que estivesse a narrar a história em tempo real. O resultado é uma escrita fluída e muito bem-vinda. Além disso, o texto é recheado de frases curtas e diretas (um detalhe que achei interessante).

Esse relato no presente é intercalado por trechos que a autora designou de Reflexões, em que, como o próprio nome sugere, Jaycee Dugard passa a limpo alguns pensamentos acerca daquilo que acabou de escrever. É um exercício bem interessante, que ficou extremamente atraente no seu livro de memórias, porque a autora passa a se valer de uma consciência que ela não tinha na época dos acontecimentos descritos.


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O seqüestrador Phillip Garrido e sua esposa, Nancy, cúmplice no crime


No começo do livro – principalmente nos momentos logo após o seqüestro – é fácil achar Phillip Garrido o maior cretino de todos, um ímpio e asqueroso ser humano. No entanto, esse é um julgamento que parte do próprio leitor, não da autora. Jaycee deixa transparecer um grande ressentimento para com Garrido, o que é perfeitamente lógico, mas não cai na armadilha de transformar seu relato em uma sucessão de trechos em que julga seu seqüestrador. Qualquer pessoa que saiba alguma coisa de psicologia é capaz de perceber quão doentia e congestionada estava a mente de Garrido. Esse estado precário de saúde mental do criminoso está longe de eximi-lo da culpa que teve, mas ao menos explica boa parte de seus atos.

Em suma, recomendo este livro, Vida roubada. É um relato profundo e emocionante sobre esse caso famoso que teve lugar nas manchetes do mundo inteiro em meados de 2009, quando Jaycee foi resgatada do cativeiro. E a obra é também, em última instância, um retrato de nossa sociedade abatida, que sempre gerou muitas tragédias no plano das relações humanas.


A quem estiver interessado, disponibilizo aqui a introdução e o primeiro capítulo do livro. Vale a pena conferir.


Vida roubada (2011)

Jaycee Dugard

304 páginas

Editora Best Seller

Nota: 10/10

6 comentários:

  1. Olá Marlo,

    Acredito que além da triste história desta jovem cuja vida fora roubada durante tanto tempo, os detalhes tristes de uma vida de horrores, algo mais tenha lhe chamado a atenção dada sua vida acadêmica. O perfil destes criminosos devem ser analisados constantemente por psicólogos.

    A leitura de biografias, mesmo as mais pesadas como esta, tem um propósito benéfico nas nossas vidas quando nos dão uma lição de que apesar de tudo é preciso ter fé e sonhar.

    Logo esse comentário seu é uma bela mensagem de otimismo para o ano novo.

    Abraços,

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  2. Olá, K-03!

    Sem dúvida o lado psicológico da história me chamou a atenção... Excelente leitura. Ando me aproximando de relatos verídicos, com eles há muito o que aprender sobre o humano em todos nós. :)

    Abraços!

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  3. É claro.
    Ele não é culpado de coisa alguma.
    É a sociedade que o fez ficar assim, não é?
    Esse tipo de raciocínio é a principal causa da propagação da violência nos dias de hoje.
    Ninguém é culpado de coisa alguma.
    As tais escolhas foram para o beleléu e tornaram-se curiosidades acadêmicas.
    AC

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  4. Olá, Anônimo.

    Em primeiro lugar, eu não disse, em nenhum momento, que ele não é culpado; afirmei apenas que o estado de saúde mental dele explica os seus atos. A interpretação de que ele não é culpado partiu de você.

    Em segundo lugar, se a própria Jaycee entende que Garrido era vítima de uma saúde mental precária, quem sou eu para dizer o contrário?

    Aconselho uma melhor interpretação das coisas que lê.

    Obrigado pela visita.

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  5. É maravilhoso observar o quanto o ser humano é capaz de superar um trauma tão terrível quanto este vivido por Jaycee. Comprei o livro por ser estudante de Psicologia, e superou as minhas expectativas. Ela é uma sobrevivente, e como você bem comentou, conseguimos através da leitura do livro, perceber o quão doente estava a mente do sequestrador. Admirável a coragem e a força dessa menina, hoje mulher. Espero que este livro ajude pessoas a valorizar mais sua vida não sendo tão ingratas, aprender a enxergar diferente o sol que brilha lá fora, e que Jaycee mal podia ver pelas frestas da janela de sua prisão.

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  6. Olá, Ana! Obrigado pela visita e pelo comentário!

    'Vida roubada' foi um livro que me impressionou muito na época em que o li. Até hoje fico impressionado com a capacidade de superação da Jaycee.

    Abraço!

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