Depois de tanto tempo abandonado – mais precisamente, 11 meses
e 20 dias –, este blog retorna à vida com uma nova seção sobre livros: a
"Resenhas em Notas". Ela irá trazer pequenos parágrafos acerca das últimas
leituras que andei fazendo. Através destas postagens, os leitores do
Gato Branco poderão conhecer um pouco das minhas impressões
sobre determinadas obras, e a ideia é fazer com que estes leitores ao menos se
sintam contagiados pelas minhas experiências, narradas aqui da forma mais
sucinta possível.
Penso em incluir em uma mesma postagem as últimas três leituras
que fiz. Acho que é um bom número, mas vamos acompanhar o andar da carruagem.
Nada de pôr os carros na frente dos bois – nada de criar muitas expectativas,
principalmente se formos levar em conta que entrarei no mestrado no próximo ano
e isso significará menos tempo disponível para a Literatura. Mas planos futuros
são planos futuros.
Ao que interessa!
À noite andamos em círculos, de Daniel
Alarcón
O jovem peruano Daniel Alarcón foi um escritor que conheci por
acaso, o mesmo acaso que está tão presente na minha relação com os livros. Eu
estava em uma livraria qualquer, andando a esmo, quando esbarrei no seu romance
À noite andamos em círculos (At night we walk in circles,
2013). Já na metade da sinopse eu estava fisgado: o romance narra a história de
um aspirante a ator de teatro que subitamente é contratado pela companhia que
ele admirava muito desde a adolescência. Os anos de ouro desta companhia de
vanguarda, o Diciembre, eram os anos 1970 – época em que criticar a
ditadura local através da arte era um ato de ousadia necessária capaz de custar
a vida.
Atualmente esquecido, o Diciembre parece estar fadado
às memórias dos artistas de rua que fizeram parte daquela época. Com o intuito
de reviver os seus tempos de glória artística – ao mesmo tempo em que é preciso
superar alguns traumas do passado –, dois integrantes da antiga companhia
decidem iniciar uma nova turnê pelo país, agora machucado pelas consequências de
uma guerra civil. E é para esta nova turnê que Henry – o ex-líder do coletivo –
e Patalarga – seu antigo colega – chamam o nosso protagonista. Juntos, os três
reencenarão a peça sarcástica escrita por Henry décadas antes, que fizera tanto
sucesso nos anos da ditadura, e atravessarão o país em busca de uma redenção
para seus próprios fantasmas.
Genialmente escrito, o romance cativa o leitor já nas primeiras
páginas e mantém em suspense uma trama cujo desfecho se espera sempre na página
seguinte. É uma história feita de camadas, como muito bem disse o The New
York Times, na qual elementos vitais são adicionados aos poucos, dando uma
sensação de crescente deliciosa e perturbadora nos personagens e no enredo.
Alarcón entrega aos poucos os pontos centrais da trama, com muita paciência. E
quanto mais o leitor percebe sua própria ignorância diante do que está sendo
narrado, mais ele se sente atraído pela história e maior é a sua vontade de
virar as páginas.
Um adivinho me disse, de Tiziano
Terzani
Foi na primavera de 1976 que Tiziano Terzani visitou – por
acaso – um adivinho em Hong Kong e recebeu o seguinte aviso: "Não viaje de avião
ou de helicóptero no ano de 1993. Se o fizer, você muito provavelmente sofrerá
um acidente. Não voe." Quando o fatídico ano finalmente chegou, Terzani estava
com 55 anos de vida e, nas suas palavras, procurava algo com que pudesse sair da
mesmice de sua profissão de jornalista e experimentar uma coisa nova, que desse
um colorido diferente à sua rotina. Nunca tendo esquecido o que ouvira em Hong
Kong, ele decidiu que em 1993 se locomoveria apenas via terra e mar, abdicando
completamente dos aviões e dos helicópteros. A partir de Bangkok, na Tailândia,
ele cobriria acontecimentos históricos na Indochina e escreveria artigos sobre
os mais variados temas da cultura asiática – pela qual sempre fora
apaixonado.
