"Os romances indianos que ela lera nos Estados Unidos não a haviam preparado para o que via ali." (p. 206)
Ocupado como estou nessas últimas semanas, imerso em estágios e trabalhos da faculdade, eu ando deixando o blog como que entregue às moscas. O post mais recente datava de duas semanas atrás.
É horrível quando o domingo vai chegando ao fim e eu me dou conta de que não há nenhum livro lido recentemente, nenhum acontecimento extraordinário no meu cotidiano, nenhuma música que renda um texto. É desanimador.
Mas, decidido a escrever algo hoje, olhei para a minha estante e vi um livro que li há algum tempo e que merece um comentário: chama-se A Suíte Elefanta (The Elephanta Suite, 2007), e foi escrito pelo famoso Paul Theroux, norte-americano conhecido por suas viagens de trem ao redor do mundo.
Sinopse: A Suíte Elefanta é um livro ousado, que desmonta os lugares-comuns sobre a Índia ao apresentar ao leitor um universo complexo e multifacetado, de estranhamentos, preconceitos e situações extremas. Paul Theroux consegue, em três histórias, capturar esse mundo contemporâneo marcado pelo tumulto e ambição de um lado, e pela espiritualidade de outro.
Dividido em três grandes contos, A Suíte Elefanta sai do gênero "relato de viagem", bastante associado ao autor, e se situa no campo da ficção. As obras de ficção de Theroux, embora pouco conhecidas, são muitas. Talvez o livro de ficção mais famoso dele seja o desconcertante romance A costa do Mosquito (que possui uma sinopse interessantíssima e que ainda estou pensando em ler).
Comprei A Suíte Elefanta numa época da minha vida em que eu estava fascinado por viagens a lugares exóticos. Lembro também que li esse livro ao mesmo tempo em que lia Vinte mil léguas submarinas, de Jules Verne.
Curiosidades à parte, devo admitir que essas três pequenas novelas de Theroux me deixaram um pouco decepcionado – e aqui eu vou direto ao assunto. Depois que terminei A Suíte Elefanta e folheei alguns outros títulos do autor, pude comprovar aquilo de que eu andava suspeitando: Theroux se posiciona deliberadamente numa espécie de pedestal americano e, só então, com esses olhos irônicos de pessoa considerada pertencente a uma sociedade mundialmente tida como exemplar, julga os países exóticos que visita. Se essa não é uma postura usual do autor (e acredito mesmo que não seja), pelo menos ela ficou muito clara no livro em questão.
"(…) suas experiências com mulheres eram poucas (…)"
Na primeira novela, um casal da alta sociedade americana se hospeda em um hotel indiano cinco estrelas que, com seu isolamento estratégico, deixa a confusão e o caos político da região do lado de fora. Os dois americanos, assustados com a agitação civil daquela região, se refugiam no conforto do hotel, onde ainda têm de tratar com funcionários duvidosos.
Na segunda história, um executivo norte-americano vai à Índia e, depois de deixar claro que repudia todo e qualquer contato com o povo local, acaba se relacionando (para o bem ou para o mal) com sujeitos indianos suspeitos – em especial, as prostitutas Indru e Sumitra.
No último conto, Alice, uma jovem norte-americana, arranja um emprego de professora de inglês para funcionários indianos de telemarketing. Aos trancos e barrancos, a coisa vai bem, até que ela se vê vítima de um terrível acontecimento, fruto de sua relação com o povo indiano. Não é preciso muita imaginação para perceber a sagacidade irônica de Theroux: o nome da protagonista, Alice, faz referência ao famoso título de Lewis Carrol, Alice no país das maravilhas.
Em outras palavras, a escrita de Theroux deixa transparecer o sutil preconceito que ele tem com relação a outros lugares e outras culturas. Na verdade, não se trata de um preconceito propriamente dito, já que ele vai até o país conferir tudo com os próprios olhos; trata-se, antes, de um leve deboche, de julgar a cultura alheia como inferior apenas pelo fato de ela ser diferente da sua – mais desorganizada e caótica, sim, mas movida por valores diferentes.
"(…) um maluco magrelo e queimado de sol, usando um turbante e com um pano a cobrir-lhe o baixo ventre (…)"
Isso que eu estou falando pode soar como um discurso estéril e muito politicamente correto, mas a verdade é que me incomoda esse tipo de julgamento entre culturas. Em A Suíte Elefanta, esse pedestal de que falei antes fica claro quando o leitor percebe que, em todas as três histórias, os norte-americanos figuram como frágeis e manipuláveis, vítimas do caos e da crueldade da Índia, que os seduz e os leva a cair em tentação, quando não os aniquila mesmo.
Não estou dizendo que Theroux é um patriota defensor do estilo de vida americano (realmente não é, basta conferir algumas páginas de A costa do Mosquito), mas esse tipo sutil de preconceito que ele tem com relação aos países exóticos que escolhe para visitar me deixa com um pé atrás.
Lendo A Suíte Elefanta, eu fiquei com a impressão de que estava inconscientemente comprando os argumentos norte-americanos.
"(…) era ela quem estava feliz no trem que sacolejava (…)"
Em todas as novelas, Theroux faz questão de frisar o quanto a Índia é suja e caótica, fedorenta e opressora. Não estou aqui para discordar disso, até porque esse quadro reflete bem o que eu imagino ser o país de Gandhi. Mas, levando em conta todo o contexto de vida do autor e sua influência sobre os leitores norte-americanos, ter uma posição tão irônica e desdenhosa para com o país em questão é algo discutível.
Por fim, repito uma coisa que pode ter passado despercebida: não acredito que todos os livros de Theroux sejam assim. Sei que ele é capaz de transmitir aos seus leitores o que há de melhor na cultura alheia, o que há de mais frutífero e encantador. No entanto, infelizmente, A Suíte Elefanta não se propõe a fazer isso. Pelo contrário, faz questão de mostrar um povo atrasado, feio, barulhento, fedido e suspeito. E foi aí que o autor errou a mão: nessa visão parcial e tendenciosa, quase incontornável.
Conclusão: se o leitor quer entrar em contato com o mais famoso escritor de relatos de viagem, recomendo outro livro dele para isso.
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