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08 outubro 2009

Saga, de Erico Verissimo

"(...) Que fazemos todos nós, senão viver numa constante renúncia das coisas que mais amamos?" (p. 289)

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Hoje pela noite - depois de experimentar uma espécie de pimenta no jantar que só faltou pôr as minhas tripas para fora - eu finalizei a leitura do romance nacional Saga (1940), escrito pelo gaúcho Erico Lopes Verissimo durante o momento de eclosão da 2ª Guerra Mundial na Europa.

Saga é o livro que conclui o que o próprio autor denominou de Ciclo de Romances - que é o conjunto de seus seis romances urbanos ambientados em Porto Alegre, cujas histórias se entrelaçam, formando assim um tipo singular de trilogia.

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Sinopse: Nos campos de batalha da Guerra Civil Espanhola, Vasco Bruno presencia atrocidades de toda sorte. Quando volta a Porto Alegre, os horrores da batalha dão lugar às dificuldades cotidianas: em vez de fuzilamentos e bombardeios, os golpes baixos da sociedade burguesa. (...) Saga é um libelo humanista, um romance que denuncia a miséria social e ao mesmo tempo aponta uma luz de esperança em meio às nuvens escuras que chegam da Europa.

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Assim como aconteceu com os meus oito livros anteriores de Erico Verissimo, não me arrependi, de modo algum, de ter comprado este. Levei o único exemplar da livraria, quase que na impulsividade, mesmo lendo no prefácio que o autor considera Saga o seu pior romance (chamou-o inclusive de "monstro" e "medíocre"). Não me abalei com este julgamento e pensei: Um livro de Erico Verissimo falando sobre a guerra e sobre as torpezas do cotidiano não pode ser menos que interessante. Sem mais, irei levar.

E não me arrependi.

Posso dizer que o livro Saga (narrado em primeira pessoa por Vasco Bruno) é dividido em dois momentos muito distintos: o primeiro recebe o título de "O Círculo de Giz" e mostra as aventuras de Vasco durante a sua estada na Espanha, aventuras estas oriundas da sua decisão de entrar no exército da Brigada Internacional e lutar na Guerra Civil Espanhola; o segundo momento do livro intitula-se "O Destino Bate à Porta" e discorre sobre a volta de Vasco ao Brasil e a Porto Alegre, onde ele reencontra seus velhos amigos (Fernanda, Noel e a prima Clarissa) lutando pela sobrevivência cotidiana na cidade grande.

É interessante notar que todos os enredos dos romances anteriores de Erico convergem para este último: revemos Eugênio Fontes, de Olhai os Lírios do Campo; Chinita e Manuel Pedrosa, de Caminhos Cruzados; doutor Seixas, de Um Lugar ao Sol, e assim sucessivamente. Todas as tramas não-resolvidas dos livros anteriores têm a sua conclusão traçada em Saga. Só por isso, eu diria, o livro já vale a pena.

Apenas não entendi muito bem por que Erico Verissimo foi tão severo no seu julgamento quanto a este livro. É um romance absolutamente normal - ou melhor, "normal" em termos, porque o livro é maravilhoso, na minha opinião de fã. É um romance que pode muito bem ser acolhido com efusividade elogiosa pela crítica e pelo público. Por que então ser tão auto-crítico? Saga é um romance extraordinário! Não se deixem levar por comentários!

Como sempre, os personagens de Erico estão às voltas com questões existencialistas, sentindo-se deslocados em um mundo de tanta miséria moral e de tantas injustiças. Como conseqüência disso, temos diálogos belíssimos sobre viver uma vida justa e simples, sobre a doença mental da humanidade, sobre questionamentos de natureza ética e etc., sobre sonhos e amor ao próximo - isso tudo passando longe da pieguice, note-se bem. O autor é simplesmente especialista em diálogos, e, especialmente neste caso, nada deixa a desejar.

É com um prazer quase sobrenatural que eu leio essas passagens filosóficas de Erico. Chamo isso de "orgasmo literário". Por mais que o termo pareça chulo, não vejo outro que se aproxime mais do que se sente lendo essas páginas. O que dizer da conversa entre Vasco e o dr. Abel, em que este último explica por que o mundo está totalmente voltado para o consumismo imediato e frenético? O que dizer da filosofia maldita do dr. Seixas? Ou do altruísmo doloroso de Fernanda? Ou do mundo utópico de Noel? Nossa! São trechos que de fato tiram o fôlego de qualquer leitor apreciador da boa literatura.

Portanto, leiam Saga! É um livro excepcional, ainda mais se o leitor já tiver tido contato com os outros romances anteriores do Ciclo de Romances.

"Mais um do Erico Verissimo, heim?", disse-me Natália, minha amiga da universidade, ao ver debaixo de meu braço o volume Saga. "Qualquer dia desses você vai me emprestar os livros dele, todos de uma vez só".

"Com todo o prazer, ora", respondi. "Talvez assim você dê o braço a torcer."

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Abaixo, segue-se um dos trechos do livro que mais achei interessantes. Naturalmente não é o melhor de todos os trechos; selecionei-o por ser pequeno.

"Eu estive pensando numa coisa, Fernanda..."

"Sim?..."

"Em não voltar. Ficar junto da terra, numa vida mais simples..." Ela me olha com a testa franzida e eu prossigo. "Eu já lhe disse uma vez... Aquela aventura na Espanha serviu para que eu me conhecesse melhor, para que eu visse o que tenho de bom e de mau dentro de mim."

"E que é que isso tem a ver com a sua ida para a terra?"

"É que eu cheguei à compreensão de que a vida na cidade, com as suas complicações, faz que a todo momento esteja subindo à tona esse lodo que dorme no fundo de cada um de nós, ao passo que numa vida simples e natural eu poderei conservar em estado de pureza as qualidades boas que sinto existirem em mim."

Fernanda me escuta em silêncio. Entramos na rua da Independência. A garoa cessou. (...)

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