Um adivinho me disse (Un indovino mi disse,
1995) é um dos relatos de viagem mais deliciosos que já li. Ele ficou alguns anos abandonado na minha estante mas, quando o peguei para ler, simplesmente não o
larguei mais. Fascinado pela Ásia, Terzani nos fornece um detalhado panorama da
Indochina do início dos anos 1990, observando como o estilo de vida ocidental
estava varrendo e apagando as tradições históricas dos povos desta parte do
mundo. Levados pelo afã de acompanhar o progresso econômico europeu e americano,
os asiáticos abraçaram a causa da modernidade em que os fins justificam os meios
e, sem perceberem – ou percebendo e ignorando –, seu modelo cultural milenar era
colocado à extinção.
O relato de Terzani, contudo, é embalado pela brincadeira de
não tomar aviões neste ano fatídico, motivo pelo qual ele decide investigar o
universo do "oculto" e do "sobrenatural", tão presentes no Oriente. Nas cidades
da Ásia que ele visitou – e foram muitas, da Cingapura à Mongólia – Terzani
sempre procurava o adivinho local e pedia-lhe para ler sua sorte. Neste
exercício, o autor elabora uma visão de mundo sobre o poder do ocultismo e da
astrologia e a compartilha com o leitor, tecendo bem-humoradas e inteligentes
reflexões.
O incolor Tsukuru Tazaki e seus anos de
peregrinação, de Haruki Murakami
Nos anos de colégio, Tsukuru era membro de um grupo de amigos
que tinham uma característica peculiar: todos eles possuíam o nome de uma cor
distinta. Havia os homens, Azul e Vermelho, e as mulheres, Branca e Preta. E
Tsukuru, que não possuía nenhuma cor associada ao seu nome. Mas o fato é que
todos se davam muito bem e compartilhavam uma amizade intensa típica da
adolescência. Porém, já no final do que no Brasil seria considerado o Ensino
Médio, Tsukuru é subitamente expulso do grupo: seus amigos, aparentemente
decepcionados, embaraçados e irritados, comunicam seu desligamento, dizem que
vão cortar relações a partir de então e nunca mais entram em contato com o
incolor Tsukuru. Sem saber o motivo desse afastamento forçado, mas com a
impressão de que fizera algo de terrível para os amigos, o nosso protagonista se
isola em si mesmo e vive os anos seguintes atormentado pelo episódio, até que
decide ir atrás de cada antigo colega e, pessoalmente, tentar entender o que
acontecera no passado.
Narrado com a melancolia e a nostalgia típica do autor, O
incolor Tsukuru Tazaki… (Shikisai o motanai Tazaki Tsukuru to, kare no
junrei no toshi, 2013) é o segundo romance de Murakami que não inclui o seu
sempre esperado realismo fantástico. Tal como Norwegian Wood, sua
obra-prima, este romance finca os pés no chão e narra uma bela história sobre
amizade e o peso dos anos em cima dos relacionamentos. Tazaki, que só possui o
defeito técnico de se parecer absurdamente com todos os outros protagonistas dos
livros do autor, é um jovem em busca do sentido da vida, um rapaz que procura –
como todos nós – superar a árdua passagem da inocência da juventude para a
áspera vida adulta, repleta de amores efêmeros, profissões monótonas e dias
desperdiçados. Com uma narrativa simples e elegante e com um desfecho que
surpreende o leitor, O incolor Tsukuru Tazaki… certamente vale o
investimento e mostra por que Murakami é tomado como o porta-voz da mocidade
nipônica.
Um lugar chamado Liberdade, de Ken
Follett
Primeiro livro de Ken Follett que leio, Um lugar chamado
Liberdade (A place called Freedom, 1995) conta a história de Mack
McAsh, um rapaz que nasceu em uma família de escravos na Escócia e foi obrigado
a trabalhar desde criança nas minas de carvão da poderosa família Jamisson.
Paralelamente ao seu drama, somos apresentados a Lizzie Hallim, uma bela e
esperta moça nascida no berço de uma decadente burguesia escocesa, presa aos
ditames patriarcalistas que submetem as mulheres aos caprichos dos homens.
Sedentos por liberdade, inconformados com as posições sociais nas quais foram
criados, ambos buscarão superar os mais diversos obstáculos em busca dos seus
sonhos.
