"O amor tem dentes; morde; as feridas nunca cicatrizam. Nenhuma palavra, nenhuma combinação de palavras pode fechar essas mordidas de amor." (p. 572)
Finalizei ontem a leitura de Quatro estações (Different seasons, 1982), do escritor norte-americano Stephen King. Comprei pela internet a confortável edição de bolso da Ponto de Leitura, selo da Editora Objetiva, e me deleitei com as 650 páginas deste livro que reúne quatro contos inéditos do autor (ou mini-romances, dada a longa extensão de cada um). Deixando de lado o terror explícito de Carrie, a Estranha e O iluminado, King explora um gênero diferente nestas quatro histórias que misturam, de forma muito bem sucedida, drama, horror e suspense.
Eu já havia lido do autor o famoso À espera de um milagre, romance escrito em 1996 que ganhou as telas do cinema três anos depois, com Tom Hanks no papel principal. O prazer que senti ao ler este livro despertou minha atenção para o nome de Stephen King, que até então soava na minha cabeça somente como mais um autor best-seller que carrega nas costas uma legião de fãs. Quando cheguei à última página de À espera de um milagre, entendi por que King possui a sua legião extremamente fiel de fãs e porque ele é tão elogiado pela crítica. Resposta: o homem tem talento, e muito.
Sinopse: Nos quatro contos reunidos neste livro, Stephen King realiza um profundo mergulho na natureza humana, revelando medos, esperanças e impulsos, além de explorar todas as facetas do ser humano, desde seu mais puro desejo de ser livre à sua mais apavorante crueldade.
O mais longo dos contos, Aluno inteligente, possui 250 páginas e passeia com tranquilidade do drama ao horror, com King realizando uma prospecção subjetiva digna de mestre em cada um de seus personagens. O mesmo acontece com Rita Hayworth e a redenção de Shawshank e O corpo: duas histórias cujo gênero se encontra entre o dramático e o assustador, levando-nos a pensar nos limites da crueldade humana e em como os verdadeiros monstros podem não estar à solta no Lago Ness, mas dentro de nossas próprias cabeças e nas nossas ações. Infelizmente O Método Respiratório, último conto do livro, não está à altura dos outros: parece apressado, mal explorado e sem norte. Mesmo assim, consegue prender a atenção do leitor do início ao fim, como os demais.
Interessante notar que o sucesso de Quatro estações extrapolou as estantes das livrarias. Rita Hayworth e a redenção de Shawshank inspirou o filme Um sonho de liberdade, que concorreu a 7 Oscars em 1995. Aluno inteligente deu origem a O aprendiz, de 1998, muito bem recebido pela crítica. O corpo foi adaptado em 1986 e transformou-se no célebre Conta comigo, que alavancou a carreira de alguns atores mirins na época. E desde 2012 discute-se uma adaptação para O Método Respiratório, que, sim, estou ansioso para conferir.
Os cartazes dos filmes inspirados nos contos do livro
É difícil escolher a história de que mais gostei. Se por um lado o último conto não me agradou de todo, por outro me senti totalmente fisgado pelos anteriores, especialmente por Aluno inteligente e O corpo. A impressão que dá é a de que existe uma história mais maravilhosa do que a outra, à medida que vamos avançando no livro. Se ficamos extasiados com a ânsia de liberdade de Andy Dufresne e sua luta contra a injustiça, ficamos também perplexos com o amadurecimento distorcido de Todd Bowden e arrebatados com a emocionante amizade entre Gordon Lachance, Cris Chambers, Vern Tessio e Teddy Duchamp. Justiça seja feita: é possível ficar apaixonado também pela determinação e pela graça da moça da última história, muito embora o conto em questão não tenha sido satisfatoriamente desenvolvido para dar espaço a esta personagem.
A escrita de Stephen King é de uma leveza convidativa, o que não a impede de ser profunda e emocionante. Dos quatro contos, três são escritos em primeira pessoa, e estas histórias são justamente as que trazem consigo o tom confessional tão caro ao escritor: os personagens destes contos são pessoas que escrevem sobre um evento passado de suas vidas e, em retrospecto, fazem um balanço do quanto estes episódios singulares influenciaram sua personalidade. Esta técnica é muito frequente na obra de King e abre a possibilidade de uma metalinguagem interessantíssima: o escritor que escreve sobre um escritor que escreve sobre um fato marcante de sua vida.
Fazendo jus à epígrafe da obra – O que importa é a história, e não o narrador – Quatro estações oferece ao leitor o prazer de simplesmente ouvir uma boa história, um prazer que beira nossos costumes ancestrais de nos sentarmos ao redor de uma fogueira e sermos levados pela narrativa de alguém.
Composto por histórias memoráveis, este livro é um sopro de boa literatura. Atende aos desejos dos leitores mais exigentes – aqueles que buscam uma história de qualidade além do banal – e atende aos anseios dos leitores que estão em busca de algo mais leve e menos complexo. São histórias cujo valor está nelas mesmas, e não em um suposto artifício literário ou escondido atrás de um nome famoso.
Extremamente recomendado, posso dizer que Quatro estações é, desde já, uma das melhores leituras do ano.
Marlo,
ResponderExcluirEstes livros que não seguem uma única história mas são construídos em contos não me atraíam tanto, mas quando li "A Inocência do Padre Brown, de G. K. Chesterton, passei a admirar esse "estilo". A leitura de "Quatro Estações" é cativante pelo que você escreve, ainda mais quando o autor já conseguiu que seu personagens saíssem do livro para o cinema.
Segue um link da minha última leitura: http://literaturagjb.blogspot.com.br/2014/06/concerto-para-paixao-e-desatino-de.html
abraços,
Gustavo
Esse é um dos melhores do King! Aluno Inteligente foi o meu romance-curto favorito.
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