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18 maio 2009

Olhai os Lírios do Campo, de Erico Verissimo


Ontem, já se arrastando pelas altas horas da noite, completamente desperto por conta de um café andino que tomei à tardinha, finalizei a leitura do nacional Olhai os Lírios do Campo (1938), obra do nosso querido e orgulhoso Erico Verissimo (sem acento em nenhum dos dois nomes, mesmo, constatei).

Sinopse (site Siciliano): Eugênio Fontes, moço de origem humilde, a muito custo se forma médico e, graças a um casamento por interesse, ingressa na elite da sociedade. Nesse percurso, porém, é obrigado a virar as costas para a família, deixar de lado antigos ideais humanitários e abandonar a mulher que realmente ama. Sensível, comovente, este livro é um convite à reflexão sobre os valores autênticos da vida.

Antes de tudo: Olhai os Lírios do Campo foi um livro que me leu. Quando digo isso, quero na verdade dizer que é o tipo do livro que transforma em palavras aquilo que está presente dentro do espírito do leitor, e que o leitor nunca soube muito bem descrever. É um livro de fato sensível, comovente, que possui uma trama muito bem amarrada, ao contrário do que muitos falam. Como não tenho palavras suficientes para qualificá-lo, apenas posso dizer que há tempos não lia um romance tão interessante e que me deixasse andando de um lado para o outro dentro do quarto, pensando a respeito do que havia acabado de ler.

Curioso... Existiu sobre a terra um andarilho norte-americano chamado Christopher Johnson McCandless (sobre o qual inclusive já escrevi aqui no blog), que lia livros em demasia e que adorava a vida nos seus mais simples e belos detalhes, procurando sempre ser simpático e útil para com o próximo, criticando arduamente as crueldades que estavam presentes no mundo. Tenho a nítida impressão de que se Chris ainda estivesse vivo, ele adoraria ler Olhai os Lírios do Campo; primeiro porque o título já diz tudo, e segundo porque nele há muitas reflexões profundas e belas acerca da vida - e da morte -, coisa que despertava a atenção do tal andarilho.

"Reflexão", a propósito, é uma palavra que define bem a essência da obra. A cada duas ou três páginas Verissimo nos lança um monólogo proveniente do interior da personagem principal, Eu gênio Fontes. É o caso de, por exemplo:

"Se naquele instante - refletiu Eugênio - caísse na Terra um habitante de Marte, havia de ficar embasbacado ao verificar que num dia tão maravilhosamente belo e macio, de sol tão dourado, os homens em sua maioria estavam metidos em escritórios, oficinas, fábricas... E se perguntasse a qualquer um deles 'Homem, por que trabalhas com tanta fúria durante todas as horas de sol?' - ouviria esta resposta singular: 'Para ganhar a vida'. E no entanto a vida estava ali a se oferecer toda, numa gratuidade milagrosa".

Vista assim, essa passagem pode até ser comparada à filosofia infantil de O Pequeno Príncipe, do escritor francês Saint-Exupèry. No entanto, O Pequeno Príncipe foi projetado para crianças, enquanto o livro de Erico tem um caráter muito mais profundo e lírico. Não estou querendo dizer com isso que o livro de Exupèry seja ruim ou deveras bobo (longe disso, pelo amor de Deus). Que o leitor deste blog não entre no mérito da comparação: eu só estou querendo dizer que as palavras e idéias contidas em Olhai os Lírios do Campo não são tão simples quanto parecem, possuindo antes um brilho desses que só chega aos nossos olhos através de uma reflexão própria, do tipo fechar-o-livro-e-agora-pensar.

Quanto ao estilo de escrita de Erico... poxa, que coisa agradável! É daquela estirpe onde se usa palavras e expressões clássicas sem parecerem piegas ou enfadonhas. A conjugação da segunda pessoa é no "tu": tu fazes, tu vais, tu ficaste. A preposição "de", e afins, se mesclam ao complemento: "duma", "dum". O resultado é uma prosa quase poética, um texto lírico e saudável, original, gostoso de ler.

Enfim. Foi com este livro que eu percebi existir no mundo uma forte linha de raciocínio tácita unindo todos os escritores da humanidade. Percebi que é como se houvesse uma espécie de corrente filosófica própria dos escritores... Claro que ela sempre existiu, mas foi somente ontem que eu me dei conta disso precisamente. Sensibilidade humana, "egoísmo altruísta" e uma ingenuidade beatífica são traços que fazem parte dessa filosofia tácita dos escritores.

