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21 fevereiro 2010

O Silêncio da Chuva, de L. A. Garcia-Roza

“Os iguais tendem a se agrupar e a expelir o diferente, aquele cujo desejo não se confunde com o desejo do grupo, e por essa razão sofre uma morte social.” (p. 204)

O Silêncio da Chuva Luiz Alfredo Garcia-Roza

Hoje pela tarde eu finalizei a leitura de O Silêncio da Chuva (1997), primeiro romance policial nacional escrito pelo psicólogo Luiz Alfredo Garcia-Roza, autor de outros títulos noir em que aparece o detetive Espinosa, seu principal personagem.

Comprado a título de tapa-buraco para o longo feriado de Carnaval que eu teria pela frente, O Silêncio da Chuva mostrou uma sinopse interessante para mim e não hesitei em levá-lo da minha livraria predileta.

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Sinopse: No centro do Rio de Janeiro, um executivo é encontrado morto com um tiro, sentado ao volante de seu carro. Além do tiro, único e definitivo, não há outros sinais de violência. É um morto de indiscutível compostura. Mas isso não ajuda: ninguém viu nada, ninguém ouviu nada. O policial encarregado do caso, inspetor Espinosa, costuma refletir sobre a vida (e a morte) olhando o mar sentado em um banco da praça Mauá. De um lado, um morto surgido num edifício-garagem; de outro, a incessante multiplicação de protagonistas do drama. Tudo se complica quando ocorre outro assassinato e pessoas começam a sumir.

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Não sei o que escrever nesta sinopse – essa é a verdade. Se por um lado o livro prendeu a minha atenção o tempo todo (ou pelo menos durante uma grande parte do tempo que usei para lê-lo), por outro lado eu constatei uma série de defeitos técnicos que, a meu ver, colocam a obra em um nível abaixo do normal.

Vou falar primeiro dos pontos positivos do livro.

O Silêncio da Chuva não é um romance policial que segue o roteiro dos outros milhões de livros do mesmo gênero, em que temos tudo sempre bem definido: o detetive empenhado no caso e ludibriado pelas testemunhas; os intermináveis interrogatórios que parecem não acabar nunca e não levam a nada; a narrativa desprovida de humanismo e que só discorre sobre o básico, não desperdiçando nada em palavras; e, depois disso tudo, a grande revelação do sujeito obscuro que jamais seria taxado de assassino.

No romance de Garcia-Roza, não temos nada disso, pelo menos não em larga medida. Os personagens parecem ter mais vida do que os personagens dos romances policiais convencionais, a trama não é inteiramente voltada para um caso principal e isolado, o detetive não é o mais inteligente do mundo e a narrativa se usa de técnicas e palavras que fogem às técnicas e palavras usadas convencionalmente em romances noir. Em se tratando de originalidade, pode-se dizer que O Silêncio da Chuva ganha pontos.

Depois que a Primeira Parte (relativamente enfadonha) é lida e chegamos à Segunda Parte, não paramos mais de ler o livro. Isso é fato. Findo o romance, fazemos o balanço da leitura e chegamos à conclusão de que valeu a pena lê-lo.

No entanto…

Analisando a obra sob um ponto de vista técnico (o que não deixa de ser necessário), encontramos vários defeitos bobos que nos mostram que o livro foi escrito por um iniciante. Um deles é o defeito de o narrador (em 3ª pessoa) não manter um padrão no modo como narra a história. Em determinados momentos, usa-se de certas palavras e expressões, e, em outros momentos, usa-se de palavras e expressões completamente opostos, como se Garcia-Roza escrevesse seu livro de acordo com o humor com que acordasse de manhã.

Sei quando essa variação no modo de narrar é fruto de um trabalho bem feito e previamente pensado, o que não é o caso do livro em questão. E esse defeito mostra-se mais pungente ainda nas palavras que o autor usa no final do livro, que, por razões óbvias, não vou comentar aqui, muito embora gostaria de fazê-lo.

Um outro deslize do livro reside no caráter do personagem principal, Espinosa, que, para alguém que já está a tanto tempo na polícia, mostra-se tão pouco competente. Durante o livro inteiro encontramos Espinosa confuso, abalado por questões afetivas bobas, com um raciocínio pouco funcional e cujo gosto incondicional por livros somente deixa transparecer a índole do próprio Garcia-Roza. Embora seja essa mesma confusão e humanidade de Espinosa que tenha feito com que eu gostasse dele, analisando as coisas tecnicamente vi que isso torna a história incongruente.