Adepto das tramas folhetinescas, cujos enredos se assemelham
aos roteiros de telenovelas épicas, Follett utiliza um pano de fundo histórico
grandioso para narrar uma história empolgante mas superficial. O autor é
cuidadoso em recriar os detalhes da época em que se passa seu romance – o que
certamente se espera de um narrador de sua envergadura –, mas a intenção de
escrever um livro para o grande público acaba fazendo com que tudo pareça
contemporâneo demais, desde os diálogos até as situações vividas por seus
personagens. A impressão que tive foi a de que a história, embora muito boa e
interessante, estava fadada ao estilo contemporâneo de um best-seller fácil de
digerir, e isso, para um romance histórico, compromete a experiência.
Um lugar chamado Liberdade possui reviravoltas que sem
dúvida prendem o leitor às páginas do livro, e algumas de suas passagens são
pertinentes como crítica social, mas não convém esperar da obra uma poderosa
criação literária. Ela é um passatempo empolgante e instrutivo, e portanto
válido, mas nada além.
Rádio Cidade Perdida, de Daniel
Alarcón
Depois de ficar inebriado com a qualidade de À noite
andamos em círculos, busquei os trabalhos antigos de Daniel Alarcón e me
deparei com seu romance de estreia, Rádio Cidade Perdida (Lost City
Radio, 2007). O tema dos dois únicos romances escritos pelo autor é o
mesmo: um país latino-americano arrasado por uma guerra civil resultante de uma
violenta repressão ditatorial, e as vidas comuns que foram afetadas por esse
cenário dilacerante.
Nesta obra somos apresentados a Norma, uma radialista que ficou
famosa após a guerra civil, quando inaugurou um programa de rádio destinado a
fazer com que pessoas desaparecidas durante os conflitos reencontrassem seus
familiares. Dona de uma voz extremamente acalentadora pela qual é reconhecida na
rua, Norma vive seus dias atormentada por um episódio trágico: o desaparecimento
do próprio marido dez anos antes, já nos momentos finais da guerra entre
soldados do governo e rebeldes. Sua rotina muda completamente quando o pequeno
Victor chega à cidade vindo de uma aldeia muito distante e, com ele, a promessa
de informações inéditas sobre Rey, o marido ausente da protagonista.
Escrito com a mesma genialidade do outro romance, Rádio
Cidade Perdida é um mosaico intrincado de flashbacks que não obedecem a uma
cronologia linear mas que, quando somados, começam a fazer surgir a imagem
nítida da trama principal. Para a literatura, este romance é o que 21 gramas
é para o cinema: uma obra que destoa da narrativa tradicional, que oferece
ao público uma miríade de recortes que fazem sentido na medida em que a história
ganha corpo. Não é um livro fácil de ser lido, portanto, mas aqui isto não é um
ponto negativo, porque qualquer leitor interessado capta o desenvolvimento da
história sem grande esforço.
E a profundidade da obra, sua eloquência, sua riqueza reflexiva
e seu primor estético envolvem o leitor já nos primeiros momentos e evidenciam o
grande talento que Alarcón possui como contador de histórias. A América Latina,
desde já, com sua gente pobre, com sua vida política conturbada e perigosa,
mostra-se como a fonte da qual este escritor peruano bebe. Rádio Cidade
Perdida é um romance de estreia, mas não de um iniciante.
Que bom que voltou com o blog :)
ResponderExcluirGostei do formato de pequenas resenhas para vários livros, já pensei em fazer isso antes (tem muita coisa que li que não achei que merecia um texto maior), vou repensar o formato.
Sobre as obras citadas, fiquei curioso principalmente pelos livros do Daniel Alarcón, parece ser bem o tipo de coisa que eu gosto, vou conferir depois com certeza. Já "Um adivinho me disse" é a sua cara mesmo, nunca li nada nesse estilo e fiquei curioso em relação a esse.
Não some não, já quero ver os próximos posts :)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMarlo que bom que voltou, pois suas postagens inspiram nossa "caminhada literária" e sucesso no mestrado, também estou concluindo a pós-graduação em fevereiro próximo.
ResponderExcluirTenho especial interesse em ler as obras de K. Follett pois suas obras estão revestidas de um contexto histórico fascinante que se embriaga com romances explendidos.
No momento estou lendo "Uma Longa Jornada" de N. Sparks.
cordial abraço!
Farley, você irá gostar muito dos livros do Alarcón. Estou certo disso! :)
ResponderExcluirGustavo, obrigado pelo apoio!
Abraços!
Que bom que voltou! sempre venho por aqui quando quero ler algum livro de algum autor pouco conhecido.
ResponderExcluirabraço meu caro.