"Lá em cima os albatrozes se mantêm imóveis no ar…"
"Meu pai tem esse vinil lá em casa. Com a música Echoes", disse-me Natália, ontem, enquanto almoçávamos no campus da universidade. Eu tinha dito a ela que estava pensando em escrever algo no blog sobre Pink Floyd, especialmente sobre um dos álbuns mais reverenciados pelos fãs da banda: Meddle.
Não perdi a chance que se desenhou à minha frente, de modo que fomos hoje à casa de Natália e conversamos com o pai dela, um sessentão forte e desenvolto, bronzeado. Como eu suspeitara que a nossa conversa seria não menos que boa, levei o meu gravador e o deixei ligado à vontade, enquanto bebíamos xícaras de café.
Wright, Waters, Manson e Gilmour: formação definitiva
Num determinado ponto da conversa, descobri que, quem é fã de Pink Floyd e tem mais de 40 anos de idade, certamente se deparou com uma coisa muito curiosa na época: ao adquirir o álbum Meddle, os floydmaníacos viram na setlist que o Labo B do bolachão continha apenas uma única música, isolada totalmente das 5 outras que compunham o Lado A. Coisa idêntica havia acontecido apenas um ano antes, quando Atom Heart Mother fora lançado e, dessa vez no Lado A, havia apenas uma única faixa.
Isso pareceu esquisito demais para a maioria das pessoas (o pai de Natália, por exemplo, achou que o Pink Floyd faria isso em todos os álbuns posteriores), até elas descobrirem que Echoes tinha um pouco mais que 23 minutos de duração, tal como a primeira música de Atom Heart Mother. As pessoas não tinham como saber que aquela era apenas mais uma das mais longas músicas de Rock Progressivo de todos os tempos. Atom Heart Mother Suite e Echoes eram tão grandes que só mesmo um lado inteiro de vinil poderia comportá-las.
Capa de Atom Heart Mother e o Lado A: apenas uma música
De toda a vasta preferência do pai, Natália herdou apenas o gosto por The Dark Side of The Moon, o álbum posterior a Meddle, que provavelmente alavancou o Pink Floyd às nuvens da consagração em 1972. Mas, como eu, o pai da minha amiga acha que foi Meddle o verdadeiro motor propulsor do que mais tarde viria a ser a mais emblemática banda de Rock Progressivo de nosso tempo. E, como eu, ele tem toda uma interpretação particular de Echoes.
Como toda boa música do gênero, Echoes possui o que chamamos de "compartimentos", ou seja, "ritmos instrumentais" diferentes contidos dentro da mesma música, que passa então a ser chamada de suíte. Um compartimento sucede o outro, e o ouvinte é levado a acompanhar os seus diferentes embalos ao longo de toda a suíte – cada um dura cerca de 5 minutos em Echoes. Desse modo, a faixa não possui uniformidade, mas é constituída de recortes.
O primeiro recorte começa com uma única nota do teclado de Richard Wright, que, soando vez após vez, lembra sons de pingos em água. Pouco depois, surge a voz suave da guitarra de David Gilmour, até que entram a bateria de Nick Manson e o baixo de Roger Waters.
Capa de Meddle e o Lado B: mesma coisa
A descrição de cada "compartimento" da suíte não é interessante aqui, porque qualquer tentativa de transformar Echoes em palavras é fracassada. De qualquer modo, meu trecho preferido na música é aquele entre os 14:30 e os 18:45 minutos. Como o pai da minha amiga disse (faço minhas as palavras dele):
"Tudo parece se renovar aí. Sempre que ouço esse trecho, vem à minha mente a imagem de tudo se regenerando, do sol saindo por trás das nuvens, da névoa se dissipando, das flores desabrochando, de alguém prestes a atingir o topo de uma montanha, da iminência de algo grandioso e inevitável…"
Quando a guitarra de Gilmour "explode" numa mixórdia de acordes aos 18:14, eu, particularmente, imagino uma sucessão de imagens totalmente aleatória. Imagens de todos os tipos, retratando todas as coisas. Se existe algo parecido com um orgasmo em uma música, é provavelmente nesse trecho de Echoes que a gente o encontra. Eu acho.
Por fim, o pai de Natália, meu mais recente amigo floydiano, disse que tinha o costume de ouvir essa música quando estava deprimido. Eu disse que coisa parecida ocorre comigo. Echoes acalma o espírito; as coisas parecem se encaixar no mundo; tudo encontra o seu lugar no plano da existência. E isso não é apenas por falar: é um sentimento genuíno, que de fato mexe com as essências.