Pesquisar neste Blog
25 dezembro 2016
A Revolução dos Bichos, de George Orwell
21 dezembro 2015
Resenhas em notas - #1


29 dezembro 2014
A Festa do Bode, de Mario Vargas Llosa
"O país estava afundando, isolado e de quarentena por causa dos desmandos de um regime que, embora tivesse prestado serviços valiosíssimos no passado, havia degenerado em uma tirania que causava repulsa universal." (p. 353)
Ontem eu finalizei a leitura do livro A Festa do Bode (La Fiesta del Chivo, 2000), um dos grandes romances históricos escritos pelo peruano Mario Vargas Llosa, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura em 2010. Eu já conhecia o autor através de duas ótimas obras que li há muito tempo, Travessuras da menina má e Tia Julia e o escrevinhador, que me revelaram o excelente contador de histórias que é este latino-americano – cujo domínio do espaço narrativo e cuja capacidade de construir personagens sólidas me impressionaram bastante desde o início.
Em A Festa do Bode, temos narrados os últimos dias do general Rafael Leonidas Trujillo Molina, ditador da República Dominicana entre 1930 e 1961, período em que governou o insular país do Caribe com mãos de ferro, perseguindo seus opositores e humilhando seus colaboradores para manter a autoridade. Paralelamente a isso, dois outros eixos compõem a narrativa: a visita de Urania Cabral a Santo Domingo, capital da República, já décadas após a queda do regime; e os minutos que antecedem o atendado ao ditador, orquestrado por um grupo de conspiradores ligados a Trujillo.
Cada eixo narrativo pertence a um tempo diferente, e assim o leitor encontra várias referências de um capítulo no capítulo seguinte, por exemplo, muitas vezes vendo o mesmo acontecimento ser narrado duas vezes – sob ângulos diferentes, a depender da personagem em questão. Longe de embaralhar a mente de quem lê, esse recurso coloca o romance sob uma tensão constante, tornando mais impressionantes algumas revelações e mais justificadas as ações de determinadas personagens. Muito apegado também à técnica do flashback, Vargas Llosa transforma a primeira metade de A Festa do Bode em um enredo de reminiscências, a fim de explicar a trajetória de cada personagem até o momento presente. Feito isto, a trama descamba para um thriller frenético – e assustador – sobre perseguição e tortura.
O Oldsmobile 1956 usado pelos conspiradores para emboscar Trujillo repousa no Museo Nacional de Historia y Geografía de Santo Domingo
Do ponto de vista da técnica, o que mais me impressionou no livro foi justamente a narração formada por temporalidades fragmentadas, recurso que o autor utiliza com sabedoria para extrair o máximo proveito e contar da melhor forma possível uma história cheia de intrigas e reviravoltas. Do ponto de vista do conteúdo propriamente dito, o romance impressiona pela relevância do que é contado, pela necessidade de denunciar um regime totalitário assombroso que reinou durante 31 anos e que foi responsável por tanta dor e privação na vida de tantos dominicanos. E, assim, o que parecia ser uma nota-de-rodapé esquecida na História da América Latina acaba se transformando em uma interessantíssima abordagem literária sobre a tirania e as consequências do poder político absoluto.
Li A Festa do Bode em pouco mais de duas semanas e posso dizer seguramente que ele é um dos melhores livros do Llosa. É arriscado falar isso de um autor prolífico e muito bem recebido pela crítica, mas a verdade é que eu finalizei ontem a leitura de um dos melhores trabalhos deste que é considerado o melhor escritor latino-americano vivo. (Só não li o livro ininterruptamente, sem largá-lo, porque eu gostava de saborear a escrita requintada do autor em várias passagens, e esses momentos de deleite me consumiram bastante tempo.) No mais, embora o romance tenha um foco bastante político e isso afaste alguns leitores que não gostam do tema, A Festa do Bode dá espaço para o suspense e a intriga melodramática, o que o torna extremamente popular e prazeroso de ler, além de muito instrutivo. Llosa coloca o drama humano acima de tudo, inserindo-o num contexto em que decisões políticas extremas têm um enorme peso na vida das pessoas comuns.
Depois deste livro, considero Mario Vargas Llosa um dos mais fascinantes e inventivos autores que repousam na minha estante. Que venham os próximos títulos.
P.S.: Para ler meus comentários sobre os dois outros livros que li do autor, clique aqui (Travessuras da menina má) e aqui (Tia Julia e o escrevinhador).
Feliz Ano-Novo aos leitores do Gato Branco!