Por fim, transcreverei para cá uma passagem que me comoveu bastante (não no sentido de me levar às lagrimas, naturalmente, mas de remexer algo dentro de mim). Trata-se de uma das muitas cartas que Olívia escreveu a Eugênio enquanto esteve afastada da cidade, passando uma temporada na Nova Itália. O trecho é o seguinte:

Estive pensando muito na fúria cega com que os homens se atiram à caça do dinheiro. É essa a causa principal dos dramas, das injustiças, da incompreensão da nossa época. Eles esquecem o que têm de mais humano e sacrificam o que a vida lhes oferece de melhor: as relações de criatura para criatura. De que serve construir arranha-céus se não há mais almas humanas para morar neles?

"Filosofia salvacionista barata", como disse o próprio Erico Verissimo no prelúdio do livro? Não sei... Só sei que eu gostei. Chris McCandless também gostaria, aposto.

8 comentários:

  1. Esse livro é simplesmente fantástico , nem sei se consigo descrever com palavras o que senti lendo, e as reflexões que tive. É incrível, incrível. Chris Mccandless com certeza iria amar esse livro...É a cara dele. Um dos melhores livros que já li em minha vida, sem dúvida.

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  2. Olá, Alex!

    Sem dúvida um dos melhores livros que li na vida, guardo-o com muito carinho na minha estante. Foi ele que me despertou para a obra de Erico Verissimo, que é, em todos os sentidos, tão fantástica quanto 'Olhai os lírios do campo'. Já leu outros livros dele?

    Abraços, e obrigado pela visita!

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  3. Já li também Ana Terra e Um Certo Capitão Rodrigo, mas foram leituras para a escola; gostei deles, mas foram leituras "impostas", se você me entende... Olhai os Lírios do Campo, por algum motivo, me atraiu, antes mesmo de começar a leitura. Achei por acaso na casa de minha avó - é um edição antiga, de 1971. Não sei por que, mas li o título e pensei "esse livro deve ser interessante". Porém no momento estava entretido em alguma outra leitura, e acabei deixando pra depois. Quando li sua resenha aqui, tive certeza que precisava ler. Achei uma grande coincidência, eu ter "sentido algo" só de olhar a capa do livro, e pouco tempo depois achá-lo por aqui. Li durante as férias de julho e gostei muito, e vendo também que você aprova outros livros do Erico (o próprio nome do blog indica isso!), fiquei muito interessado em conhecer mais livros dele. Pretendo ler em breve! No momento estou lendo O Lobo da Estepe, de Hermann Hesse. Você me recomenda algum livro em particular do Erico para ser minha próxima leitura? Eu estava pensando em Incidente em Antares ou Um Lugar ao Sol... Continue firme com o blog! É muito bom entrar aqui e ver que partilhamos de opiniões e gostos pela leitura de certos livros! Grande abraço!

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  4. As leituras paradidáticas, em colégios, raramente despertam no aluno o gosto pela leitura. Justamente por causa disso que você falou: são leituras impostas, têm um prazo de término, serão aplicados testes sobre essa leitura, e isso nunca será de todo prazeroso.

    Li 'Ana Terra' também como livro paradidático. Gostei muito, é um livro simples que emana um sentimento singular, nostálgico. Li ainda 'Do diário de Sílvia', mas desse gostei menos, por depender muito do contexto de 'O tempo e o vento' (aí o erro foi da editora, por fragmentar a obra, e não do autor).

    Se você gostou de 'Olhai', vai gostar certamente de muitos outros livros do autor. Na verdade, o livro que você leu faz parte de uma espécie de "saga", formada por vários outros títulos, chamados de Ciclo dos Romances Urbanos. Dentro dessa saga, os mesmos personagens aparecem em vários livros, e a história de todos eles vai sendo contada aos poucos. Por exemplo, Eugênio e o doutor Seixas reaparecem em "Saga", e o doutor Seixas tem uma participação significativa em 'Um lugar ao sol'.

