"(…) a consciência secreta do poder é incomparavelmente mais agradável do que o domínio evidente." (p. 48)
Depois de algumas longas semanas, durante as quais aconteceu uma série de coisas estranhas, eu finalmente terminei a leitura do romance russo O adolescente (Podrósstok, 1875), escrito pelo consagradíssimo autor Fiódor Dostoiévski, que todos conhecem pelos clássicos Crime e castigo e Os irmãos Karamázov.
O adolescente é um livro que já saiu do catálogo das editoras brasileiras há muito tempo – seu último exemplar, pelas bandas daqui, data de meados dos anos 1980. No entanto, passeando pelas livrarias da cidade (como é meu hábito nas sextas-feiras), dei de caras com uma edição lusitana de 2003 do livro de Dostoiévski.
Li em pé mesmo o interessantíssimo primeiro capítulo e, depois de constatar que o português de Portugal e o português do Brasil são realmente idênticos, levei o livro para casa.
Sinopse: O romance narra a vida de um jovem intelectual de dezenove anos, Arkádi Dolgorúki, filho bastardo de um depravado proprietário de terras chamado Andrei Versílov. Um dos focos do romance está na relação problemática entre pai e filho; particularmente em ideologia, que representa as batalhas entre o velho modo convencional de pensar dos anos 1840 e do novo ponto de vista niilista da juventude dos anos 1860 da Rússia.
O conflito começa quando Arkádi se envolve com conspiradores socialistas e uma jovem viúva, cujo futuro de alguma forma depende de um documento que Arkádi pregou em sua jaqueta.
Eu sempre costumo dizer que, salvo exceções, é fácil perceber por que um clássico é considerado clássico por todos. Por exemplo, não é à toa que Olhai os lírios do campo continua vendendo milhares de exemplares dentro do Brasil; também não é à toa que O apanhador no campo de centeio continue fazendo sucesso ao relatar as aventuras de Holden Caufield; ou, ainda, não é por acaso que O Pequeno Príncipe continua sendo considerado a melhor obra infantil de todos os tempos.
Os clássicos de verdade têm os seus motivos para serem chamados assim. Com Fiódor Dostoiévski, a coisa não é diferente.
Embora tenha sido mal elogiado por alguns críticos, O adolescente é provavelmente o mais moderno dos romances do mestre russo, tanto pela linguagem utilizada (que, para a época, beirava o coloquial) quanto pelo traço narrativo, que encaixa os acontecimentos em vários planos distintos do texto, sobrepondo-os em uma espécie de níveis.
E essas duas características do romance têm explicação: quem nos escreve é o próprio Arkádi Dolgorúki. Na condição de adolescente, sua linguagem não poderia ser outra que não moderna e objetiva. Além disso, a ânsia em escrever suas memórias justifica o fato de o livro conter vários planos narrativos, posto que Arkádi não sabe ao certo que caminho seguir com as suas confissões apressadas.
Já o primeiro parágrafo é delicioso quando Arkádi admite ao leitor que não gosta de autobiografias. Num dado momento, diz ele:
É preciso estar-se demasiado e ignobilmente apaixonado pela própria pessoa para se escrever sem vergonha sobre ela. (p. 9)
É então que, aos poucos, o leitor vai descobrindo que o herói do romance tem uma personalidade um pouco egocêntrica, instável e ao mesmo tempo determinada – como todos os adolescentes. Parece que, ao relatar "os seus primeiros passos no mundo dos adultos", Arkádi tenta organizar as impressões que tem sobre o seu pai biológico (Versílov) e seu pai legal (Makar), além de tentar situar melhor toda a família dentro desse contexto de instância parental dupla.
As melhores páginas do romance são, talvez, aquelas em que o protagonista resolve revelar ao leitor qual é a "idéia" que lhe passava pela cabeça aos 19 anos de idade. Durante toda a primeira parte do livro, Arkádi tenta como que ajustar-se ao mundo ao redor para poder concretizar sua "idéia". E, durante a revelação dessa idéia para o leitor, muitas coisas interessantes são ditas.
O que é preciso é ter carácter – a perícia, a habilidade e os conhecimentos aparecerão por si. O essencial é não deixar de "desejar". p. 87
Entretanto, é uma pena que Dostoiévski tenha deixado de lado essa questão da "idéia" do protagonista. Esse provavelmente é o único defeito do livro. A partir da segunda parte, uma trama como que novelesca toma conta do cenário, e a "idéia" acaba sendo extinta. Mesmo assim, a trama novelesca não deixa de ser interessantíssima, ainda mais nos capítulos finais, em que começa a ganhar rumos de ação.
No mais, o autor pode ter deixado a "idéia" do protagonista de lado para expor, assim, que mesmo o mais original e firme dos planos está passível de ser esquecido, quando o dono da idéia é levado a penetrar no submundo sujo da alta sociedade hipócrita.
Recentemente, a Cia. das Letras lançou uma versão de O adolescente destinada ao público infanto-juvenil, condensada e de linguagem mais acessível (imagem acima). Eu já tinha conhecimento desta versão antes mesmo de ler o original, e agora, lido o original, fiquei curioso para saber o que fizeram nessa edição.
No futuro, lerei mais livros de Fiódor Dostoiévski, sem dúvida. Acontece que, agora, quero dar um tempo de leituras "sérias" e me voltar para coisas mais facilmente digeríveis – e mais curtas, de preferência.
Oiii!!!
ResponderExcluirVi seu blog no Skoob. Legal!
Não conhecia essa obra do Dostoiévski, mas gostei da sua resenha.
Vou tentar procurar por aqui. Tomara que eu encontre.
Torce aí!
xD