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12 março 2009

A Estrada, de Cormac McCarthy


Já faz um bom tempo que li o romance A Estrada (The Road, 2006), do escritor norte-americano Cormac McCarthy. Acho que foi em novembro do ano passado, ainda na época em que ninguém dava importância ao novo acordo ortográfico da língua portuguesa, ainda na época em que George W. Bush governava o mundo com seu jeito de xerife autocrático, e ainda na época em que eu me importava muito com as pessoas que não queriam nada comigo.

Recebi esse livro a título de presente no final de uma tarde de sexta-feira, em meados de novembro. Obviamente, como a maioria dos presentes, ele havia sido dado sem a minha consulta. Quando o recebi, pensei: "Já passou pela minha cabeça comprar este livro. Mas eu desistira. Agora, repentinamente, ele está nas minhas mãos outra vez. Será que eu irei gostar?"

Conhecia pouca coisa sobre a história propriamente dita, e menos ainda sobre o autor. Viria a saber, mais tarde, que fora ele o escritor de Onde Os Velhos Não Têm Vez, romance adaptado para o cinema e que rendeu um Oscar de melhor filme; e, também, viria a saber que o livro A Estrada, que eu tinha nas mãos, fora vencedor do Prêmio Pulitzer 2007.

Sinopse (Alfaguara): A Estrada representa uma mudança surpreendente na ficção de McCarthy e talvez seja, desde já, sua obra-prima. Um pai e seu filho caminham solitários por uma América pós-apocalípitica. Estão fracos, o inverno se aproxima, e o pai acha que a única chance de sobrevivência é seguirem pelas estradas remanescentes e rumarem em direção à costa, apesar de não terem idéia do que poderão encontrar quando chegarem lá. Eles não possuem praticamente nada. Apenas alguns cobertores puídos, um carrinho de compras com alimentos escassos e um revólver com poucas balas, para se defenderem dos grupos de violentos assassinos que vagam pelos caminhos desolados.

Um detalhe técnico que impressiona de verdade é o estilo de escrita de Cormac McCarthy. Eu diria que lembra as técnicas cruas e modernas de José Saramago, mas é um negócio bem mais elaborado, na minha opinião. Mais ornamental. Por exemplo: para designar os diálogos, McCarthy usa-se de parágrafos soltos no texto:

Ele não respondeu. Olhou para o céu por puro hábito mas não havia nada para ver.
O que a gente vai fazer, Papai?
Vamos embora.
Podemos voltar para a fogueira?
Não. Venha. Provavelmente não temos muito tempo.

Isso faz com que o leitor preste maior atenção ao texto enquanto lê, procurando sempre discernir as falas dos personagens da voz do narrador. E não; diferentemente do que se possa imaginar, fazer isso não é um trabalho nada penoso, muito pelo contrário: às vezes essa linguagem miscelânica torna-se até agradável, poética. Nada que a leitura de cinco ou seis páginas não lhe acostume. Até mesmo quando se trata dos repetidos "es" encontrados ao longo de uma mesma frase: "Levantou-se, se pôs de joelhos e soprou nos carvões e arrastou as extremidades queimadas da tábua e reavivou a fogueira." Ao contrário do que efetivamente possa parecer, esse estilo de escrita não nos enfadonha ou nos aborrece - o autor sabe lidar com as palavras na medida certa.

No entanto, esses detalhes técnicos são irrelevantes, sendo A Estrada um romance que vai muito além de um mero relato pós-apocalíptico com linguajar moderno. O que verdadeiramente chama a atenção no livro são as metáforas. A obra inteira é uma gigantesca metáfora, eu diria. Há um significado alegórico oculto em cada uma das frases, em cada um dos diálogos, e é preciso ser um leitor de mente muito aberta para compreender todas elas. Alguém que leia este livro apenas por ler, ao acaso, procurando um entretenimento rápido e superficial, poderá sem dúvida se decepcionar - ou então ursufruir de apenas um décimo da obra.

A atmosfera da história é, sobretudo, muito deprimente. Cenas bizarras e desagradáveis são narradas sem censura. Não raro os protagonistas da história deparam-se com bebês e mulheres destripados ao longo da estrada, carbonizados e decapitados, vítimas do bando de violentos assassinos que vagam pelas florestas. As paisagens constituem sempre o mesmo padrão: uma névoa cinzenta que recobre a estrada, uma espécie de manto negro que cai sobre o céu, tirando a vida das árvores, dos pássaros, de tudo. Definitivamente não é um cenário que levanta o astral. Mas, apesar disso, tal como foi dito na resenha de Factótum, o diamante pode ser encontrado até mesmo na mais suja pocilga. De modo que nos deparamos então, neste ambiente estéril de McCarthy, com uma belíssima história sobre a relação extrema entre pai e filho na tentativa de vencer as adversidades deste mundo apocalíptico e hostil.

Vemos desfilar no texto de McCarthy uma leve crítica à atual industrialização desmesurada - ao atual descontrole da poluição terrestre -, sendo inclusive esse um dos fatores que provavelmente deram fim à vida no planeta. No entanto, tenho para mim que Cormac McCarthy não quis fazer dessa crítica o seu objetivo principal. Ele não procura, pelo menos não em larga medida, passar qualquer mensagem moral à humanidade. Não nesse sentido piegas de que os homens estão destruindo o planeta e algo deve ser feito para preservar a natureza. O escopo do romance é bem mais interessante que isso.

Li A Estrada em dois dias. Não é um livro grosso. Na verdade, talvez possamos defini-lo como um conto grande. A trama é simples, o cenário é simples, os acontecimentos são simples - tais como em um conto. Mas é um conto muito bem-feito, sem dúvida. Os personagens principais são complexos em sua essência. Bastante poéticos, bastante reflexivos. Um livro que merece ser lido, com certeza, mais de uma vez.

P.S.: estúdios de Hollywood anunciaram a adaptação do romance para o cinema, que deve estrear no Brasil ainda este ano. A seguir, disponibilizo um vídeo que mostra algumas cenas do filme.

Um comentário:

  1. Eu não sei o por quê de não ver os seus escritos nos periódicos por ai.. o/

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