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27 maio 2009

Música ao Longe, de Erico Verissimo


Anteontem pela manhã, aguardando o e-mail do Centro Cultural da Cidade de Araçatuba, finalizei esparramado sobre a cama a leitura do livro Música ao Longe (1934), também do escritor brasileiro Erico Verissimo. (Sim, ultimamente estou lendo um montão de coisas dele. Fez-me crer que ainda há salvação -?- para a literatura nacional).

Sinopse (Skoob): Os Albuquerques orgulham-se de terem recepcionado o imperador D. Pedro II numa suposta visita do monarca ao município; de terem sido donos da maior estância das redondezas e de terem servido como benfeitores da população. Mas na década de 30, atolados em dívidas, lutam para não perder o último casarão familiar.

Produzido em apenas 20 dias, Música ao Longe foi um livro escrito especialmente para concorrer ao Prêmio Literário Machado de Assis, divulgado em 1934, e do qual a obra em questão foi tida vencedora. Apesar disso - ou talvez por isso mesmo - Erico Verissimo diz no prefácio do livro que considera este um trabalho "medíocre". Não se trata de novidade: Verissimo é conhecido pela curiosa e cômica característica de desprezar o próprio trabalho (nem o clássico Olhai os Lírios do Campo saiu ileso de sua impiedosa autocrítica). Para algumas pessoas, isso pode até soar como falsa modéstia por parte de Erico. Mas eu acredito que não seja. Ele não é desse tipo de gente. Suas auto-punições são bem sinceras.

Enfim. O que achei interessante foi a construção do livro e o seu estilo de escrita: ambos muito simples, de uma simplicidade que dá gosto à leitura. Música ao Longe é uma história muito terna e espontânea, o que também chama a atenção de quem lê; no entanto, apesar da sua ternura, nada de finais felizes, e sim uma série de perguntas interessantes que ficam por responder no final.

18 maio 2009

Olhai os Lírios do Campo, de Erico Verissimo


Ontem, já se arrastando pelas altas horas da noite, completamente desperto por conta de um café andino que tomei à tardinha, finalizei a leitura do nacional Olhai os Lírios do Campo (1938), obra do nosso querido e orgulhoso Erico Verissimo (sem acento em nenhum dos dois nomes, mesmo, constatei).

Sinopse (site Siciliano): Eugênio Fontes, moço de origem humilde, a muito custo se forma médico e, graças a um casamento por interesse, ingressa na elite da sociedade. Nesse percurso, porém, é obrigado a virar as costas para a família, deixar de lado antigos ideais humanitários e abandonar a mulher que realmente ama. Sensível, comovente, este livro é um convite à reflexão sobre os valores autênticos da vida.

Antes de tudo: Olhai os Lírios do Campo foi um livro que me leu. Quando digo isso, quero na verdade dizer que é o tipo do livro que transforma em palavras aquilo que está presente dentro do espírito do leitor, e que o leitor nunca soube muito bem descrever. É um livro de fato sensível, comovente, que possui uma trama muito bem amarrada, ao contrário do que muitos falam. Como não tenho palavras suficientes para qualificá-lo, apenas posso dizer que há tempos não lia um romance tão interessante e que me deixasse andando de um lado para o outro dentro do quarto, pensando a respeito do que havia acabado de ler.

Curioso... Existiu sobre a terra um andarilho norte-americano chamado Christopher Johnson McCandless (sobre o qual inclusive já escrevi aqui no blog), que lia livros em demasia e que adorava a vida nos seus mais simples e belos detalhes, procurando sempre ser simpático e útil para com o próximo, criticando arduamente as crueldades que estavam presentes no mundo. Tenho a nítida impressão de que se Chris ainda estivesse vivo, ele adoraria ler Olhai os Lírios do Campo; primeiro porque o título já diz tudo, e segundo porque nele há muitas reflexões profundas e belas acerca da vida - e da morte -, coisa que despertava a atenção do tal andarilho.

