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10 junho 2009

Sobre insônia e a escuridão do meu quarto - parte segunda.

E o que ela diz é:

"Às vezes eu acho essa vida um saco, sabe? A gente nasce, cresce (alguns!), conhece outras pessoas, se reproduz (alguns!), arranja um emprego mais ou menos (alguns!), e acaba morrendo sem que nada de significativo tenha sido acrescentado à nossa cabeça (todos). Triste, isso. No final das contas, você recebe o diploma da universidade, mas... e aí? 'Graduado em Psicologia' é o que vai estar escrito lá, mas isso não enche a barriga de ninguém, a não ser que você já tenha uma família estável. Não é verdade? Não é injusto?"

"Ei, deixa disso", corto. "Às vezes, por mais que a vida não faça sentido, ou que algumas coisas dentro dela não sejam coerentes, a gente precisa continuar tocando nossa existência pra frente. A todo custo. Quando você se formar, pode fazer o que quiser. Ninguém é obrigado a fazer o que os outros querem que você faça neste mundo".

"Dá vontade de fugir para o Alasca e ver no que dá", Natália comenta simplesmente. A voz dela é a de alguém que está falando sério.

"Que nem o Christopher McCandless fez?", comento, rindo. Um dos meus defeitos é que consigo levar pouquíssimas coisas a sério. Tenho uma forte tendência a achar que as coisas não valem muito a pena, que não são mereçedoras de esforço. Em certos momentos, isso é bom; em outros, péssimo.

"Quem é Christopher McCandless?", pergunta Natália, que não assistiu ao filme 'Na Natureza Selvagem'. Se ela tivesse assistido, como eu tantas vezes recomendara, saberia de quem se tratava. (A propósito, já falei sobre ele aqui neste blog algumas vezes.)

Continuamos na esteira dessa conversa que não leva a lugar algum até que Natália tem um sobressalto e me diz, aborrecida: "Olha só, o Paulo está ligando para o meu celular. Pode, um negócio desses? Eu não acredito... Ele briga comigo, diz que eu--"

"Então que tal você esfriar a cabeça e tentar conversar humanamente com ele?", proponho. "É melhor. Vamos, relaxe. Ponha as cartas na mesa agora".

"Tudo bem". Forte respiração. "Tudo bem. Tchau." E Natália desliga antes mesmo que eu possa esboçar uma despedida. Fica assim a indelével impressão de que fui alugado. Marlo Renan, psicólogo clínico 24 horas.

E subitamente me descubro sozinho em meio à escuridão do meu quarto, no vigésimo terceiro andar de um prédio de apartamentos, com o telefone na mão e ouvindo apenas o "bip...... bip....... bip......." ritmado do telefone. Estou deitado sob as cobertas grossas. Sinto calor. Sento-me, recoloco o fone no devido lugar sobre a mesinha ao lado e observo a minha estante na parede oposta, com todos os livros de literatura que eu julgo responsáveis pela personalidade que tenho hoje. Lá está 'Beleza e Tristeza', do Kawabata, que estou lendo no momento. Ao lado dele, espremidos, estão 'A Suíte Elefanta' e 'Kafka à Beira-Mar'.

Aqui em Fortaleza existe uma localidade chamada Beira-Mar, que, da mesma forma que Copacabana, constitui um calçadão de cimento bem em frente à orla da praia. Sinto sempre uma grande satisfação em caminhar por ali, observando os pescadores com suas redes içadas e o tinido dos sinos distantes das embarcações. O aroma salobre do Oceano Atlântico entra pelas minhas narinas. É realmente agradável. Vez ou outra enxergo um avião comercial a 8.000 metros de altura, rasgando o céu azul como uma lancha rasga o mar.

Mas a visão da praia logo é tragada pela escuridão do meu quarto e agora eu contemplo minha esfera de plasma, que está desligada sobre a mesinha de cabeceira, junto ao aparelho de telefone. Ela já foi carinhosamente apelidada de "Deus-Bola" pelo meu pai, mas agora eu não enxergo nenhuma mensagem divina emanando de lá. É só uma bola de vidro que, quando ligada, solta raios violetas e azuis. É bonita; porém, estou cansado demais para ir acendê-la.

