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17 março 2009

Coração, de Natsume Soseki


Foi ontem pela noite que finalizei a leitura do romance Coração (Kokoro, 1914), do escritor nipônico Natsume - Kinnosuke - Soseki. Já é o quarto livro japonês que leio em menos de quatro meses, depois de ter começado o hábito com o popular Haruki Murakami, em dezembro de 2008.

Na verdade, Coração assinalou definitivamente a minha paixão pela literatura japonesa. Percebi com ele que as obras oriundas do país dos olhos puxados são verdadeiramente algo que me atrai; é fácil gostar de seus personagens, porque eles são simples, frugais, e estão sempre às voltas com questões existencialistas concernentes à própria vida que levam - como se estivessem sempre buscando a sabedoria absoluta, beatífica, através de diálogos reveladores motivantes.

Sinopse: O livro é narrado em 1ª pessoa por um estudante universitário (de área não determinada) que observa, em um dia de veraneio, na praia, um homem que lhe chama a atenção. O jovem sente-se então atraído pelo jeito enigmático do outro, e passa a chamá-lo simplesmente de "professor", embora ele não tenha nenhuma função catedrática. Com o passar do tempo, ambos cultivam uma amizade simpática - porém um tanto desconcertante, em virtude da grande diferença de idade -, até que, em determinado momento, para apreender certos ensinamentos do professor, o jovem pede que ele lhe conte toda a história da sua vida. No entanto, sempre adiando o pedido, o professor deixa que seu passado seja envolto em grande mistério.

Curioso notar que algumas editoras do Brasil lançaram o livro com o título de Os Sentimentos, tendo em vista que o romance é, de fato, uma história que fala sobretudo disso. O jovem universitário - que não tem seu nome revelado, como todos os outros personagens, excetuando-se um - posta-se na condição de aprendiz e passa a receber valorosas "lições de vida" do seu professor (que está na condição de mestre); e então, os dois passam a discutir com freqüência os sentimentos que emanam da traição, da cupidez, do amor, da amizade e de outros assuntos humanos do gênero romanesco.

Eu diria que Coração é uma história bastante terna, bastante real e bastante simples, longe no entanto de parecer piegas. Os personagens falam sobre coisas de que todas as pessoas do mundo falam, ainda mesmo as pessoas contemporâneas. Na realidade, o linguajar da obra me pareceu muito atual, moderno, o que aproxima Soseki dos dias de hoje - mesmo com o livro tendo sido escrito no começo do século passado, em 1914.

Por exemplo: "Parece que os jovens de hoje só sabem como gastar o dinheiro sem jamais pensarem em como consegui-lo." [página 129]. Acho impressionante a visão periférica dos bons escritores. Frases como essa conseguem ultrapassar a barreira do tempo (no caso, do século) e são cabíveis em todos os lugares do planeta, em praticamente todas as épocas.

De resto, tenho somente duas críticas a fazer. Uma delas é referente à história em si; um detalhe que eu achei desnecessário. Trata-se da carta final escrita pelo professor. Apesar de interessante e efetivamente reveladora, julguei-a longa demais, prolixa demais. Para se ter uma idéia, tal carta possui 120 páginas. Natsume Soseki poderia tê-la encurtado um pouco, abreviado os acontecimentos nela descritos. (Ou, pensando melhor, talvez não. Quem sabe.)

A segunda crítica refere-se à Editora Globo, que publicou o livro. Eu gostaria muito de saber por que cargas d'água ela resolveu colocar o final da história escrito na orelha. Isso mesmo: o final do livro está na orelha e, ainda por cima, na orelha da capa da frente. Impressionante. A mesma coisa aconteceu com o livro de Norwegian Wood, onde, embora de forma sutil, a editora Alfaguara revelou o final do romance na orelha traseira. Não entendo qual é o objetivo delas duas fazendo isso. Vou tomar mais cuidado a partir de hoje, toda vez que pegar em algum livro.