"Reflexão", a propósito, é uma palavra que define bem a essência da obra. A cada duas ou três páginas Verissimo nos lança um monólogo proveniente do interior da personagem principal, Eu gênio Fontes. É o caso de, por exemplo:

"Se naquele instante - refletiu Eugênio - caísse na Terra um habitante de Marte, havia de ficar embasbacado ao verificar que num dia tão maravilhosamente belo e macio, de sol tão dourado, os homens em sua maioria estavam metidos em escritórios, oficinas, fábricas... E se perguntasse a qualquer um deles 'Homem, por que trabalhas com tanta fúria durante todas as horas de sol?' - ouviria esta resposta singular: 'Para ganhar a vida'. E no entanto a vida estava ali a se oferecer toda, numa gratuidade milagrosa".

Vista assim, essa passagem pode até ser comparada à filosofia infantil de O Pequeno Príncipe, do escritor francês Saint-Exupèry. No entanto, O Pequeno Príncipe foi projetado para crianças, enquanto o livro de Erico tem um caráter muito mais profundo e lírico. Não estou querendo dizer com isso que o livro de Exupèry seja ruim ou deveras bobo (longe disso, pelo amor de Deus). Que o leitor deste blog não entre no mérito da comparação: eu só estou querendo dizer que as palavras e idéias contidas em Olhai os Lírios do Campo não são tão simples quanto parecem, possuindo antes um brilho desses que só chega aos nossos olhos através de uma reflexão própria, do tipo fechar-o-livro-e-agora-pensar.

Quanto ao estilo de escrita de Erico... poxa, que coisa agradável! É daquela estirpe onde se usa palavras e expressões clássicas sem parecerem piegas ou enfadonhas. A conjugação da segunda pessoa é no "tu": tu fazes, tu vais, tu ficaste. A preposição "de", e afins, se mesclam ao complemento: "duma", "dum". O resultado é uma prosa quase poética, um texto lírico e saudável, original, gostoso de ler.

Enfim. Foi com este livro que eu percebi existir no mundo uma forte linha de raciocínio tácita unindo todos os escritores da humanidade. Percebi que é como se houvesse uma espécie de corrente filosófica própria dos escritores... Claro que ela sempre existiu, mas foi somente ontem que eu me dei conta disso precisamente. Sensibilidade humana, "egoísmo altruísta" e uma ingenuidade beatífica são traços que fazem parte dessa filosofia tácita dos escritores.

Por fim, transcreverei para cá uma passagem que me comoveu bastante (não no sentido de me levar às lagrimas, naturalmente, mas de remexer algo dentro de mim). Trata-se de uma das muitas cartas que Olívia escreveu a Eugênio enquanto esteve afastada da cidade, passando uma temporada na Nova Itália. O trecho é o seguinte:

Estive pensando muito na fúria cega com que os homens se atiram à caça do dinheiro. É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época. Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura. De que serve construir arranha-céus se não há mais almas humanas para morar neles?

"Filosofia salvacionista barata", como disse o próprio Erico Verissimo no prelúdio do livro? Não sei... Só sei que eu gostei. Chris McCandless também gostaria, aposto.

11 maio 2009

Next, de Michael Crichton

Neste exato instante de uma noite chuvosa de segunda-feira, termino a leitura do sem dúvida mais polêmico livro escrito pelo romancista norte-americano Michael Crichton: Next (Next, 2006), que já rendeu boas controvérsias por parte da crítica, assim como o antecessor e ousado Estado de Medo. Por ora, o que acontece comigo é isso mesmo: enquanto o livro de Haruki Murakami não chega pelo correio, passo o meu tempo relendo as obras de Michael Crichton.

Sinopse (site Siciliano): Entremeando a narrativa com notícias de jornal e artigos científicos, Michael Crichton trata com ironia e perplexidade o atual universo da pesquisa genética, traçando uma visão sombria da vida humana hoje, negociada em bancos de óvulos e esperma na Internet ou em testes capazes de identificar parceiros ideais para gerar descendentes perfeitos. "Next" traz um inescrupuloso mundo novo, no qual a genética torna-se um escuso negócio de bilhões de dólares.

