"O essencial da arte é exprimir; o que se exprime não interessa." (Fernando Pessoa)
Através do meu amigo Marco Severo – mais precisamente, através de uma publicação sua nos murais do Facebook – entrei em contato com as obras de um pintor contemporâneo chamado Leonid Afremov, artista nascido em 1955 na extinta União Soviética. Dono de uma técnica peculiar e bastante original, Afremov, que se formou na Escola de Arte de Vitebsk, produz seus quadros usando não pincéis, mas espátulas – um instrumento utilizado usualmente para limpar os excessos das tintas nas paletas e telas. Além disso, Afremov serve-se das tintas a óleo.
A sua técnica excêntrica e ousada, somada à preferência por cores fortes e vibrantes, traz como resultado os incríveis quadros pelos quais ele se tornou famoso no mundo todo: telas vivas e incrivelmente atraentes, expressivas, que conseguem transmitir uma sensação sólida de "eu queria estar nesse lugar". Meio onírica, bem impressionista, a obra de Afremov me cativou assim que deitei os olhos nela, e a série de quadros que mostro aqui reflete o meu súbito apego pela arte deste pintor tão original.
Enquanto esteve na União Soviética, Afremov trabalhava pintando cartazes de propaganda para o governo comunista. Decepcionado com a situação política do país e meio frustrado por ter que produzir a sua arte segundo os critérios das autoridades, ele partiu para Israel em 1990, onde começou a expor seus primeiros quadros de valor. Por retratar principalmente pessoas nuas e músicos de jazz negros, sua pintura foi mal recebida pelo público conservador – até que, em 2001, sentindo-se também discriminado por não ser um israelense de nascença, Afremov mudou-se para os Estados Unidos.
Na América, morando em Nova Iorque, Leonid Afremov conquistou um rápido e grande sucesso, conseguindo ter suas telas expostas ao lado das de Rembrandt em galerias de arte renomadas. Atualmente, ele possui obras apresentadas em mais de 60 galerias em territórios como Nova Zelândia, Austrália, África, Israel e Estados Unidos. Vive hoje em Boca Raton, na Flórida, onde mora com sua esposa e seus dois filhos. Segundo Afremov, o frio o faz ficar melancólico e deprimido, o que o impede de pintar quadros mais vívidos e alegres, característica sua.
Às vezes acho que certas pessoas nascem para fazer do mundo um lugar mais bonito, simpático e habitável, por assim dizer. É o caso dos músicos, dos pintores e dos literatos, só para ficar nas classes de artistas mais famosas. Não consigo visualizar, por exemplo, um Erico Verissimo trabalhando como operário em uma fábrica de sapatos; nem um David Gilmour como funcionário público; e nem Leonid Afremov como um bancário. Não: essas pessoas devem ter nascido com alguma espécie de predestinação do tipo "você tem a tarefa de embelezar um pouco mais a sociedade humana. Vá lá, faça quadros, escreva livros, componha músicas".
Certo, deixando de lado essa idéia de predestinação e agora falando mais sério, fico muito satisfeito em ver que determinadas pessoas conseguem transformar a vida banal e cotidiana em algo belo e meditativo. Melhor ainda quando consigo achar a obra dessas pessoas por aí, às vezes por acaso. Leonid Afremov, por exemplo: é uma delícia poder ficar contemplando durante dez minutos um de seus quadros, distinguir cada tinta utilizada, cada "pincelada" dada. A vida fica fazendo um pouco mais de sentido. Saímos para a rua e vemos que as pessoas de fato são pessoas, e não seres domesticados para se comportar de uma determinada forma. Vemos o céu e as nuvens pela primeira vez em muito tempo.
Não é incrível que, para poder ver as coisas com mais nitidez e clareza, seja preciso recorrer a quadros impressionistas e livros de ficção?