Bem, de todos os muitos trechos interessantes, selecionei um deles de que gostei bastante. É uma conversa entre o jovem estudante e o professor:

- Em quantos irmãos vocês são? - ele me perguntou.
Ele me perguntou ainda sobre o número dos membros da minha família, a existência de parentes, sobre tios e tias e outros. Por fim, disse:
- São todos de bom caráter?
- Não me parece que tenha gente má. São todos interioranos.
- Por quê? Os interioranos não são maus?
Essa inquisição me deixou em apuros. Mas o professor não me deu espaço para pensar na resposta:
- Os interioranos são até piores do que os moradores da cidade. E você falou agora que entre os seus parentes não parece haver pessoas de índole má. Mas você acha que só há um tipo de pessoas más neste mundo? É claro que não existe um modelo de pessoas más. Normalmente são pessoas boas. Pelo menos, são todos pessoas normais. Mas, numa dada circunstância, tornam-se más, o que é apavorante. Por isso, não podemos nos descuidar.

7 comentários:

  1. Boa tarde!
    Ah, nunca li nenhum romance de Soseki. Tenho aqui em casa Eu Sou Um Gato, mas acabei o deixando de lado para ler, antes, Dance Dance Dance de Murakami. De qualquer forma, hoje eu vou passar no centro da cidade e queria voltar de lá com um livro novo em mãos, e, como gostei muito de seus comentários sobre o livro, acho que comprarei Kokoro.
    E, antes que ache muito estranha a minha repentina chegada, vi seu tópico na comunidade do Murakami. Sou aficcionada pelos livros dele, não sei se já começou a ler algum. Mas indicaria ir na ordem em que ele os escreveu, coisa que eu, infelizmente, não o fiz, porque, desta forma, você pode acompanhar o desenvolvimento dos textos dele. Anyway, não há nada a se perder, em qualquer ordem que seja, pois os livros dele são ótimos!
    Até mais!

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  2. Boa tarde novamente! Voltei antes do que eu esperava!
    Se puder, gostaria de falar com o senhor, gostei bastante dos seus posts. Muito pertinentes, pelo menos, mais que os meus comentários!
    É claro que, neste meio tempo, só tive tempo de ler alguns, então fui direto nos de Murakami. (Qualquer um que me conheça conseguiria imaginar que eu faria isto, mesmo.)
    Pretendo ler os outros!
    Ah, e me desculpe pelo incômodo! ^^"

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  3. Eu visitei o seu blog e coloquei um comentário lá, mas parece que ele ficou sob efeito de moderação! :)
    Bem, muito obrigado por achar meus posts interessantes! Fico feliz ouvindo (ou melhor, lendo) isso. Me estimula a escrever mais ainda mais.
    Incômodo?! Nem pense nisso! hehe... Sua visita foi muitíssimo bem-vinda.

    Caso seja mais interessante conversar por recados no orkut, aqui vai o meu perfil:

    http://www.orkut.com.br/Main#Profile.aspx?uid=373456433485081000

    Abraços!

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  4. Pela sua ótima resenha, pareceu-me interessante a leitura da obra mencionada; desde já, admira-me mais e mais a facilidade com que tu escreves.

    Peço desculpas por ter postado o meu último conto sem ter antes editado os meus erros...hehehe; de qualquer forma, agradeço a atenção que tu teves em comentar a minha humilde história.

    Abraços; volte lá, quando puder!

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  5. Olá, passei aqui com a intenção de retribuir a visita ao meu blog sobre filme e acabei gastando um bom tempo lendo seus post. Parabéns pelo trabalhao. A literatura japonesa (e asiática em geral) é pouco difundida no ocidente, talvez por isso nunca tinha ouvido falar deste livro. Confesso que me interessou bastante. Gosto muito de histórias que tratam de assuntos "simples" que cabem em qualquer época e lugar. Já está na lista de futuras leituras. Abraço.

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  6. Olá, meu TCC é sobre essa obra. É uma pena que a literatura oriental em geral nao seja tão divulgada e consequentemente apreciada por aqui.

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  7. Soseki é um grande escritor: de novelas sobretudo e "haikus". E um desenhador que ilustrou os próprios poemas. Gostei muito de o ver por aqui!

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