Pesquisar neste Blog

20 agosto 2009

De Cabeça Para Baixo, de Fernando Sabino

"Eu nunca ouvira falar em Yosemite. Nem sabia da existência desse parque com nome de doença". (pág. 166, 7ª edição)

cabeça sabino

Ontem pela manhã, antes de trocar a água do aquário da Mila (minha peixe-espada de estimação), finalizei a leitura do livro De Cabeça Para Baixo (1989), que é o relato das viagens do escritor mineiro Fernando Sabino pelos quatro cantos do mundo. Além de ser o reconhecido autor do romance O Grande Mentecapto (1979), Sabino tem o status de ser um dos nossos melhores cronistas contemporâneos.

---------------------------

Sinopse (Record): Desde a sua descoberta da Europa em 1959 até se ver de cabeça para baixo no Extremo Oriente, Fernando Sabino relata o melhor de suas andanças, tropelias e trapalhadas por este mundo afora em quase trinta anos. E o faz na linguagem ágil, viva e quase sempre hilariante que o consagrou como um dos prosadores mais lidos do Brasil.

---------------------------

(Pequeno parêntesis: Algumas pessoas sabem que, desde que eu me entendo como mortal, sempre tive certo receio para com a literatura brasileira: ou a achava sem graça ou muito pretensiosa. E o motivo de agora eu estar buscando tantos livros nacionais, nos últimos dias, se deve ao fato de que fui "traumatizado" há uns quatro ou cinco meses, quando li duas versões distintas de Jurassic Park - portanto, duas traduções diferentes. O livro é magnífico, como todos sabem, mas, ao ler as duas traduções separadas, vi quão diferente pode se tornar um romance no que depender do tradutor. Essa perspectiva me deixou desconfortável, tanto que agora estou preferindo buscar aqueles livros que já foram originalmente escritos no meu idioma: português-BR.)

Bem, devo admitir que demorei um éon (isto é, uma verdadeira eternidade) para finalizar a leitura de De Cabeça Para Baixo. Geralmente eu demoro cinco ou seis dias para terminar um livro de 320 páginas (como é o caso deste), mas, pelo fato de não ter gostado tanto do estilo do Sabino, demorei algo em torno de um mês e meio para finalizar esse seu relato de viagens.

E os motivos para a minha falta de vontade são simples. Primeiro, De Cabeça Para Baixo se arrasta em uma narrativa que me deixa bastante desanimado: é metida a moderna, do tipo que engole vários verbos e abusa dos gerúndios. É o caso de por exemplo "A viagem mal começou e eu já inaugurando esta caderneta." (pág. 9). Cabe a reflexão: Qual é o problema em inserir a palavra "estou", entre "já" e "inaugurando"?

Sabino também tem o desagradável costume de escrever as suas frases pela metade. Pode-se notar isso no início do capítulo 3. Diz ele: "Série de reportagens para o JB sobre o que está acontecendo nas grandes cidades do mundo." O que há de errado em dizer "Estou fazendo uma série de reportagens para o JB sobre..."? Ou "Fui incubido de fazer uma série de reportagens para o JB sobre..."? O jeito incompleto com que ele escreve como que desloca o leitor, interrompendo o fluxo intuitivo da leitura.

Pode parecer birra da minha parte, mas a verdade é que eu não gosto desses invencionismos literários. Honestamente, não gosto desse tipo de estilo narrativo. Para mim, um livro que se preze deve conter antes de tudo uma linguagem consistente, articulada e, sobretudo, clássica. É lógico que não estou me referindo a um clássico rebuscado e difícil, do tipo de Dostoiévsky, mas a um clássico tradicional, talvez do tipo de Michael Crichton, por exemplo, que dá prazer ao leitor por conta da gramática e das construções impecáveis das frases. (Aliás, Crichton escreveu um relato de suas andanças que até hoje tenho como o melhor de todos: Álbum de Viagens, editora Rocco.)

