"(…) uma pessoa nunca compreendia realmente como era a vida no Novo Mundo, até se confrontar com a verdadeira e rude experiência." (p. 17)
Hoje de manhã, fui à universidade fazer minha matrícula semestral, como sempre. Quando voltei para casa, exausto, sentei em uma cadeira da bancada da cozinha e finalizei a leitura do romance Latitudes piratas (Pirate latitudes, 2009). O livro foi escrito pelo norte-americano Michael Crichton, um renomadíssimo autor de thrillers, falecido em novembro de 2008.
Eu lembro quando os noticiários anunciaram sua morte. Foi lamentável. Mais impactante do que a morte de Saramago. Como eu cresci lendo Crichton, minha ligação com esse escritor era bem mais consistente.
Sinopse: A história do livro se passa em 1665 e começa em Port Royal, Jamaica, quando o corsário inglês Charles Hunter é contratado pelo governador local para liderar uma expedição a Matanceros, fortaleza espanhola localizada em uma ilha do Caribe.
Segundo informações que chegaram a Port Royal, um galeão espanhol repleto de tesouros está ancorado na ilha, aguardando uma escolta para levar seus tesouros a Espanha. Hunter não hesita: ouro nas mãos dos espanhóis é ouro para ser roubado.
O resultado é uma aventura irresistível, uma clássica história de conquistas e traições.
Uma palavra sobre este livro antes de começar a resenha propriamente dita:
Os fãs de Michael Crichton que leram seu caderno de memórias, Álbum de viagens, se depararam com uma curta mas intrigante passagem no capítulo Jamaica: o autor diz que, por volta da década de 1970, ele vinha trabalhando "há muitos anos" em um livro ambientado no Caribe do século XVII. O estranho é que esse livro nunca fora publicado em lugar nenhum, e ninguém, até pouco tempo, sabia qualquer coisa a mais dele.
Obviamente, por motivos que eu ainda não consigo entender direito, Crichton decidiu não publicar o romance. Mas mesmo depois de sua morte, em 2008, o arquivo com o manuscrito completo de Latitudes piratas continuou em seu computador, que foi vasculhado pelo seu assistente – e o arquivo, encontrado.
O resultado… bem, estamos diante dele. Se é ético ou não publicar um texto que o autor preferiu manter guardado, isso já é outra história.
Mas agora chega de lingüiça e vamos falar sobre o livro em si, se merece ou não ser lido. (Merece.)
Meu fiel (e detonado) marcador de páginas do Che Guevara!
Podemos não ter aqui piratas com pernas de pau, tapa-olhos ou papagaios tagarelas nos ombros, mas certamente uma grande parcela dos clichês de histórias de corsários está presente em Latitudes piratas. Isso inclui marinheiros excêntricos (um deles é mudo, outro possui apenas dois dedos numa das mãos), um tesouro imenso em jogo, batalhas navais, duelos com indígenas, galeões seqüestrados e até mesmo a aparição de "monstros" marinhos.
Ainda assim, o que eu quero dizer é que a existência desses clichês não constitui um defeito no livro. Nenhum romance que se comprometa a narrar uma aventura corsária está livre desses elementos, e, se não os tiver, perde mesmo a graça. Portanto, o que Crichton fez foi apenas resgatar essas fantasias que compõem o imaginário idealizado por cineastas e por pessoas como Robert Louis Stevenson.
Pelo fato de ter sido escrito na década de 1970 – portanto, no período em que a literatura do autor ainda estava engatinhando –, o leitor percebe traços característicos do começo da carreira de Michael Crichton. E, também, percebe pontos que ele mais tarde desenvolveria e aprimoraria nos livros futuros; como, por exemplo, o suspense dos "preparativos para a jornada propriamente dita", coisa que seria culminantemente bem feita em O Grande Roubo do Trem.
