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11 junho 2009

Sobre o espelho do banheiro, metafísica e música.

Se, ao término da leitura deste post, meus queridos leitores acharem que fiquei louco de vez, esclareço: Não, não fiquei, essa é apenas a maneira humorística com que eu encaro as coisas. Minha tendência a querer transformar tudo em história acaba fazendo com que todas as coisas ao meu redor pareçam pitorescas demais! xD

(Este esclarecimento vale também para os futuros posts). ^^

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A primeira coisa que eu costumo fazer ao acordar de manhã, antes de tudo, é consultar o relógio que está sobre a mesinha-de-cabeceira do meu quarto. Não sei bem por que razão faço isso, mas a verdade é que sinto uma real exigência de ver as horas assim que desperto. É como se fosse um ritual, como se fizesse parte da minha liturgia de todos os dias, o ponto de partida para tudo, o início do meu funcionamento físico e mental: acordo e olho para o relógio.

Hoje, por exemplo, acordo com a cabeça meio pesada e olho para os dígitos que lá estão sobre a mesinha: 8 e 16 da manhã. A cortina da janela que fica em cima da minha cama está parcialmente cerrada, e através do seu fino tecido de seda marrom uma rajada de luz matinal penetra pelo quarto, deixando-o em uma semi-penumbra interessante, e que me faz ter mais sono ainda. A barra da cortina balança suavemente. Sinto uma leve inclinação a mergulhar de novo na inconsciência, a ir visitar os recantos da minha mente e ir ver que tipo de sonhos eles produziram para mim.

No entanto, penso: Hoje é feriado, e quero aproveitar a incrível camada de silêncio que recai sobre a cidade nas primeiras horas do dia. Levanto-me da cama. Tiro as meias (durmo com elas, senão é resfriado na certa), desligo o despertador (que nunca me acorda na hora pretendida) e me dirijo até o banheiro, não sem antes tropeçar nos meus chinelos que estão perto da porta. Entro no box e permito que a ducha de água fria caia sobre mim e me renove o espírito, enquanto assobio desajeitadamente 'Run Through The Jungle', do Creedence Revival. Mas as gotas de água que caem do chuveiro passam pelos meus lábios e apenas um som esquisito e atravancado sai da minha boca.

Renovar o espírito?, penso agora, enquanto escrevo. Que coisa mais transcendental, mais mística. Deve ter sido alguma manifestação do Deus-Bola que me fez escrever isso.

Saio do banho e, ainda enxugando os cabelos com a toalha, me olho sem querer no grande espelho que está sobre a pia. Paro de me enxugar e tento esboçar um sorriso para mim mesmo, para ver se a minha simpatia me convence. E fico afinal assim, observando a minha própria imagem por um bom tempo, toalha ao redor da cintura, mãos apoiadas na bancada da pia.

Quando eu era pequeno, tinha a mania de ficar a me olhar no espelho durante tantos minutos, que eu chegava a me perguntar se quem estava ali do outro lado era mesmo eu. Pensava: Então, esse aí sou eu? É esse o corpo que o Cosmos me deu? Ainda me era muito estranho que fosse. Sentia mais como se o Marlo observador, o real, fosse uma espécie de consciência separada, e o outro Marlo, o observado no espelho, fosse a projeção da minha consciência na terra.

Eu sabia que, no final das contas, essa era uma questão que nunca ficaria resolvida em definitivo. Imagino todas as questões de metafísica que há no mundo... São infinitas, concluo. Deve ser por isso que as pessoas acreditam em Deus; diante de tantas perguntas sem resposta, elas precisam de algo em que se agarrar com firmeza. Mas quem disse que Deus é algo firme? Não é concreto. Ninguém nunca o viu. O Deus-Bola que está sobre a minha mesinha-de-cabeceira é mais firme e concreto do que Ele, e todas as pessoas o vêem e o tocam, ficando deslumbradas com os seus raios violetas e azuis.

Tento pensar em um mundo sem religião. Mas desisto de filosofar sobre essas coisas logo tão cedo do dia. E depois de um extenso momento de auto-observação na frente do espelho, caio na real e percebo que a minha barba está grande demais. Este é um problema verdadeiro, e não metafísico, reflito. Passo a mão pelo meu rosto. É incrível, penso. Minha barba cresce em uma velocidade irritante. Eu a fiz anteontem; e, hoje, aqui está ela de novo. Meu Deus!

