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09 julho 2010

A montanha e o rio, de Da Chen

"(…) pelas breves noções de história que eu vinha adquirindo nas minhas leituras noturnas, sabia que (…) o poder nunca mudava de mãos sem ficar manchado de sangue." (p. 90)

A montanha e o rioDa Chen

Ontem pela manhã eu finalizei o que talvez tenha sido a minha penúltima leitura de férias: A montanha e o rio (Brothers, 2006), escrito pelo chinês radicalizado norte-americano Da Chen. O autor demorou nada menos que oito anos para conceber e redigir o romance, e no final das contas acabou arrecadando críticas elogiosas do Boston Globe, USA Today, San Francisco Chronicle e outros suplementos literários.

O livro foi lançado aqui no Brasil pela editora Nova Fronteira, que, por sinal, fez um ótimo tratamento na capa e no miolo. A tinta brilhosa que usaram no título da frente, nos caracteres chineses amarelos e na lombada não descascam, por mais que a gente manipule o livro esfregando os dedos nessas regiões. (Diferentemente do que aconteceu com o meu exemplar de Estado de medo, do Crichton, que a uma altura dessas já está totalmente sem título aqui na minha estante.)

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Sinopse: No auge da Revolução Cultural chinesa, Ding Long, um jovem e poderoso general, gera dois filhos. Um deles, legítimo. O outro, nascido de uma jovem camponesa que se atira do alto de uma montanha pouco depois do parto. Tan cresce em Beijing, cercado de luxo, carinho e conforto, ao passo que Shento é criado nas montanhas por um velho curandeiro e sua esposa, até que a morte do casal o leva a um orfanato onde passa a viver sozinho, assustado e faminto.

Separados pela distância e pelas condições de vida, Tan e Shento são dois estranhos que crescem ignorando a existência um do outro, até que suas vidas se dirigem, de forma emocionante, para um ponto de colisão.

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Não sei se começo esta resenha falando primeiro dos pontos negativos do livro e depois dos positivos, ou vice-versa. Em retrospecto, acho que eles estão relativamente balanceados aqui, e por isso não sei de quais falo primeiro. Como Da Chen é estreante em literatura de ficção, acho normal – além de inevitável – que seu primeiro romance tenha aspectos negativos: pontos clichês, incoerências, linguagem inadequada em algumas passagens etc. Em suma, aspectos negativos que, assim espero, serão corrigidos nos seus futuros romances.

Bem, já que comecei falando do lado ruim do livro, não me resta outra coisa senão continuar. E o primeiro ponto que eu gostaria de comentar aqui é uma espécie de defeito na linguagem da narrativa; difícil explicar, mas me pareceu que as palavras e expressões usadas por Da Chen nos primeiros capítulos soaram incoerentes, fora de contexto, como se a história se passasse em um país ocidental dos dias de hoje, e não na China comunista do final do século passado. Enfim, tive uma sutil sensação de que a linguagem não combinava com a carga histórica da obra.

Além disso, ainda falando em narrativa, me pareceu também que o livro seria melhor aproveitado se fosse escrito todo em terceira pessoa. Tudo bem, a narrativa das personagens em primeira pessoa se alternando nos capítulos é bacana, mas penso que os detalhes do enredo ficariam melhor explorados se a escrita fosse feita por um narrador observador onisciente, o que contribuiria ainda para dar uma atenção maior às personagens secundárias.

Uma coisa que pode entediar o leitor em A montanha e o rio são as passagens em que se descreve os trâmites burocráticos e políticos das operações de Tan, vovô Long e Shento. Na verdade isso não é um defeito do livro, obviamente, uma vez que é fundamental para o desenrolar da história, mas ainda assim essas passagens me fizeram bocejar algumas horas. O engraçado é que eu li coisas potencialmente bem mais "enfadonhas" em O Palácio de Espelho, mas não senti o menor enfado aí – acho que o autor desse livro soube tratar a coisa de modo mais interessante.

