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06 fevereiro 2011

Um país distante, de Daniel Mason

"Ter fome e ver os outros comerem é muito pior do que só ter fome." (p. 176)

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Hoje é domingo. Amanhã começa a minha primeira semana inteira de aulas, serei monitor de uma disciplina… e preciso atualizar o blog.

Para isso, escolhi comentar algo sobre um romance que li há muito tempo. Chama-se Um país distante (A far country, 2007), e foi escrito por um jovem biólogo norte-americano de nome Daniel Mason, que morou no Brasil durante alguns anos.

Curiosamente, pode-se dizer que este livro é uma obra dedicada ao Brasil e, mais precisamente, às pessoas pobres do nosso país.


Sinopse: O cotidiano árduo de uma adolescente delicada e sensível sofre uma reviravolta quando ela parte para a cidade grande em busca do irmão mais velho, com quem mantém um poderoso vínculo afetivo. Ao chegar à cidade, porém, a garota se descobre indefesa num mundo hostil e incompreensível. Diante disso, para poder sobreviver, ela precisa criar novos pontos de referência.


É estranho imaginar Um país distante escrito em inglês; ou seja, escrito no seu idioma original. Já lê-lo em português é uma coisa tão natural que nem passa pela cabeça do leitor o fato de que o autor do livro é norte-americano. Isso porque, embora nenhuma localidade real seja dada como referência, os panos de fundo da história são quase óbvios: uma grande metrópole brasileira (São Paulo?) e uma cidade interiorana seca, pobre e cáustica.

Embora não seja exclusivamente parte integrante da vida do nosso povo, a situação de Isabel é vista com muitíssima freqüência por aqui: sem condições de enfrentar a vida na paupérrima cidade do interior em que mora, ela parte para a cidade grande, a fim de ganhar o seu sustento com o primeiro emprego que lhe surgir. Além disso, Isabel é movida pelo objetivo de reencontrar o irmão, que foi para a mesma cidade, com os mesmos objetivos, e sumiu sem mandar notícias.

A história toda é destilada em uma narrativa agradável que lembra um pouco a do africano J. M. Coetzee. Diálogos apenas em aspas (o que dá a impressão de que o livro é silencioso), parágrafos grandes, frases de efeito em abundância, e assim por diante. Uma protagonista que fala com os outros ao redor apenas para se defender. Um mundo hostil, estranho, dinâmico, em que é preciso mostrar as garras para ganhar a vida.


n190650 O Afinador de Pianos

Edição original de Um país distante e capa do livro O afinador de pianos, best-seller que alavancou Mason


Algumas pessoas podem achar o livro "parado", "monótono", "arrastado" ou qualquer coisa do tipo, e dizer que isso é um defeito. Eu entendo, e até concordo, em certo ponto. Acontece que a monotonia do livro (ou, em outras palavras, a ausência de acontecimentos que despertem a sensação de querer devorar as páginas) existe para convidar o leitor à reflexão. Uma leitura dinâmica raramente incita a pessoa que lê à reflexão.

E, como disse o The Boston Globe, o romance de Mason é "uma bela e desconcertante meditação sobre a pobreza, a imigração e a luta de classes". Eu diria mesmo que essa meditação fica ainda mais interessante com a idéia de que o autor, de fora, pinta um quadro excessivamente identificável com o Brasil, e faz com que nós vejamos nossa própria realidade.

Como eu já disse, o livro não possui uma referência explícita que indique que a história se passa no Brasil. Mas, mesmo sem ela, eu insisto na tecla de que Mason quis retratar naquelas páginas o maior país da América Latina. Não só pelo fato de ele ter vivido muitos anos aqui e, como todo bom biólogo, ter observado com atenção a vida ao redor, mas também porque todos os nomes próprios (seja de personagens ou de localidades) são tipicamente brasileiros.

Em suma, a qualidade de Um país distante não passa despercebida. Mesmo aqueles que não gostam do gênero em questão têm de concordar que o livro é um ótimo panorama da condição inerentemente humana de ver-se isolado em um lugar pouco acolhedor e de difícil adaptação. O nome de Daniel Mason ainda é relativamente ignorado, mas o seu talento em breve será mundialmente reconhecido.


Conclusão: um romance para ser lido com calma. Uma leitura bem-vinda que evoca um quadro realista impecável. Recomendado.

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