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17 abril 2011

A Suíte Elefanta, de Paul Theroux

"Os romances indianos que ela lera nos Estados Unidos não a haviam preparado para o que via ali." (p. 206)

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Ocupado como estou nessas últimas semanas, imerso em estágios e trabalhos da faculdade, eu ando deixando o blog como que entregue às moscas. O post mais recente datava de duas semanas atrás.

É horrível quando o domingo vai chegando ao fim e eu me dou conta de que não há nenhum livro lido recentemente, nenhum acontecimento extraordinário no meu cotidiano, nenhuma música que renda um texto. É desanimador.

Mas, decidido a escrever algo hoje, olhei para a minha estante e vi um livro que li há algum tempo e que merece um comentário: chama-se A Suíte Elefanta (The Elephanta Suite, 2007), e foi escrito pelo famoso Paul Theroux, norte-americano conhecido por suas viagens de trem ao redor do mundo.


Sinopse: A Suíte Elefanta é um livro ousado, que desmonta os lugares-comuns sobre a Índia ao apresentar ao leitor um universo complexo e multifacetado, de estranhamentos, preconceitos e situações extremas. Paul Theroux consegue, em três histórias, capturar esse mundo contemporâneo marcado pelo tumulto e ambição de um lado, e pela espiritualidade de outro.


Dividido em três grandes contos, A Suíte Elefanta sai do gênero "relato de viagem", bastante associado ao autor, e se situa no campo da ficção. As obras de ficção de Theroux, embora pouco conhecidas, são muitas. Talvez o livro de ficção mais famoso dele seja o desconcertante romance A costa do Mosquito (que possui uma sinopse interessantíssima e que ainda estou pensando em ler).

Comprei A Suíte Elefanta numa época da minha vida em que eu estava fascinado por viagens a lugares exóticos. Lembro também que li esse livro ao mesmo tempo em que lia Vinte mil léguas submarinas, de Jules Verne.

Curiosidades à parte, devo admitir que essas três pequenas novelas de Theroux me deixaram um pouco decepcionado – e aqui eu vou direto ao assunto. Depois que terminei A Suíte Elefanta e folheei alguns outros títulos do autor, pude comprovar aquilo de que eu andava suspeitando: Theroux se posiciona deliberadamente numa espécie de pedestal americano e, só então, com esses olhos irônicos de pessoa considerada pertencente a uma sociedade mundialmente tida como exemplar, julga os países exóticos que visita. Se essa não é uma postura usual do autor (e acredito mesmo que não seja), pelo menos ela ficou muito clara no livro em questão.


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"(…) suas experiências com mulheres eram poucas (…)"


Na primeira novela, um casal da alta sociedade americana se hospeda em um hotel indiano cinco estrelas que, com seu isolamento estratégico, deixa a confusão e o caos político da região do lado de fora. Os dois americanos, assustados com a agitação civil daquela região, se refugiam no conforto do hotel, onde ainda têm de tratar com funcionários duvidosos.

Na segunda história, um executivo norte-americano vai à Índia e, depois de deixar claro que repudia todo e qualquer contato com o povo local, acaba se relacionando (para o bem ou para o mal) com sujeitos indianos suspeitos – em especial, as prostitutas Indru e Sumitra.

No último conto, Alice, uma jovem norte-americana, arranja um emprego de professora de inglês para funcionários indianos de telemarketing. Aos trancos e barrancos, a coisa vai bem, até que ela se vê vítima de um terrível acontecimento, fruto de sua relação com o povo indiano. Não é preciso muita imaginação para perceber a sagacidade irônica de Theroux: o nome da protagonista, Alice, faz referência ao famoso título de Lewis Carrol, Alice no país das maravilhas.

Em outras palavras, a escrita de Theroux deixa transparecer o sutil preconceito que ele tem com relação a outros lugares e outras culturas. Na verdade, não se trata de um preconceito propriamente dito, já que ele vai até o país conferir tudo com os próprios olhos; trata-se, antes, de um leve deboche, de julgar a cultura alheia como inferior apenas pelo fato de ela ser diferente da sua – mais desorganizada e caótica, sim, mas movida por valores diferentes.


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"(…) um maluco magrelo e queimado de sol, usando um turbante e com um pano a cobrir-lhe o baixo ventre (…)"


Isso que eu estou falando pode soar como um discurso estéril e muito politicamente correto, mas a verdade é que me incomoda esse tipo de julgamento entre culturas. Em A Suíte Elefanta, esse pedestal de que falei antes fica claro quando o leitor percebe que, em todas as três histórias, os norte-americanos figuram como frágeis e manipuláveis, vítimas do caos e da crueldade da Índia, que os seduz e os leva a cair em tentação, quando não os aniquila mesmo.

Não estou dizendo que Theroux é um patriota defensor do estilo de vida americano (realmente não é, basta conferir algumas páginas de A costa do Mosquito), mas esse tipo sutil de preconceito que ele tem com relação aos países exóticos que escolhe para visitar me deixa com um pé atrás.

Lendo A Suíte Elefanta, eu fiquei com a impressão de que estava inconscientemente comprando os argumentos norte-americanos.


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"(…) era ela quem estava feliz no trem que sacolejava (…)"


Em todas as novelas, Theroux faz questão de frisar o quanto a Índia é suja e caótica, fedorenta e opressora. Não estou aqui para discordar disso, até porque esse quadro reflete bem o que eu imagino ser o país de Gandhi. Mas, levando em conta todo o contexto de vida do autor e sua influência sobre os leitores norte-americanos, ter uma posição tão irônica e desdenhosa para com o país em questão é algo discutível.

Por fim, repito uma coisa que pode ter passado despercebida: não acredito que todos os livros de Theroux sejam assim. Sei que ele é capaz de transmitir aos seus leitores o que há de melhor na cultura alheia, o que há de mais frutífero e encantador. No entanto, infelizmente, A Suíte Elefanta não se propõe a fazer isso. Pelo contrário, faz questão de mostrar um povo atrasado, feio, barulhento, fedido e suspeito. E foi aí que o autor errou a mão: nessa visão parcial e tendenciosa, quase incontornável.


Conclusão: se o leitor quer entrar em contato com o mais famoso escritor de relatos de viagem, recomendo outro livro dele para isso.

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