Para acabar a infeliz lista dos aspectos negativos do livro, resta apenas falar do enredo do romance em si, que é um tanto clichê. Irmãos que crescem separados – um legítimo; outro ilegítimo, buscando vingança contra o pai que o rejeitou –, apaixonados pela mesma moça, que fica indecisa quanto a quem ceder. Os irmãos, por conta da educação e das oportunidades que tiveram na vida, acabam virando inimigos mortais um do outro. Etc., etc. Não parece um pouco batido demais? Folhetinesco? Parece, mas o clichê presente no livro não é intragável, pelo contrário: algumas vezes passa até despercebido.

Praça Tiananmen, em Beijing, citada com freqüência no livro

O.K., agora é a hora dos pontos positivos do livro. É até bom acabar a resenha falando sobre eles, porque aí o leitor fica com uma impressão boa do romance. Em primeiro lugar, como sempre acontece em obras épicas, é agradável ir identificando os acontecimentos históricos reais que perpassam o enredo porque, além de o leitor ter uma detalhada aula de História, o livro se torna bem mais verossímil quando é inserido nesses contextos verídicos. É o caso de A montanha e o rio. Me surpreende a capacidade de alguns autores de conceber uma história com base em eventos reais, moldando suas personagens e a sua trama a partir dessas premissas.

Embora eu tenha apontado aquele defeito com a linguagem da narrativa no começo, não sou tão chato quanto pareço e digo que ela é extremamente fluida, agradável de ler, e o livro toma ares mais dinâmicos, envolventes, a partir dela. Outra coisa legal trabalhada no romance – e isso parece ter sido a preocupação central de Da Chen – é o sentimento do povo de estar sendo ludibriado e ter a liberdade roubada por um governo que age desonestamente em benefício próprio, assassinando líderes estudantis contrários à tirania reinante dos militares. A sensação que o leitor tem de estar participando das reuniões estudantis secretas, anti-governistas, é forte e bacana.

Por fim, confesso que li as últimas dezenas de páginas com tanta avidez quanto foi possível, na velocidade mínima necessária para pelo menos captar o que estava sendo passado. É um final elétrico, que deixa o leitor ligado. Sem brincadeira, o dinamismo do final é de tirar o fôlego.

Conclusão: para quem gosta de épicos que envolvem muita conspiração e manobras militares, um prato cheio. Para quem é indiferente, vale a pena dar uma olhada.

15 comentários:

  1. Pois bem Marlon, ainda não li este livro, tampouco sobre o autor, mas assim como muitas fases da história do mundo a Revolução Chinesa e seu desenrolar é um cenário para belas estórias.

    Estou lendo um livro "A Morte do Rei Tsongor" que salvo o engano é o segundo do autor, e também noto certa falta de criatividade no enredo.

    Mas, já que comecei vamos a luta ao fim do livro.

    Até a proxíma!

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  2. Olá, Gustavo!

    Sim, a China é palco para muitas estórias... isso por ser um país muito rico culturalmente, atravessado ainda por vários episódios históricos característicos, como o massacre na Praça da Paz Celestial.

    Este é o problema de ler livros de autores estreantes: temos contato direto com a sua inexperiência. Mas... resta esperar que no futuro os erros técnicos sejam corrigidos.

    Estou gostando da sua visita no blog. Até a próxima!

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  3. Que bom que mais para o final vc empolgou com o livro! :) hehehehe E o que vc achou do destino final que o autor deu para os personagens? Não se decepcionou?

    Se vc gosta de livros passados na china com contexto histórico, recomendo fortemente Cisnes Selvagens. É uma biografia, excelente.

    Abraço!

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  4. Hmm, não sei o que pensar. Ao meu ver os pontos negativos que levantou são bem mais fortes que os pontos positivos. Me pareceu que o único ponto positivo 'real' é o fato do autor saber utilizar bem os fatos históricos pra poder conduzir sua (cliché) trama.