Na minha singela opinião, Next é um livro muito bom - e que isso fique bem claro ao longo de toda a resenha. Eu apenas diria que ele tem dois pontos fracos. O primeiro é que, nos quase 100 capítulos do livro, é-nos apresentada uma miríade de histórias cujas tramas possuem outra miríade de personagens, tornando-as, assim, muito superficiais e mal-elaboradas. O autor não se preocupa em tratar bem o enredo do romance, criando uma vasta seqüência de narrativas paralelas das quais ele acaba perdendo o controle. Acho que existem mais de 50 personagens em todo o livro. Sério. O outro ponto fraco é que muitos termos técnicos são utilizados no texto e, embora eles sejam colocados de maneira meio didática, isso acaba tornando algumas partes maçantes e de difícil compreensão. Como é o caso de "A patente reivindica efeitos potenciais sobre os neurotransmissores no giro do cíngulo".

De qualquer modo, sustento a idéia de que Next não tenha sido escrito para entreter os leitores. Pelo menos não entreter da forma tradicional, criando uma história que segue um determinado ritmo "contagiante". Suponho que a verdadeira intenção de Crichton tenha sido a de tecer um amplo panorama dos absurdos da ciência corporativa no mundo atual, escrevendo pequenas histórias paralelas que mexem com bizarras situações envolvendo experiências genéticas, evidenciando, assim, o quanto a humanidade está extrapolando os limites da razão nas pesquisas científicas.

Exemplos dessas bizarras situações são: um papagaio africano transgênico que fala fluentemente como um ser humano. Um orangotango poliglota experimental largado na selva da Sumatra. Um chimpanzé gerado a partir de sêmem humano que se comporta como uma criança. Uma tartaruga-marinha cujo casco foi alterado para que exibisse propagandas comerciais de grandes empresas. Uma orelha minúscula criada em laboratório por renomados cientistas. Universidades patenteando células de uma pessoa viva, que perde completamente os direitos sobre o próprio corpo.

Fica evidente que o autor escreveu este livro na tentativa de alertar as pessoas para o caos no qual o mundo está se transformando, graças às experiências científicas mal-planejadas, não-autorizadas ou desnecessárias. Pelas obras anteriores de Michael Crichton, podemos perceber que ele realmente teme um pouco esse avanço desenfreado da ciência, especulando que uma má política administrativa sobre o campo científico de fato poderá acabar com todos nós. Não é nem um pouco difícil constatar isso pelos seus romances anteriores: todos eles tratam de inovações científicas que deram errado, e todos os administradores das grandes empresas são sempre uns bons filhos-da-mãe. (Esse é outro aspecto curioso em Next: todos os seus personagens são sempre sacanas, corruptos ou devassos.)

É interessante, também, perceber o quanto Michael Crichton distancia-se de sua narrativa habitual para escrever Next. Neste livro, o autor usa-se de uma linguagem que não lhe é muito comum: insere palavrões às pampas, sem rodeios, e uma amarga ironia quase incurável está presente em todo o texto. Parece até que o escritor pensou: "Sabe de uma coisa? Quero que essa humanidade estúpida se f***. Vou escrever um livro mostrando toda a verdade sórdida por trás dela e esculachar todo mundo". Eh, aquele humilde (e tão bom) narrador de aventuras não está presente aqui em Next. Infelizmente. No seu lugar, aparece um irascível escritor desiludido com as pessoas.

Mesmo assim, Next não faz feio e acaba sendo uma boa mistura de cômico e bizarro. É uma daquelas histórias que, de tão absurdas, chegam a ser engraçadas. No entanto, basta nos lembrarmos de que tudo o que está escrito ali é perfeitamente factível para que ela então deixe de ser engraçada - e passe a ser assustadora. Porque, afinal de contas, são esses absurdos científicos retratados no livro que um futuro próximo nos reserva. Bem próximo.

Next.

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P.S.: Acabei de ver aqui que Michael Crichton é o escritor mais lido do mundo. Eu sempre soube que ele era bem popular no planeta inteiro, mas não ao ponto de conquistar esse título. Pensei que esse status de "best-read" pertencesse a J. K. Rowling ou a Barbara Bradford Taylor.

P.S. 2: Depois da morte do autor, no final do ano passado, a editora americana que publicava os seus livros disse que editará Pirate Latitudes, um romance que Crichton nunca pensou em publicar em vida. Nota mental: dado isso, então, seria moralmente correto publicá-lo?