E é pensando nisso que tiro a gilete do estojo e trato de extirpar aquela barba inconveniente dali. Durante essa atividade, vejo um céu de um azul celeste gritante através da pequena janela do banheiro, refletida pelo espelho à minha frente. Adoro esse tipo de céu. Acho muito bonito. E o silêncio é também uma coisa muito reconfortante. Nenhum barulho de buzina de carro, ninguém gritando no meio da rua, nenhum vizinho de cima arrastando os móveis.

Para ser sincero, consigo até escutar o barulho da lâmina raspando meu rosto.

(Lembro-me de que um amigo meu, no 2º Ano do Ensino Médio, certa vez me confessou que adorava tocar instrumentos musicais dentro do banheiro da sua casa. Ele era motivado a dedilhar no violão sobre o piso de lajotas mesmo, próximo ao box do chuveiro. Justificou a prática absurda dizendo que a acústica que existe naquele cubículo é simplesmente fantástica. Acho que deve ser verdade. Mas não deixa de ser excêntrico!...)

Acabo o escanhoamento dentro de cinco minutos, saio do banheiro e vou até a cozinha. Pregado na porta da geladeira está um aviso escrito em letras minúsculas que eu mal consigo enxergar: "Saímos, e você vai ficar sozinho aqui em casa até as 3 horas da tarde, mais ou menos. Fomos deixar o Alexandre na casa do colega dele, dentre outras coisas. Ass.: Martha. Beijos, e até mais!"

Minha mãe é do tipo de pessoa séria, concentrada, mas que mesmo assim consegue passar uma imagem bem engraçada quando quer. Por exemplo, lendo esse bilhete, fica a impressão de que ele nem é um bilhete em si, mas de que é um aviso de penintência. Você vai ficar sozinho em casa até as 3 horas da tarde. Se vire.

Desprego o pequeno pedaço de papel da porta da geladeira, amasso-o e o jogo no lixo. Depois acendo as luzes da cozinha, que vacilam antes de se fixar. Diviso a seguir sobre o fogão uma panela inox tampada. Penso: Ali deve haver comida. Me precipito até ela, abro-a a muito custo por causa da pressão interior, apenas para descobrir um fundo vazio. Sem nenhum problema, reflito.

"Hoje teremos China In Box para o almoço", anuncio para o pingüim de porcelana que fica sobre a geladeira.

"Menos mal", ouço ele responder. Lembro que a solidão faz as pessoas ficarem loucas. E me pergunto quanto tempo demora para que elas sucumbam totalmente à loucura.

Abro o armário que fica sobre a pia e, por detrás da lata de biscoitos, pego de dentro do depósito um pão de massa fina. Logo no momento em que o pego, porém, desisto da idéia de comê-lo. Meus olhos pousam sobre a lata de biscoitos. Por que não? Faço uma tigela de leite rapidamente (com direito aos cereais do Tigre Tony) à guisa de acompanhamento. Enquanto preparo o meu próprio lanche, abrindo gavetas e retirando talheres, assobio uma versão inventada de 'Just Another Day'.

Me sento então à mesa da cozinha e fico ali, deleitando-me com aquele pacote de biscoitos Passatempo enquanto os cereais ficam mais murchos e mais gostosos, afundados ao leite. O silêncio continua, e os raios do sol entram pela janela comprida que há na despensa logo ali. Projeta-se então um jogo de luzes e sombras na parede, bem sobre a minha cabeça. A geladeira estala ao meu lado tentando manter a temperatura. Penso: De uma forma ou de outra, todos nós estamos tentando manter nossa temperatura neste mundo.

O pingüim de porcelana parece concordar lá de cima.

Sem nada melhor para fazer depois de terminar o lanche matinal, ligo o computador e passeio pela Internet. O silêncio continua. Decido ouvir um pouco de música para fazer o ar vibrar. Começo com Beatles, apesar de não ir muito com a cara do Paul McCartney. Ouço deles 'Norwegian Wood' e 'Strawberry Fields Forever', passando por 'Yellow Submarine', 'A Hard Day's Night' (adoro essa) e 'Can't Buy Me Love'. Depois vou para The Clash e escuto o álbum 'From Here to Eternity' (gosto desse nome). Em seguida puxo uma coletânea de Simon & Garfunkel e ouço 'Cecilia', 'Bridge Over Trouble Water', 'The Boxer' e a clássica 'I am Rock'.