Para que eu não me delongue demais e o post fique grande, vou precisar as últimas falhas técnicas: 1) os motivos do assassino da história ficaram muito pouco verossímeis. Nada convincentes. Nada justifica o modo como ele agiu. Quem ler o livro, vai perceber isso. 2) O livro termina de forma tão abrupta que é impossível não ficar decepcionado. Além do mais, o modo como termina também é um fracasso, deixando o leitor como que abobalhado, dando a impressão de que, cansado de escrever o romance, Garcia-Roza sentou-se à sua mesa e redigiu a primeira coisa rápida que lhe veio à mente.

Bem, mesmo assim – mesmo depois de citar tantos defeitos – digo que O Silêncio da Chuva é um entretenimento normal e que salvou o tédio do meu feriado passado em casa.

A tempo: se O Silêncio da Chuva ganhou o prêmio Jabuti de Melhor Romance de 1997, é inegável que estamos precisando de romancistas melhores.

14 fevereiro 2010

Fantoches e Outros Contos, de Erico Verissimo

“(…) Mário sentiu uma absurda revolta não contra si mesmo, por não ter fé, mas contra Deus, por não existir.” (p. 274)

Fantoches e outros contos Erico Verissimo

Hoje pela tarde eu finalizei a leitura da antologia Fantoches e Outros Contos (1972), uma coletânea peculiar de contos do brasileiro Erico Verissimo. É peculiar porque, convidado a reler seus textos de principiante para celebrar uma edição comemorativa do livro, o Erico de 66 anos de idade escreveu, à margem dos contos, pequenas e hilárias observações sobre o Erico contista da década de 30.

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Sinopse: Reconhecido como um dos clássicos brasileiros do século XX, Erico Verissimo estreou na literatura em 1932 com o volume de contos ‘Fantoches’. Décadas depois, fez apontamentos manuscritos e ilustrações à margem do texto, para a edição comemorativa do quadragésimo aniversário da publicação do livro. Nesses apontamentos, o escritor consagrado observa as narrativas do jovem principiante com olhar exigente, mas também com humor.

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Embriagado. Essa é a palavra que define muito bem o estado de espírito com que saio de uma leitura de Erico Verissimo. O escritor gaúcho consegue me envolver (tanto com as suas estórias quanto com o seu estilo de escrita) de uma maneira tão forte, tão plena, que eu acho difícil encontrar um outro escritor com que possa me identificar tão bem.

Considero Fantoches e Outros Contos simplesmente indispensável para os fãs de Erico. Contudo, não o aconselho aos que estão começando a ler a obra dele agora. Para ler a primeira parte de Fantoches e Outros Contos, acho que o leitor já deve estar adaptado há muito tempo ao universo do autor.

Essa primeira parte do livro (“Fantoches”) tem um valor evidentemente mais histórico que literário, embora lá haja algumas histórias interessantes. Encontramos nessas primeiras páginas um Erico ainda imerso em clichês, mas que procura, a todo custo, livrar-se deles, coisa que consegue com sucesso anos mais tarde. Achei muito interessantes os textos em que, no desenrolar da trama, as personagens se rebelam contra o autor da história. O ápice deste tipo de enredo está na peça “Criador versus Criatura”.

Aliás, uma coisa interessante de se notar é a profusão de textos escritos em forma de peça, forma esta com que o autor nunca simpatizou de todo. No mais, em resumo, “Fantoches” é uma boa experiência que fez com que Erico alçasse vôos mais longos, anos mais tarde.

A segunda parte do livro (“Os Outros Contos”) mostra-nos um Erico Verissimo muito mais maduro do que no início, já totalmente dono de sua escrita e suas idéias. Esses contos eu já aconselho aos que estão começando a ler a obra do autor agora. Lá encontramos histórias muito sensíveis, humanas, poéticas e reflexivas. Adorei particularmente do conto “A Ponte”, cuja filosofia é bem parecida com aquela que cultivo desde pequeno.

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Abaixo, transcrevo um trecho que retrata essa filosofia.