    De qualquer maneira esse não me interessou muito... E percebi que você gosta mesmo desses romances históricos, enquanto eu prefiro ficção pura. Mas é uma barreira que preciso quebrar (e que quebrarei em breve =D)

    Abraço!

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  5. A, se você gosta de tramas passadas na China uma ótima pedida é "A Boa Terra". Não sei se já leu, mas é um dos meus favoritos de todos os tempos, com certeza! Vale a pena conferir.

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  6. Olá, Thiago!

    Tenho certa predileção por livros que situam suas tramas em episódios históricos, e eles podem ser de qualquer lugar, China incluída. ^^

    Valeu pela dica, vou dar uma conferida!
    E obrigado também pela visita ao blog.

    Abraços. :)

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  7. CABEI DE LER AGORA, NÃO ENTENDI O FINAL, O QUE O AUTOR QUIS PASSAR, TEM COMO VOCÊ ME FALAR? HAHAHAHA VALEU

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  8. Poxa, você é um crítico e tanto. Postei, agora há pouco, minha crítica sobre essa mesma obra, e senti-me detonado pela sua.
    Ficaria feliz se você a avaliasse. Aqui está o link: http://luciosouzacruzneto.blogspot.com/2011/01/critica-montanha-e-o-rio.html

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  9. Olá, Anônimo!

    Muito obrigado pela passagem aqui no blog, mas infelizmente não sei se posso ajudá-lo... rsrs.
    Li este livro há muito tempo, e não lembro exatamente dos pormenores do final! Tenho memória de peixe... x)
    Portanto, prefiro não arriscar nenhum palpite!


    No mais, obrigado, e boa semana!

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  10. Olá, Lúcio Neto!

    Em primeiro lugar, fiquei muito feliz e muito lisonjeado pelas suas palavras no meu blog (Gato Branco em Fuligem de Carvão ou, simplesmente, Artigos Efêmeros), e agradeço bastante a sua passagem por lá. :)

    Em segundo lugar, eu queria dizer que fiquei surpreso pela quantidade de coisas parecidas em nossas resenhas. Como, por exemplo, o fato de acharmos que o livro ficaria melhor se fosse escrito em 3ª pessoa; ou então o fato de termos achado a história um pouco clichê e, ao mesmo tempo, atrativa e até certo ponto original.

    Li uma coisa no seu artigo que me chamou a atenção: o autor (Da Chen) consegue realmente fazer com que trocamos nossos sentimentos em relação aos personagens principais. No caso de Shento, começamos o livro com pena dele, compaixão, simpatia... e o contrário com relação a Tan. Depois, no final, nossos sentimentos estão totalmente trocados, não é?!

    Por último, queria dizer que a sua resenha não foi, de modo algum, "massacrada" pela minha! rsrs
    Gostei de ler o seu artigo, porque você abordou coisas interessantíssimas.
    Se você permite, eu gostaria apenas de lhe dar algumas dicas... Por exemplo, para que o texto não pareça visualmente cansativo, você pode aumentar a letra da postagem e/ou inserir mais gravuras. Isso dá algumas pausas bem-vindas na leitura e faz o texto ficar mais cheio de vida. :)

    É isso! Grande abraço! Vou pôr o seu blog na lista lateral de links do Artigos Efêmeros. ;D

    Boa semana!

