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29 março 2010

O Cromossomo Calcutá, de Amitav Ghosh

“(…) o único modo de escapar da tirania do conhecimento é voltá-lo para si mesmo.” (p. 275)

O Cromossomo Calcutá Amitav Ghosh

Hoje pelo início da manhã eu finalizei a leitura do romance O Cromossomo Calcutá (The Calcutta Chromosome, 1996), escrito pelo indiano Amitav Ghosh e vencedor do Prêmio Arthur C. Clarke, nos Estados Unidos. Ghosh passou a infância em Bangladesh e Sri Lanka, estudou em Nova Délhi e Oxford e atualmente é professor em Colúmbia, Nova York.

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Sinopse: Na Índia devastada pela malária do final do século XIX, cientistas ingleses se mobilizam em busca da cura para a terrível doença. À frente está o médico militar Ronald Ross, que por seu trabalho receberia o Nobel de Medicina em 1902. Enquanto pesquisa, Ross torna-se vítima de uma seita de fanáticos religiosos interessados em desvendar os segredos de uma desconhecida e surpreendente mutação genética que está ligada à doença e que promete a imortalidade da alma.

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Impulsionado pela qualidade extraordinária do romance Maré Voraz (o qual ganhou a honra de figurar como destaque do mês aqui no Artigos Efêmeros), eu fiquei com uma insaciável vontade de adquirir outros títulos do autor. Ghosh é dono de uma escrita cristalina e atraente ao extremo, e suas histórias são verdadeiras amostras de como a imaginação de alguém pode ser livre, poderosa e estonteante.

Infelizmente, aqui no Brasil existem apenas três livros seus traduzidos para o português: Maré Voraz, O Cromossomo Calcutá e O Palácio de Espelho. Este último livro, inclusive, é um verdadeiro tijolão, uma espécie de monumento editorial mesmo, e talvez seja por isso que eu ainda esteja avaliando-o melhor. Afinal de contas, não seria agradável comprar um livro caríssimo, gigantesco, para depois se decepcionar.

De qualquer modo, seria difícil se decepcionar com Amitav Ghosh. Em O Cromossomo Calcutá, por exemplo, o autor revela uma qualidade interessante que poucos outros escritores  conseguem apresentar quando se trata de expor um assunto árido e de difícil compreensão: clareza. Esse é o trunfo de Ghosh, a sua característica mais diferenciadora. Percebe-se o cuidado e a preocupação que ele tem em não deixar o leitor “boiando” enquanto lê; toda passagem que exige uma explicação mais exigente é escrita de modo claro, limpo e interessante. O resultado disso é que você não se perde em nenhum momento da trama.

Mesmo assim, é fácil perceber por que a maioria dos leitores não apreciou o romance. O enredo de O Cromossomo Calcutá beira o delírio literário. Ghosh realmente pôs sua imaginação para correr solta, e isso é evidente quando o livro vai avançando e tomando proporções assustadoras. Não é uma história nem um pouco convencional. Aliás, é muito diferente de tudo o que eu já tinha lido até hoje. Achei-a de fato originalíssima e surpreendente, além de muito imaginativa. Vale a pena os fãs de ficção científica e suspense darem uma olhada. No entanto, que a ressalva seja feita: prepare-se para um livro totalmente fora do padrão imaginado.

Particularmente, eu adorei o livro. Embora o final tenha deixado um pouco a desejar (é confuso e abrupto), todo o desenvolvimento da história compensa, na minha opinião. Personagens e acontecimentos que parecem não ter nenhuma importância na trama vão ganhando um papel cada vez mais proeminente, e isso é muito interessante.

Só como comparação, O Cromossomo Calcutá lembra muito os romances iniciais de Michael Crichton: ficção científica e suspense mesclados em uma trama em que não se sabe onde termina a realidade e onde começa a fantasia.

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Abaixo, transcrevo um pequeno trecho do livro que achei interessante, embora não tenha trazido nenhuma revelação para mim (era algo que eu já sabia):

“Os biólogos sofrem uma pressão muito grande para que suas descobertas acompanhem as ideologias políticas. Os políticos de direita querem que eles descubram os genes responsáveis por tudo, desde a pobreza até o terrorismo, a fim de obter um álibi para castrar os pobres ou jogar uma bomba nuclear no Oriente Médio. Já a esquerda fica em pé de guerra se disserem qualquer coisa, não importa o quê, sobre expressão biológica de características humanas (…)” (p. 227)

4 comentários:

  1. Sabe, não tenho muita curiosidade por livros que misturam realidade e ficção, mas você fala tão bem das obras do Amitav Ghosh que agora quero conferir algo dele. A sinopse desse me pareceu até interessante, se conduzida da maneira correta.

    Sobre o livro duas coisas me preocuparam: essa clareza toda que você menciona e "proporções assustadoras". Como você não explicou direito eu fico na dúvida, mas clareza demais pra mim pode deixar algo muito superficial, 'mastigado' demais... Não é esse o caso aqui, é? E "proporções assustadoras" é algo meio perigoso, pois a trama pode se perder no meio do caminho. Mas é algo que só posso confirmar lendo.

    Sobre o final temos que concordar: é difícil encontrar um livro com um final muito bom. A maioria deles, pra mim, são só 'satisfatórios'. Só não pode deixar confuso demais, ou quebrado demais, ou abrupto demais.

    Té mais!

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  2. Olá, Faru!

    Para falar a verdade, eu também não tenho muito apreço por livros que misturam realidade e ficção, mas, às vezes, essa técnica cai bem. É o caso de livros como os da saga 'Asteca', de Gary Jennings, 'O Tempo e o Vento', de Erico Verissimo, 'A Última Estação', de Jay Parini, dentre outros. Todos são muito bons. Muito bem conduzidos.

    'O Cromossomo Calcutá' é mais um deles. Embora não seja um livro fantástico, claro, daqueles que deixam você com os olhos injetados (haha), é um bom livro. O entretenimento é garantido, pelo menos eu achei.

    Quanto à clareza da narrativa, acho que não expliquei direito, mesmo. O que eu quis dizer é que, como o enredo do livro não é dos mais fáceis e inteligíveis, a tal clareza da narrativa se faz uma necessidade. Se ela não existisse, o leitor perderia o interesse muito rapidamente, pelo simples fato de não estar entendo bulhufas. Portanto, a transparência da narrativa é apenas o que impulsiona o livro, e aquela sensação de que o autor está ensinando a você o bê-a-bá não existe, não. ^^

    As "proporções assustadoras" que o livro toma podem deixar a desejar, mesmo, isso eu não nego. Mas, como eu disse, talvez o desenvolvimento do livro compense esse restante.

    Por fim, se você se sentiu atraído para ler um livro do Ghosh, comece, sem dúvida, por 'Maré Voraz'. Esse é bem superior a 'O Cromossomo Calcutá'. :)

    Até mais!

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  3. É um dos livros mais extraordinários que eu já li. Lembrou-me ''Terra!" de Stefano Benni, que também não é conhecido no Brasil. O tema é original e o entrelaçamento dos roteiros auxiliares cresce até chegar a uma torrente pantanosa na qual o leitor facilmente se afoga - com prazer, se não temer o desconhecido. Gostei do final: ele me levou a lugares, no meu inconsciente, aos quais eu teria medo de ir se me fossem dadas informações demais. Não li o outro livro do autor, mas uma vez que vc recomenda, vou atrás dele!

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  4. Rose, muito obrigado pelo visita e pelo comentário!

    De fato este livro do Ghosh é sensacional. Recomendo a você os demais títulos do autor. Verá que são de um estilo e de uma temática bem diferente deste.

    Abraço!

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