“Não quero que o senhor imagine que sou um papa-hóstia – sorriu o rapaz – e que acredite, como mamãe, num Deus barbudo que distribui prêmios e castigos… Minha religião tem muito mais a ver com a Arte do que com a Igreja Católica. Acredito numa Inteligência Superior, numa força luminosa que governa o Universo… Pode ser meio obscuro, mas é o que penso ou, melhor, o que sinto. Creio na existência duma Entidade cuja definição e explicação escapam à lógica humana de causa e efeito… O que quero deixar claro é que não aceito a gratuidade da vida. Se aceitasse, acho que ficaria louco… ou me matava… ou ambas as coisas. O absurdo da vida é apenas aparente. Há nas pessoas e nas coisas uma beleza e uma verdade imanentes.” (p. 289)

06 fevereiro 2010

Após o Anoitecer, de Haruki Murakami

“(…) entre o último trem que parte e o primeiro que chega, este lugar se torna um pouco diferente do que é normalmente durante o dia.” (p. 61)

Após o Anoitecer Murakamidas

Hoje, pelo final da tarde, eu terminei a leitura do livro Após o Anoitecer (After Dark, 2004), escrito pelo japonês Haruki Murakami, célebre escritor contemporâneo reconhecido por publicar livros como Norwegian Wood (1987) e Kafka à Beira-mar (2002), ambos best-sellers no país do sol nascente.

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Sinopse: Neste romance magistral, Murakami costura uma série de encontros e desencontros pelas ruas de Tóquio, entre o anoitecer e os primeiros raios da manhã. O autor deixa sua marca registrada ao falar da solidão e das dificuldades das relações humanas, mesclando diversas referências ao pop, ao jazz e à vida contemporânea.

No centro da trama estão duas irmãs. Eri é uma top model que, como uma Bela Adormecida moderna, caiu em sono profundo e parece nunca mais acordar. Mari, a mais jovem, é uma garota reservada e solitária que deixou a casa dos pais para vagar sozinha pela madrugada. Mergulhada na leitura de um livro numa lanchonete da cidade, acaba se envolvendo em uma aventura com sujeitos estranhos.

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Já fazia algum tempo que eu não lia um livro do Murakami. O último foi Dance Dance Dance (1988), há quase oito meses; depois disso, pensei em ler Minha Querida Sputnik, mas acabei desistindo da idéia (a trama não me pareceu totalmente atraente) e esperei até que After Dark fosse traduzido e lançado aqui no Brasil.

Comprei o meu exemplar de Após o Anoitecer pela internet e, infelizmente, ele veio com uma tenebrosa linha amassada no meio da lombada (aquela linha que surge quando as pessoas abrem demais a brochura). Fiquei chateado com isso, porque esse detalhe não constava na descrição que o vendedor me forneceu, mas, pelo menos, o resto do volume estava bom: nenhum risco e as páginas em bom estado.

De qualquer forma, adorei o livro, adorei a história. Murakami se mostra em boa forma e nos apresenta um de seus raríssimos livros escritos em terceira pessoa. No texto, Murakami inova: descreve as cenas como se fôssemos todos espectadores e estivéssemos vendo a história através de uma câmera cinematográfica invisível manipulada por ninguém-sabe-quem, também invisível. Fica no leitor uma curiosa e inédita sensação de impassibilidade diante do que está sendo narrado.

Outra coisa interessante de notar é que o narrador sabe sobre a história o tanto quanto nós, leitores. Na verdade, o narrador se mostra uma espécie de “aliado” do leitor, de companheiro, e não é raro ver uma passagem no texto do tipo “Percebemos que Fulano é assim e assim”, ou “Podemos supor que Ciclana fez isso e isso”, ou ainda “Do ponto em que estamos, podemos ver tal e tal coisa.” Pessoalmente, achei bem interessante esse jogo de metalinguagem.

Percebi também que o final do livro é particularmente emocionante, mais do que os outros do autor. Gostei disso, até porque não é sempre que vemos Murakami narrar alguma coisa com toques bem dramáticos e sentimentais. As últimas páginas ficaram marcadas na minha memória; tiveram um gosto bem doce.

Os personagens do livro, embora superficiais, são bem cativantes. Simpatizei especialmente com a protagonista Mari Asai, irmã da Bela Adormecida moderna.

Quando termina, Após o Anoitecer é o tipo do livro que deixa uma impressão nostálgica no leitor.

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Embora as atividades acadêmicas estejam exigindo bastante do meu tempo nos últimos dias, ando planejando uma releitura de Norwegian Wood ou Kafka à Beira-mar. Reler Caçando Carneiros (1982) também pode ser uma boa idéia.