O segundo motivo do meu desgosto para com a leitura do livro do Sabino, além da linguagem da narrativa, é a própria ausência de significância dos acontecimentos narrados. Sabino nos conta sobre as suas viagens rocambolescas ao Peru, à Alemanha, à Cuba, ao Irã, ao México e a tantos outros lugares do mundo, mas, ao final de cada capítulo, não transmite nenhuma conclusão definitiva e consistente para os leitores. Isso me decepcionou um pouco, porque, tendo em vista que Fernando Sabino é um dos nossos melhores prosadores, senti falta de uma mensagem à altura em seu relato; os acontecimentos lá são apenas narrados, e não dão margem a nenhuma outra interpretação subjetiva.

É como ler o diário da minha prima, eu acho. Não há nenhum subjetivismo admirável - apenas os acontecimentos narrados com uma objetividade enfadonha.

No entanto, cabe agora um grande "porém". Apesar dos dois motivos supracitados, que me deixaram com o cenho franzido em relação ao livro, devo admitir uma coisa. Nunca ri tanto lendo um relato de viagens. Isso é verdade.

São hilários os momentos em que o autor se vê às voltas com problemas na comunicação entre ele e as pessoas dos países para os quais viaja. Por exemplo, na manhã em que ele acorda em um hotel da Alemanha, trôpego de sono, ergue o interfone que está tocando e ouve alguém perguntar do outro lado da linha: "Pode soltarrr o gato?"

Pelo menos foi o que eu entendi. Respondi que sim, não tinha dúvida: no que dependesse de mim, podia soltar o gato. E fui direto para o banheiro lavar o rosto. (...)

Só mais tarde juntei as pontas e me ocorreu que devia ser o alemão da portaria me acordando, conforme instrução minha deixada na noite anterior.

Além dessas piadinhas da vida cotidiana que me fazem rolar de rir, há também os cômicos comentários do amigo de Fernando Sabino, Otto Lara Resende, ao longo do texto. Quando Sabino, a certa altura, faz uma de suas trapalhadas durante a viagem, ele próprio escreve: "E ainda há quem me ache inteligente..."

Em uma nota de rodapé, lá está o Otto: "Quem?"

Então, pode-se dizer isto: o livro que terminei de ler ontem pela manhã, antes de trocar a água do meu peixe, tem os seus altos e baixos - altos muito altos, e baixos muito baixos. Se um marginal pusesse um revólver na minha cabeça e dissesse "Dê uma nota para o De Cabeça Para Baixo, do Fernando Sabino, agora!" (apenas dou nota para os livros em casos de extrema necessidade), eu diria: "Cinco! Agora por favor, não me mate!" Cinco porque é uma avalição meio-termo. Os momentos hilários do livro compensam os outros momentos, os que não têm nenhum viés literário digno de um escritor internacionalmente reconhecido como Sabino.

P.S.: Fernando Sabino é também autor do livro O Encontro Marcado (1956), obra que li no ano passado e de que gostei bastante.

--------------------------------

Abaixo, segue-se uma das passagens engraçadas que me fizeram rir a valer:

"Antes de voltar para Bruxelas, eu e o Otto conseguimos ver o famoso 'Agneau Mystique' de Van Eyke na Igreja de Saint Bavon, conforme recomenda o Guia. Num de seus acessos de insensatez, Otto me fez subir com ele a torre da igreja, para apreciar a paisagem lá de cima. São quatrocentos degraus! O equivalente a 22 andares. Meu desvairado companheiro riscou nosso nome no parapeito do terraço com a chave do carro, para ficar eternamente comprovado que estivemos lá.

De volta ao carro verificamos que ele havia esquecido a chave lá em cima. Teve que voltar para buscar. Sozinho, é claro."

(SABINO, Fernando. De Cabeça Para Baixo, pág. 14, 7ª edição, Record.)

2 comentários:

Muito obrigado pela visita ao Gato Branco! Seu comentário será extremamente bem-vindo! :)