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  11. Caro Marlo,
    Que resposta esplendidamente agradável de se ter haha. Imaginei que seria algo de no máximo três ou quatro linhas, e se fosse. Gostei muito hahaha.
    Então... não precisa agradecer minha passagem pelo seu Blog, eu que tenho que lhe agradecer, li, pelo menos, umas dez postagens, me encantando cada vez mais com seu jeito espontâneo de escrever e suas bem argumentadas críticas. Você se refere à aulas... qual sua idade? Hehe, desculpe-me a inconveniência da pergunta.
    Haha, depois que li seu artigo também gostei muito de ver as semelhanças; foi um dos poucos(depois de pronto, busquei a fundo na Internet trabalhos da mesma obra, é sempre bom uma comparação saudável) que, assim como eu, não apenas elogiou o foco narrativo da obra, e achou que ficaria melhor se fosse na terceira pessoa.
    Pois é, rapaz, eu também fui assim: não queria comentar na crítica, pra não estragar a surpresa, mas falar aqui tudo bem, já que os comentários quase nunca são lidos; no início eu torcia para que Shento se desse bem e Tan sofresse um pouco, e no final foi exatamente o contrário. Achei incrível essa mudança de opinião, provavelmente calculada meticulosamente pelo autor.
    Por fim, fiquei grato pelas dicas que me deu, e, pode ter certeza, vou usá-las na próxima crítica, que deve ser do livro ''O livro de Ouro da Mitologia'', já leu?
    Bem, acho que falei demais ... não quero te cansar. haha,
    Abraços

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  12. Opa, Lúcio! Tudo bom? :)

    Poxa, é muito gratificante saber que meus textos são lidos e apreciados por você! Só isso já é responsável por me fazer continuar tocando esse blog para frente... rsrs.

    Aqui no blog, sempre me refiro às aulas da universidade: tenho 19 anos, feitos em setembro do ano passado. E, além das aulas, também faço com freqüência algumas referências a uma amiga minha, Natália, que já virou quase que um ícone do blog, pessoa importante em várias postagens daqui... rsrs.

    Quanto às emoções do leitor com referência a Shento e Tan, realmente transparece daí o "cálculo" meticuloso que fez o autor da obra!

    Pois bem, nunca li (nem ouvi falar) deste "O livro de Ouro da Mitologia"... estou esperando a sua opinião sobre ele lá no seu blog! :D

    Não cansa nada, pode falar à vontade! rsrs

    Abraços!

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  13. Marlooooo =),

    Eu vi de fato uma passagem na qual você usa umas definições dessa Natália, muito bonitas por sinal. Notei umas metáforas impressionantes.

    Nossa, só 19? Pelo jeito que você escreve pensei que fosse ser muitoooo mais velho hahaha, quando eu chegar nessa idade quero ser assim também: culto, gostando muito de livros. Você faz falculdade de que? Letras, ouso chutar ...

    Poisé cara, o próximo livro ia ser esse Livro de Ouro, mas acabou que tá em falta na editora, e comecei hoje a leitura de ''O futuro da humanidade'', já ouviu falar? O autor é bastante famoso, Augusto Cury. Parece ser um bom livro, hehe.

    Passar bem. =)

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  14. Lúciooo! rsrs

    Metáforas impressionantes? :P
    Pois é, vivo citando ela em alguns posts, virou até piada entre a gente. rs

    "Só" 19? Eba, ainda sou novo! rsrs
    A um passo dos 20, idade decisiva, o "ponto de mutação". ^^
    Todos arriscam Letras, mas faço faculdade de Psicologia! x)
    Relativamente no começo, ainda.

    Conheço esse do Cury. Já o ganhei de aniversário, mas não o li. xD
    Não sei, não faz muuuito o meu tipo de livros, entende? rsrs

    OBS 1: No quesito "gostar de livros" eu até concordo, mas no "culto" há controvérsias! xD

    OBS 2: Tem orkut, cara, ou algo do gênero? É esquisito conversar por aqui... rsrs.

    Abração! (:

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  15. Opa huahuaha, viajei e fiquei sem acesso ao computador, mas aqui estou!!
    Que curioso saber que vc faz Psicologia, tinha quase certeza que era Letras mesmo uahuahahau...
    Pois é, acabou que nem eu li o livro do Cury, e fui curtir minha adolescência para ler livro do estilo Harry Potter hahaha, li os três últimos de Artemis Fowl.
    Tenho orkut sim, me adiciona lá:
    http://www.orkut.com.br/Main#Profile?uid=5649454216743702981

    Flw hehe.

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