Hoje pela tarde, sentado na minha cama e contemplando as pesadas nuvens cor de chumbo que corriam pelo céu da cidade, terminei a leitura do romance japonês Caçando Carneiros (Hitsuji o Meguru Boken, 1982). É o terceiro livro que leio do escritor nipônico Haruki Murakami, nascido em 1949 em Tóquio e autor do best-seller Norwegian Wood.
Para começo de conversa, é muito - mas muito - difícil mesmo tentar bolar uma sinopse convincente para Caçando Carneiros. Sinceramente, sozinho, eu não conseguiria. Quem já leu o livro pode entender o que eu estou dizendo, e sabe o quanto é penosa a tarefa de resumi-lo. No entanto, vou tentar descrevê-lo de uma forma bastante objetiva e, claro, sem spoilers:
Sinopse: O livro é narrado em 1ª pessoa por um jovem publicitário de carreira enfadonha, que, aos aproximadamente 30 anos, trabalha em Tóquio e possui como sócio um antigo amigo bêbado de plantão. Nenhum dos personagens possui nome - nenhum mesmo, sequer o gato de estimação. A certa altura dos acontecimentos, um homem misterioso visita o protagonista no seu escritório e após uma longa conversa compete-lhe a extraordinária tarefa de caçar um carneiro (igualmente misterioso) nas regiões longínqüas de Hokkaido, uma cidadezinha provinciana do Japão. O homem revela que o tal carneiro é capaz de entrar na alma das pessoas e sugar-lhes todo o espírito de vida, a fim de mostrar seu imensurável poder e assim construir um grandioso império (sim, ainda estamos falando do carneiro). E mais: o sujeito diz que, se o jovem publicitário não encontrar o carneiro dentro do período de um mês, sua própria vida estará arruinada. Acontece que o jovem não sabe absolutamente nada sobre o que está se sucedendo, e não sabe também por que lhe foi competida aquela tarefa irracional.
A princípio, pode parecer um enredo completamente desinteressante e sem pé nem cabeça. Um carneiro que entra na alma das pessoas? Que maluquice é essa? Eu diria que muitas pessoas que lêem o livro realmente não gostam; odeiam-no. Mas a questão é justamente essa. Mesmo sendo absurdo, fantástico e sem pé nem cabeça, Caçando Carneiros conseguiu chamar a minha atenção. E o resultado final foi que eu gostei muito. Muito mesmo.
Tudo bem que, na verdade, as primeiras páginas são destituídas de ânimo. Fica a sensação de "Já li isso em Norwegian Wood", e, quanto mais as páginas passam, mais fica a pergunta: "Sim, e aí? O que há de interessante nisso?" Cheguei a me imaginar sentado nessa mesma cadeira em que estou agora e escrevendo uma crítica severa a Murakami. Porém, contrariando minhas expectativas, o livro conseguiu dar uma guinada. E a guinada foi boa.
A trama de Caçando Carneiros começa a ficar curiosa depois que o protagonista arruma as malas e passa a ir atrás do misterioso carneiro. Não importa se você entende ou não a história; Murakami, com seu inabalável poder de narração, cria um ambiente aconchegante e convidativo nas páginas, que prende o leitor e acaba fazendo suscitar na sua cabeça uma espécie de "Nossa, quero ver como tudo isso vai acabar". De fato, o romance então ganha vida a partir da segunda metade do livro e todo aquele cenário de submundo japonês fica para trás, dando lugar a uma incrível atmosfera rural e nostálgica no momento em que o protagonista desembarca em Hokkaido. As descrições que Murakami consegue fazer das paisagens rurais são de tirar o fôlego.
(Aliás, o que me impressiona realmente é a habilidade que Haruki Murakami tem em saber descrever ambientes e arremessar o leitor para dentro deles - arremessar, mesmo, esse é o termo certo. Consigo sempre visualizar cada mínimo detalhe dos seus cenários, e a imagem fica impregnada no meu cérebro feito cola. Enxergo todas as nuanças, todos os jogos de luz, sinto o cheiro do lugar, sinto na pele o vento que ele descreve, ouço o timbre da voz dos personagens. É realmente fabuloso quando um escritor atinge esse nível de qualidade. Nem me esforçando eu consigo esquecer seus cenários. E, mesmo depois de muito tempo que o livro é lido, eu ainda não consigo. A fotografia do ambiente fica na minha mente como que para sempre.)
Bem, sinto que devo encerrar minha descrição do livro por aqui. Qualquer coisa que eu revele depois disso (ou que eu esclareça melhor) se torna spoiler. Ademais, eu recomendaria Caçando Carneiros para alguém que já tenha tido um contato melhor com Murakami. Talvez assim a interação com seu habitual mundo fantástico seja menos "dolorosa" ou "traumática".
Um dos trechos de que gostei bastante:
Eu ri. Dessa vez, com sucesso.
"Essa não. E onde você vai achar alguém que não sofra desse mal?"
"Não vamos generalizar, já disse. É claro que todo ser humano tem suas fraquezas. Mas a fraqueza verdadeira é quase tão rara quanto a força verdadeira. Você não conhece essa fraqueza que arrasta incessantemente para as trevas. Mas ela existe, de fato. Você não pode resolver todos os problemas generalizando-os."
Gostei da resenha. Captura coisas que me fascinaram na época.
ResponderExcluirPrazer estar voltando a comentar as suas crônicas; pois apesar de estar de férias eu ando meio ocupado com assuntos que tocam ao perríodo pré-começo de aulas da faculdade...
ResponderExcluirRealmente me admira a forma como tu incentivas o leitor a investigar a obra mencionada;
muito bom estar vendo tu escrevendo assim.
Abraço.