"Mas toda partida significa um encontro em algum outro lugar. E cada novo encontro é uma nova ligação." (p. 376)
Como eu não tenho o costume de viajar durante os longos feriados nacionais (estradas abarrotadas, multidão em todos os lugares), resolvi trazer um livro para casa para passar esses cinco dias.
E o livro que comprei não foi outro que não O amante de lady Chatterley (Lady Chatterley's lover, 1928), escrito pelo polêmico inglês D. H. Lawrence.
Muitos romances atuais que hoje se julgam "obscenos" não chegam nem aos pés deste, publicado há 83 anos.
Sinopse: Poucos meses depois de seu casamento, Constance Chatterley, uma garota criada numa família burguesa e liberal, vê seu marido partir rumo à guerra. O homem que ela recebe de volta está paralisado da cintura para baixo, e eles se recolhem na vasta propriedade rural dos Chatterley.
Inteiramente devotado à sua carreira literária e depois aos negócios da família, Clifford vai aos poucos se distanciando da mulher. Isolada, Constance encontra companhia no guarda-caça Oliver Mellors, um ex-soldado que resolveu viver no isolamento após sucessivos fracassos amorosos.
Quando o livro foi lançado, em 1928, pouquíssima gente deve ter tido a oportunidade de lê-lo imediatamente. Porque não passou muito tempo e D. H. Lawrence foi processado por "falta de pudor", e o livro, retirado sumariamente das estantes das livrarias.
O amante de lady Chatterley só voltou a ver o mundo novamente quando a editora Penguin contratou um bom time de advogados e enfrentou o processo que era responsável por manter o romance banido. Em 1960, 32 anos depois, o livro voltou a ser publicado de maneira oficial. Até então, circulavam muitas e mutiladas versões incompletas da história, chamadas de "edições piratas", para a amarga decepção do autor.
Considero que seja importante entender a história por trás desse livro. Porque Lawrence realmente escreveu uma coisa que deixa o queixo de muitas pessoas caído, até hoje. Por exemplo, ler as palavras "foder", "trepar", "boceta" ou "pau" em um romance da década de 20 ainda impressiona muita gente.
De qualquer forma, obsceno ou não, muito ou pouco pervertido, O amante de lady Chatterley é um romance extremamente bem escrito, cuja linguagem pertence ao tipo daquelas que fluem sem obstáculos, mesmo nas passagens mais densas. Costumo dizer que é muito pouco comum encontrar um autor que saiba ser cristalino sem perder a profundidade, como Lawrence ou Dostoiévski.
E a história que Lawrence escreveu possui uma trama interessante. Pelo menos foi o que eu achei – algumas pessoas a consideram monótona. De fato, o cenário como um todo não muda muito – varia entre a casa de Wragby e o bosque de Mellors, e depois Veneza – e os personagens são reduzidos. Mesmo assim, a tensão existente entre Clifford e Connie, e todo aquele dilema que a moça enfrenta entre a liberdade e a rotina conservadora, são suficientes para fazer do livro um troço muito instigante e reflexivo.
E o que torna a coisa mais bárbara ainda é o fato de que todos os personagens têm razão e estão equivocados, ao mesmo tempo. De modo que é difícil tomar o partido de alguém. Se por um lado Connie tinha razão em procurar a felicidade em outro homem, ela estava também errada por abandonar o marido paralítico. E o marido estava errado por considerar a classe proprietária a senhora de tudo, assim como tinha razão em manter a estabilidade matrimonial e fornecer emprego aos mineiros. Mellors, o amante, foi insensível ao trair o próprio patrão, embora tivesse suas boas razões para tanto.
E é assim que o romance de Lawrence passeia pelas baixezas humanas, revelando todas as fraquezas das pessoas e as suas razões, nem sempre politicamente corretas. Considerei o livro muito bom, de um modo geral. Sem dúvida, um romance sobre infidelidade que deve figurar entre os clássicos absolutos da História da literatura.
Apesar de toda a sordidez presente nas páginas do livro, o final foi muito equilibrado. Mas não vou me deter muito no final da história por motivos óbvios.
Para quem gosta de personagens bem construídos e tramas instigantes, O amante de lady Chatterley é um prato farto.
ótimo!
ResponderExcluirSe conseguir ler todos livros que planejo este ano, O amante de Lady Chatterley entra para a lista. Tinha lido sobre o livro nas dicas da Bravo, e agora aqui, nos artigos efêmeros do Gato Branco em fuligem de carvão.
ResponderExcluirDefinitivamente, pau e foder é de enrubecer o rosto de qualquer moralista dos anos 20. rs.
Muito bom post.
Gabriela! :D
ResponderExcluirEspero que você leia 'O amante de lady Chatterley'. Livro muito bom!
E como você salientou, certas palavras no texto realmente fazem corar o rosto de alguns conservadores da década de 20... rsrs
Muito obrigado pela visita! :)