    A ordem dos Romances Urbanos é esta:

    - Clarissa
    - Música ao longe
    - Caminhos cruzados
    - Um lugar ao sol
    - Olhai os lírios do campo
    - Saga

    Você não precisa ler os títulos em ordem (aliás, tem até um gosto especial lê-los aleatoriamente), mas é interessante que leia todos com a cronologia certa em mente. É uma saga extremamente prazerosa, você verá. Personagens como Fernanda, Vasco Bruno e Clarissa ficarão para sempre em sua memória, sem exagero.
    Recomendo que o próximo seja 'Um lugar ao sol'. :)

    Agradeço muito seu apreço pelo Gato Branco! Certamente continuarei o trabalho aqui com seus elogios em mente! Grande abraço!

    p.s.: a demora na minha resposta se deve ao fato de que eu não quis responder qualquer coisa e, por isso, elaborei melhor meu comentário. :)

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  5. Também penso assim sobre as leituras paradidáticas. Desde cedo tive gosto pela leitura, então, dependendo do livro, não havia tanto problema. Mas, às vezes, tínhamos que ler dois livros para uma prova, e claro, com prazo. Isso incomoda. Um livro tem que ser lido sem pressa e com vontade. Mas gostei de 'Ana Terra'. Acho que prefiro 'Um certo Capitão Rodrigo', mas sem dúvida 'Ana Terra' é um ótimo livro.

    Não sabia que os personagens de 'Olhai' também aparecem em outros livros! Estou ainda mais interessado em ler as obras de Erico.

    E não duvido mesmo que os personagens ficarão em minha memória! Eugênio e Olívia, por exemplo, me marcaram muito.

    Vou ver se já consigo começar a ler 'Um Lugar ao Sol' agora, nas férias.

    E pode ter certeza que continuarei acompanhando o blog!

    E não se preocupe, você não demorou para responder não! E, depois dessa excelente resposta, que também é uma análise sobre os livros, do que eu poderia reclamar?? :) Eu ando ocupado com os estudos, só pude entrar hoje, portanto, não há problema!

    Grande abraço, e muito obrigado!

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  6. Olá Marlo! Terminei de ler Um Lugar ao Sol na terça-feira. Sinceramente, estou sem palavras. Não sei se consigo descrever com clareza esse livro...o que posso dizer é que li a obra em uma semana,mesmo em viagem e passeando muito, tamanha era minha vontade e o prazer em ler. Simplesmente não conseguia parar de ler! Poucos livros fizeram isso comigo - Olhai os Lírios do Campo foi um deles! Muito obrigado pela sugestão. posso dizer sem exageros que esse livro também me fez enxergar o mundo de um jeito diferente, pensar diferente! Assim como Olhai.... Como você disse, Fernanda, Vasco e Clarissa me marcaram bastante e com certeza ficarão na memória pra sempre... E o Doutor Seixas? Me surpreendeu bastante... Se eu fosse para uma ilha deserta, e pudesse levar poucos livros comigo, Um Lugar ao Sol sem dúvida nenhuma estaria na lista! Vou, com certeza, entrar de cabeça na obra de Erico. Junto com Um Lugar eu comprei também Solo de Clarineta. Mas acho que vou ler primeiro os livros que fazem parte dos "Romances Urbanos". Vamos se falando! Grande abraço.

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  7. Olá, Alex! É muito bom vê-lo de novo por aqui!

    Eu tinha certeza de que você ia gostar de "Um Lugar ao Sol". É impossível não gostar daquele livro. Aliás, é impossível não gostar de Erico Verissimo. Todos os seus romances têm um gosto tão bom... Mudei muito minha percepção de certos aspectos da literatura brasileira por causa dele.

    "Um Lugar ao Sol" é um dos meus preferidos. Adoro todos aqueles personagens, todos os seus dramas, toda a condução do enredo, tudo. Gosto de observar como Erico era um escritor moderno, muito à frente de seus contemporâneos - e nesse livro isso fica muito claro. Ele fala de amor adolescente, de gente jovem procurando emprego, de tradições ultrapassadas, essas coisas. Admiro-o muito por isso.

    Recomendo a leitura de "Caminhos Cruzados" agora, livro que, na cronologia original, é anterior ao que você acabou de ler. Lá são apresentados vários personagens do "Um lugar ao sol", inclusive Fernanda e Noel. É bacana conhecer a origem deles.

    Enfim: leia todos, em qualquer ordem! Garanto que não vai se arrepender! :)

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  8. Com certeza, é impossível não gostar desse livro! Bom, segui seu conselho e não me arrependi, então seguirei de novo! Vou ler agora "Caminhos Cruzados". E sem dúvida, lerei todos os livros que compõem os "Romances Urbanos". Além da certeza de que não vou me arrepender (na verdade, a certeza que vou adorar!), tenho imensa curiosidade em conhecer ainda mais personagens tão marcantes! Muito obrigado pelo conselho... grande abraço!

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Muito obrigado pela visita ao Gato Branco! Seu comentário será extremamente bem-vindo! :)