No chão, estão espalhados alguns CD's de rock que eu vinha escutando no dia anterior. Identifico-os de cima da cama: 'Animals', do Pink Floyd, 'Humanity', do Scorpions, e 'Meddle', lá adiante, também do Floyd. Passa pela minha cabeça a idéia de escutar 'Echoes' agora. É a melhor hora que existe para se escutar essa música: com nada menos que 23 minutos de duração, 'Echoes' acompanha todo o ritmo da madrugada, como se descrevesse um círculo na escuridão; acompanha o desaparecimento das estrelas, o surgimento do sol e, com este, o aumento da temperatura ao raiar do amanhecer. É uma música divina.

(Gosto também de escutar 'Echoes' de olhos fechados. Certa vez, uma amiga minha, a Paula, disse no seu blog que escutar uma música de olhos fechados é o melhor método que há para absorver todas as nuanças da composição. Fiz o teste e descobri que ela está certa.)

Todavia, desisto da idéia de ouvir música. Fico ainda sentado sobre a minha cama por um bom tempo, analisando os elementos do meu aposento, nessa pasmaceira incrível que me consumiu algo em torno de meia hora. Observo as sombras da noite que são projetadas no piso de lajotas. Há uma parte do quarto que está na mais completa escuridão; outra está no meio termo; e a minha está iluminada pela luz da lua, que recai sobre a cama.

É nessa solidão estéril que a gente fica quando está de férias, reflito.

Então passa pela minha cabeça a idéia de telefonar para a Natália. Para retribuir a insônia que ela me causou. Para saber se ela conseguiu se reconciliar com o Paulo, ou se separaram-se definitivamente, apesar de eu não ter a mínima idéia de quem seja ele. De qualquer forma, imagino o que será de mim caso o pai dela atenda o telefone às 5 horas da manhã e descubra que um rapaz está procurando pela sua filha.

Deito outra vez na cama. O céu começa a ficar mais claro, percebo, passando do azul-escuro para o azul-escuro-claro. O sol surgirá daqui pouco, e com ele virá todas as pessoas andando apressadas para lá e para cá, esbaforidas, enquanto eu estou de férias e apenas as observo. Penso no gato de estimação da Paula que, segundo ela, andou fugidio por algum tempo. Imagino como será ser um gato: bom, decido. Ruim não pode ser. Ruim talvez seja ser um carneiro, um bode, ou alguma coisa assim, comendo grama sem parar.

Adormeço pensando nessas frivolidades. Acordo quatro horas depois.

E escrevo este texto sem futuro, na falta do que fazer.

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Natália: Se algum dia você vier a ler isto, recalque, por favor!

Fotografia do "Deus-Bola" ligado:

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Minha estante de livros:

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3 comentários:

  1. Maravilhoso! Acreditava que a idéia de demonstrar situações do seu dia-a-dia poderia soar inaudita. Porém, acabei me enganando. Parabéns, Marlo.

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  2. Muito bom Marlo, gostei bastante da idéia. Diferente da maioria de blogs tolos, que fazem narrativas chatas e sem graça, o seu "texto-diário" é muito interessante, sua habilidade com a escrita é mais uma vez explicitada.

    Sempre te disse que adoro teus textos, e com esses não é diferente. E, na minha opinião, eles tornam-se ainda mais interessantes por serem relatos reais. Continue com o bom trabalho amigo!

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  3. Nyaa. Sugoidesune! Incrivel!
    Sinto-me pessima em ter de comentar sob um texto tao incrivel nao tendo nenhum acento! Ahh. Mas, ainda sim, nao conseguiria me controlar para nao falar-lhe o que acho. E foi exatamente o que disse a inicio, achei incrivel, um texto muito bem aproveitado, Murakami se sentiria mais do que satisfeito. ^^
    Nao me importei com seu cometario, claro, pelo contrario, fiquei ate lisonjeada! Espero que a tecnica da musica lhe sirva bem.
    Espero tambem que nao tenha insonia mais, eu sei como eh, pode ter certeza, e realmente nao eh divertido. :/
    So, sayounara! ^^

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