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02 julho 2009

A Paisagem para além da janela do trem - parte segunda.

Continuação do post anterior. Mais loucuras, mais imprevisibilidades, mais incongruências. (Assim pareço até o Erico Verissimo, criticando impiedosamente o próprio trabalho.) ^^

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A primeira coisa que eu percebo quando entro no vagão comercial de um trem da tal companhia Railway Trans-142 é que a cabine para os passageiros é muito grande para alguém que pretende fazer uma viagem de dois dias sozinho, como eu, agora, por exemplo.

(Bom, deixe-me explicar o que aconteceu antes. Há alguns minutos, enquanto eu esperava o trem na Estação Meires, este surgiu deslizando silenciosamente pelos trilhos que vêm do campo e conduzem à plataforma, saindo da luz do sol de lá de fora e entrando na sombra daquela imensa estrutura. A locomotiva demorou alguns segundos para estacar, e, quando o fez, um halo gigante de fumaça cinza se formou ao redor da maquinaria [locomotiva a vapor!]

Ótimo. Peguei minha mochila sobre o banco e subi então da plataforma diretamente para o vagão dos passageiros. Agora entro na cabine, percebendo não sem surpresa que eu sou o único passageiro – ou pelo menos um dos únicos – que está a bordo deste trem.)

Entro e me detenho a observar por uns instantes a cabine dos passageiros. É aqui onde eu vou passar a viagem inteira. Há, do lado direito do aposento, uma grande janela envidraçada que ocupa toda a área da parede (ou pelo menos boa parte dela), e que fornece uma bela vista panorâmica da zona rural das Colinas Distantes – um campinho de futebol abandonado, uma casinha rústica de tijolos com quintal, uma indústria fumegante lá ao longe, uma árvore isolada e esquecida dando sombra para ninguém.

campos verdes blog

A luz do sol de 9 horas e 30 minutos da manhã entra por esta janela e inunda toda a cabine, dourando o assoalho de madeira e as prateleiras polidas com uma coloração âmbar ofuscante. Todo o ambiente da cabine é requintado e feito sob medida, digamos assim, ao clássico estilo Belle Époque. Sinto-me verdadeiramente em pleno século XIX. A temperatura deve estar em torno dos 28º C, e eu finalmente vejo razão para tirar o meu casaco.

Suspiro, deixo as minhas bagagens (ou melhor, minha mochila e o meu casaco) sobre uma prateleira que há na parede – numa parte sobre a janela de vidro – e sento-me pesadamente na poltrona acolchoada da cabine; nesse ato, percebo que o tecido do estofado está rasgado em vários lugares, e uma esponja amarelada surge pelas frestas. Minha tentativa de remediar este problema, procurando enfiar as esponjas de volta aos seus lugares, é vã e acabo desistindo.

Demora mais ou menos 20 minutos para que o trem comece então a deslizar pelos trilhos, saindo da Estação Meires e ganhando os campos verdejantes das Colinas Distantes, apitando sua clássica buzina como nos tempos antigos. Este apito agudo característico de trem tem um valor sentimental desagradável muito grande para mim – é verdade. Me faz lembrar dos tempos miseráveis de criança em que Jéssica e eu íamos até a Estação Ferroviária Locastev entregar o almoço de papai, enquanto ele trabalhava como um louco na companhia, sempre sob o olhar raivoso e os sermões severos do sr. Van Dan, seu chefe. Mamãe ficava em casa preparando as comidas e cuidando da nossa criação de galinhas, enquanto Seu Leocádio vendia quinquilharias na lojinha da frente e dormia com ela de vez em quando, sem que nós, filhos, naquela época, soubéssemos.

Mas isto é passado, penso agora, enquanto olho para a paisagem viva que começa a se mexer através da grande janela da cabine. Afundo-me então na poltrona rasgada e me ponho a pensar.

Tenho a leve sensação de que, com esta viagem, estou tentando fugir da cidade e da civilização que nela vive. Estou fugindo de todos: da minha família desagradável, dos meus amigos que nunca tive, das minhas namoradas desvairadas, dos meus sócios interesseiros e ambiciosos. Para ser sincero – sincero de verdade, pois há pessoas neste planeta que mentem com sinceridade – acho que essa questão de fugir dos outros seres humanos e tentar encontrar uma certa paz interior não é algo condenável – de maneira alguma. Creio que este tipo de liberdade não nos deveria ser negada; não somos necessariamente obrigados a viver em sociedade sempre. Também faz parte da natureza humana isolar-se.

É o que eu acho.

Fecho os olhos e recosto a cabeça na guarda da poltrona. O movimento trepidante do vagão me deixa sonolento.

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[Continua...]

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