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15 agosto 2011

A volta ao mundo em 80 dias, de Júlio Verne

"A verdade é que havia muitos anos que Fíleas Fogg não saía de Londres." (p. 14)

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A maioria das pessoas ao meu redor sabe que eu não consigo ler um livro de literatura no período em que as aulas da universidade estão recomeçando. Os professores indicam muitas apostilas, livros, textos para ler, trabalhos, e aí acaba ficando difícil encontrar um tempo de sossego para se dedicar à arte das letras.

Mas sou incurável e não aprendo. Faltando dois dias para a volta às aulas, fui à livraria e voltei para casa com A volta ao mundo em 80 dias (Le tour du monde en quatre-vingt jours, 1873), do famosíssimo escritor francês Júlio Verne, clássico autor de aventuras e ficção-científica. Costumo dizer que ele foi o precursor dos romances de techno-thriller.

Na minha opinião, das obras-primas de Verne, o livro que terminei de ler ontem é o de que menos gostei. Isso não significa dizer que ele seja ruim. Apenas foi pouco desenvolvido.


Sinopse: Fíleas Fogg, um cavalheiro britânico, aposta com os colegas do seu clube que fará a volta ao mundo em apenas oitenta dias. Acompanhado do seu criado Fura-Vidas, um parisiense esperto e expedito, Fogg dá início à sua jornada. Para ganhar a aposta, teria de regressar a Londres em 21 de Dezembro de 1872, às vinte horas e quarenta e cinco minutos.

Acusado, porém, de ser um audacioso assaltante do Banco da Inglaterra, Fíleas Fogg será permanentemente perseguido pelo detetive Fix, que, todavia, parece nunca conseguir detê-lo.


Quem já leu no mínimo dois ou três livros de Júlio Verne, sabe que seus romances são verdadeiros libelos científicos, que exaltam a tecnologia e o progresso humano e mostram quão divertidas podem ser algumas incursões baseadas nos campos da ciência. Todo mundo sabe que muitas invenções modernas, como por exemplo o submarino, foram "profetizadas" pelo famoso escritor francês. Verne era um amante da ciência e da tecnologia, e isso fica claro na totalidade de seus livros.

A volta ao mundo em 80 dias, como não poderia deixar de ser, reflete esse tipo de relação entre Júlio Verne e o progresso científico. Neste livro, porém, fica muito mais clara a proposta geral do autor, pelo menos na minha opinião. Verne queria mostrar ao mundo onde a sociedade da época estava se situando no desenvolvimento do transporte inter-urbano. Para tanto, criou uma história na qual o personagem principal se disse capaz de dar a volta ao redor do planeta em apenas 80 dias – um recorde incrível na época – utilizando-se dos meios de transporte vigentes.


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Cartaz do filme produzido em 2004, com Jackie Chan


A idéia do livro é boa. Aliás, é ótima. Muito original e criativa, dá margem a um enredo inesgotável, milhares de situações e vários desfechos. Fazer com que um grupo de personagens tenha que dar a volta ao mundo – uma viagem longuíssima – em um tempo determinado é genial, porque prende a atenção do leitor e dá dinâmica à história. Ainda mais se esse grupo estiver sendo perseguido por um inspetor da polícia.

O problema é que, infelizmente, Verne explorou pouco esse material que tinha nas mãos. Ao invés de destrinchá-lo da maneira mais rica possível, incrementando a história com detalhes mais minuciosos e bem trabalhados, o autor apenas escreveu um thriller raso e despreocupado, cujo único objetivo era o divertimento puro do leitor. Foi essa a sensação que tive. Mesmo os trechos em que ele narra fatos históricos dos países visitados parecem superficiais e deslocados. Fui com muita sede ao pote, como dizem.

Achei pouco 190 páginas, dada a grandiosidade da idéia. Ficou uma sensação de correria e pressa; poucas descrições de lugares, poucas descrições de costumes, quando eu esperava um cuidado maior nesse aspecto. (Talvez tenha sido essa a intenção do autor, a rapidez, já que todos os personagens tinham pressa…)


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Mais edições do livro em português


De um jeito ou de outro, isso não foi o que mais me incomodou no livro. É aceitável o fato de que o autor tenha dado menos atenção aos países e mais aos seus personagens, porque, no final das contas, Fíleas Fogg tinha pressa em dar a volta ao mundo, pulando de transporte em transporte, e Verne quis transmitir essa sensação de correria ao texto. Pelo menos eu faço questão de enxergar as coisas assim.

O que incomoda de verdade é a falta de verossimilhança em algumas (muitas) situações envolvendo os personagens. Júlio Verne era excelente em emular invenções e aparatos científicos, mas, pelo menos nessa sua obra, ele pisou na bola em algumas passagens que envolviam assuntos mais humanos. Aouda é uma personagem que surge ao acaso, permanece na história por acaso e, por acaso, termina o livro de um determinado jeito. É uma personagem totalmente à margem, apagada, e suas ações não têm o menor nexo. Dói vê-la sendo levada de um lado para o outro, absolutamente à mercê dos protagonistas.

O próprio Fíleas Fogg tem qualquer coisa de inverossímil. Sempre inexpressivo, sempre calado, sempre matemático demais, o inglês que protagoniza o romance de Verne não parece demonstrar nada de humano, nem quando um atraso de trem põe em risco boa parte de sua fortuna e sua honra. O personagem mais convincente é sem dúvida Fura-Vidas, expressivo, emotivo… em suma, vivo.


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Rota percorrida pelos aventureiros do romance


Mesmo com esses defeitos, ainda recomendo a leitura de A volta ao mundo em 80 dias. Continuo gostando do modo como Júlio Verne conduz uma história de ação/aventura, continuo gostando da visão que ele tem do progresso da humanidade (iluminista, por que não?) e continuo gostando do final dos seus livros, geralmente pouco previsíveis.

2 comentários:

  1. Caro Marlo,

    Você leu um livro de grande propagação no mundo visto que como ilustrou no blog, já foi alvo de filmes e outras produções; aliás, inúmeros livros de Verne foram alvo dessa produções.

    Deve ser fantástico o suspense que o livro traz no tocante ao cumprimento da volta ao mundo em 80 dias. Ainda não o li, mas está na minha lista daqueles que pretendo "devorar".

    Verne era um homem a frente de seu tempo, e as letras o possibilitou, como você falou, profetizar avanços cientícos inimagináveis na sua época.

    J. J. Benitez, um dos seus biógrafos em "Eu, Julio Verne" chegou a conclusão que ele era iniciado.

    Iniciado ou terminado foi um grande autor e hoje temos a oportunidade de tratar desses livros brilhantes.

    Um abraço,

    G. J. Barbosa

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  2. Olá, Gustavo!

    Júlio Verne sem dúvida figurará para sempre entre os maiores autores de todos os tempos. Suas histórias são excelentes e estão muito a frente de seu tempo, como você disse.

    Não captei o que Benitez quis dizer com essa frase, mas faço das suas as minhas palavras.

    Grande abraço!

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