Por último, escuto o álbum duplo do 'Pulse', do Pink Floyd, na íntegra. Floyd é essencial.

Quando a 'One of These Days' termina de tocar, ergo os olhos da tela do computador para o relógio da parede da sala: 12 e 10 da tarde, verifico. Passei duas horas e meia do dia escutando música. Quando ouço música, os minutos se estagnam ao meu redor - ou melhor, eles passam e eu não acompanho o seu ritmo. Percebo então que está na hora de almoçar; desligo o computador, tomo nas mãos a lista telefônica da cidade, folheio as páginas amarelas e disco o número do China In Box Delivery, fitando o mapa da Região 14 da metrópole.

Uma moça simpática me saúda com um "Boa tarde!" efusivo do outro lado da linha, anunciando que é da referida empresa. Retribuo a saudação, sento-me no sofá da sala e peço uma porção de yakisoba tradicional com bastante verduras. Não sei se este tipo de pedido é viável, mas mesmo assim falo rindo: "Com bastante verdura!" A moça ri também, achando autêntica graça na minha fala, e pergunta se eu quero comer a yakisoba com hashi. Digo que sim. Adoro aqueles pauzinhos. Enquanto anota o meu pedido, a recepcionista do China In Box ri outra vez e diz que comida chinesa não é nada sem eles, realmente, e que o seu namorado às vezes coleciona os hashi quando saem ambos para jantar fora.

Então existe uma pessoa mais desocupada do que eu, penso.

Desligamos. E enquanto o almoço não bate à minha porta, vou até o quarto e fico relendo alguns trechos de 'Um Homem Extraordinário', de Anton Thekhov, e imaginando o que aquele sujeito misterioso faria se estivesse no meu lugar.

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Nova fotografia do Deus-Bola (agora mais de perto! Estou me arriscando!):

PB0500652

Capa do CD duplo 'Pulse' (a mais bela obra de arte que eu já vi em uma capa de disco!):

PULSE - Pink Floyd

O Pingüim Eloqüente que adora comida chinesa, sobre a geladeira da cozinha (ele me dá calafrios!):

pingüim

Um comentário:

  1. Haha. xD
    Adorei o texto!, como sempre, é claro. :)
    Aqui em casa temos um pingüim também, mas ele tem algumas diferenças do seu, ele é de pelúcia e fica em cima do ar-condicionado. Eu não de onde meus pais tiraram de colocá-lo sobre o ar-condicionado, deve ser porque, que nem a geladeira, ele também resfria as coisas. Ou, vai ver é algo mais metafísico mesmo, como: um pingüim de pelúcia, um objeto macio e bonitinho, sobre uma esquisita máquina que nos ajuda a manter uma temperatura... Mas creio que só eu pensaria nesta loucura, com ajuda do seu texto, ne. Gostei da comparação da temperatura. :)

    Sobre a acústica de banheiros, eu acredito ser verdade!, toda vez que canto num, apesar de a minha voz continuar sendo horrível, ela parece menos horrível do que é. XD

    E quanto ao espelho, conheço bem esta sensação de parecerem duas pessoas diferentes, uma lá e outra cá. Parece que a de lá se empenha em se manter dentro dos padrões da realidade, e a de cá, ignora todos os preceitos de real e surreal. Lembro-me até de que, quando eu era mais nova, tinha o costume de chorar olhando-me no espelho; às vezes as dores e os conflitos pareciam tão estranhos e absurdos que eu tinha de me certificar se realmente produziam efeito em mim, ou se aquela choradeira que causavam fazia mesmo algum sentido... Nunca cheguei a uma resposta quanto a isto!, mas tudo bem, respostas são meio inúteis e sem graça, vez por outra, parece que nos limitam...

    Enfim, pode ter certeza que, mesmo escrevendo menos do que gostaria, seus textos continuam saindo maravilhosos! Um beijo, e até! /o/
    Paula Guerra;

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