25 junho 2014
Quatro estações, de Stephen King
"O amor tem dentes; morde; as feridas nunca cicatrizam. Nenhuma palavra, nenhuma combinação de palavras pode fechar essas mordidas de amor." (p. 572)
Finalizei ontem a leitura de Quatro estações (Different seasons, 1982), do escritor norte-americano Stephen King. Comprei pela internet a confortável edição de bolso da Ponto de Leitura, selo da Editora Objetiva, e me deleitei com as 650 páginas deste livro que reúne quatro contos inéditos do autor (ou mini-romances, dada a longa extensão de cada um). Deixando de lado o terror explícito de Carrie, a Estranha e O iluminado, King explora um gênero diferente nestas quatro histórias que misturam, de forma muito bem sucedida, drama, horror e suspense.
Eu já havia lido do autor o famoso À espera de um milagre, romance escrito em 1996 que ganhou as telas do cinema três anos depois, com Tom Hanks no papel principal. O prazer que senti ao ler este livro despertou minha atenção para o nome de Stephen King, que até então soava na minha cabeça somente como mais um autor best-seller que carrega nas costas uma legião de fãs. Quando cheguei à última página de À espera de um milagre, entendi por que King possui a sua legião extremamente fiel de fãs e porque ele é tão elogiado pela crítica. Resposta: o homem tem talento, e muito.
Sinopse: Nos quatro contos reunidos neste livro, Stephen King realiza um profundo mergulho na natureza humana, revelando medos, esperanças e impulsos, além de explorar todas as facetas do ser humano, desde seu mais puro desejo de ser livre à sua mais apavorante crueldade.
O mais longo dos contos, Aluno inteligente, possui 250 páginas e passeia com tranquilidade do drama ao horror, com King realizando uma prospecção subjetiva digna de mestre em cada um de seus personagens. O mesmo acontece com Rita Hayworth e a redenção de Shawshank e O corpo: duas histórias cujo gênero se encontra entre o dramático e o assustador, levando-nos a pensar nos limites da crueldade humana e em como os verdadeiros monstros podem não estar à solta no Lago Ness, mas dentro de nossas próprias cabeças e nas nossas ações. Infelizmente O Método Respiratório, último conto do livro, não está à altura dos outros: parece apressado, mal explorado e sem norte. Mesmo assim, consegue prender a atenção do leitor do início ao fim, como os demais.
Interessante notar que o sucesso de Quatro estações extrapolou as estantes das livrarias. Rita Hayworth e a redenção de Shawshank inspirou o filme Um sonho de liberdade, que concorreu a 7 Oscars em 1995. Aluno inteligente deu origem a O aprendiz, de 1998, muito bem recebido pela crítica. O corpo foi adaptado em 1986 e transformou-se no célebre Conta comigo, que alavancou a carreira de alguns atores mirins na época. E desde 2012 discute-se uma adaptação para O Método Respiratório, que, sim, estou ansioso para conferir.
Os cartazes dos filmes inspirados nos contos do livro
É difícil escolher a história de que mais gostei. Se por um lado o último conto não me agradou de todo, por outro me senti totalmente fisgado pelos anteriores, especialmente por Aluno inteligente e O corpo. A impressão que dá é a de que existe uma história mais maravilhosa do que a outra, à medida que vamos avançando no livro. Se ficamos extasiados com a ânsia de liberdade de Andy Dufresne e sua luta contra a injustiça, ficamos também perplexos com o amadurecimento distorcido de Todd Bowden e arrebatados com a emocionante amizade entre Gordon Lachance, Cris Chambers, Vern Tessio e Teddy Duchamp. Justiça seja feita: é possível ficar apaixonado também pela determinação e pela graça da moça da última história, muito embora o conto em questão não tenha sido satisfatoriamente desenvolvido para dar espaço a esta personagem.
A escrita de Stephen King é de uma leveza convidativa, o que não a impede de ser profunda e emocionante. Dos quatro contos, três são escritos em primeira pessoa, e estas histórias são justamente as que trazem consigo o tom confessional tão caro ao escritor: os personagens destes contos são pessoas que escrevem sobre um evento passado de suas vidas e, em retrospecto, fazem um balanço do quanto estes episódios singulares influenciaram sua personalidade. Esta técnica é muito frequente na obra de King e abre a possibilidade de uma metalinguagem interessantíssima: o escritor que escreve sobre um escritor que escreve sobre um fato marcante de sua vida.
Fazendo jus à epígrafe da obra – O que importa é a história, e não o narrador – Quatro estações oferece ao leitor o prazer de simplesmente ouvir uma boa história, um prazer que beira nossos costumes ancestrais de nos sentarmos ao redor de uma fogueira e sermos levados pela narrativa de alguém.
Composto por histórias memoráveis, este livro é um sopro de boa literatura. Atende aos desejos dos leitores mais exigentes – aqueles que buscam uma história de qualidade além do banal – e atende aos anseios dos leitores que estão em busca de algo mais leve e menos complexo. São histórias cujo valor está nelas mesmas, e não em um suposto artifício literário ou escondido atrás de um nome famoso.
Extremamente recomendado, posso dizer que Quatro estações é, desde já, uma das melhores leituras do ano.