Depois da Parte I – Port Royal, a ação do livro é ininterrupta. Aliás, ela só é interrompida porque o leitor provavelmente vai passar alguns minutos com um dicionário nas mãos, desvendando o significado de uma série de termos marítimos – joanete, tombadilho, escaler, bombordo, estibordo, proa, popa etc. Fora isso, a leitura é dinâmica, segue em ritmo acelerado, e, mesmo sem compreender os termos, é possível visualizar o cenário com facilidade.
Os personagens são bastante cativantes, se não pela sua personalidade (analisada de modo superficial pelo autor), pela sua aparente excentricidade. Lezue é uma mulher que se traveste de homem e atua como tal, Enders é um barbeiro-cirurgião que possui um exímio controle sobre o timão de um navio, Bassa é um gigante negro que perdeu a língua, e o Judeu é um velho com três dedos de uma mão faltando.
Uma coisa interessante é que o leitor inevitavelmente é levado a ficar do lado de Charles Hunter, o corsário que lidera a expedição, principal personagem do livro – este, normal, sem nada de excêntrico. Ou seja, ficamos do lado do "fora-da-lei", causador da baderna toda. Me surpreende que, no final das contas, o leitor nem se dê conta disso!
Latitudes piratas é um romance de aventura com um interessante pano de fundo histórico e um envolvente enredo, mas eu tenho algumas hipóteses de por quê Crichton o deixou na gaveta. Não é preciso muito esforço para ver que o romance é o mais simples de todos do escritor e, sim, bastante previsível. Uma vez publicado na época em que fora escrito, certamente receberia críticas negativas.
Além disso, é provável que o arquivo encontrado no computador de Crichton fosse apenas um esboço, que ele desistiu de arte-finalizar. Aliás, essa hipótese é bem viável, uma vez que no próprio Álbum de viagens o escritor diz, após o capítulo Jamaica, que estava feliz porque acabara de "finalizar o esboço de um romance". Portanto, embora esteja finalizado e coerente, o Latitudes piratas publicado recentemente pode não passar de um esboço.
No mais, me diverti imensamente lendo o livro. Não me arrependi em nenhum momento de tê-lo comprado. Foi bom ver o lado "antigo" do autor, descompromissado, despretensioso, bem diferente dos seus últimos e polêmicos livros, como Estado de medo e Next. Fico contente com o fato de ter acabado as férias lendo este romance.
Conclusão: Muito recomendado, não só para os fãs do autor, mas para quem gosta de aventuras sem grandes pretensões.
Olá Marlo,
ResponderExcluirnão conhecia o autor deste livro, mas, como você o admira e sabendo do seu gosto literário acredito que deva ter grandes obras.
Sobre o livro me interessei pelo fato de ser um assíduo espectador da história e tudo relacionado a este tema me atraí.
parabéns pelo texto!
Pinguim leitor, cubo mágico, Che Guevara e um controle de Playstation (acertei o videogame?), éeee seu blog é bem misto!
ResponderExcluirConfesso que fiquei com vontade de ler o livro comentado acima, só fiquei pensando se o autor gostaria de saber que ele foi publicado, mas como tudo que é "proibido" é mais gostoso, o livro deve ser muito bom!
Vou ler! Procisarei de várias vidas para ler tudo o que eu quero, mas vou ler.
Bjo
(tenho que lembrar que isso é um comentario de um blog, para não me impolgar)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirNa primeiras vez que vi esse livro de Crichton...achei que a história não era das melhores.
ResponderExcluirQuando um amigo me alertou da promoção que "Latitudes Piratas" estava sendo vendido por 21,90... não perdi tempo e comprei.
E mais uma vez Crichton não decepcionou....a partir do momento q o "Cassandra" sai de Port Royal a leitura se torna viciante =D
Olá, Igor!
ResponderExcluir'Latitudes piratas' foi considerado um livro de importância menor pelo próprio Crichton, tanto é que ele nem o publicou em vida. Mas, sem dúvida, é um romance que merece ser recebido pelos seus fãs!
Gosto muito da ação da história. :)
Abraços!