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20 dezembro 2010

Não há silêncio que não termine, de Ingrid Betancourt

"(…) o apaziguamento por ter reencontrado minha liberdade não podia nem de longe ser comparado com a intensidade do martírio que vivi." (p. 38)

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Agora que o inverno finalmente chegou em Fortaleza, posso fazer aquilo que adoro, e pelo qual eu substituo qualquer outro programa: ler na poltrona da varanda do meu apartamento, acompanhando com a vista as pesadas nuvens cinzas que vão na direção leste-oeste, sopradas pelo vento frio que vem da praia.

Foi assim que finalizei hoje a leitura de Não há silêncio que não termine (Même le silence a une fin, 2010). Este fascinante livro escrito pela ex-candidata à presidência da Colômbia, Ingrid Betancourt, é o relato dos quase sete anos que a refém política passou na selva amazônica, junto com outros prisioneiros, nas mãos da guerrilha narcotraficante intitulada Farc.


Sinopse: Este livro conta a história da ex-senadora colombiana Ingrid Betancourt, que passou 6 anos como prisioneira na selva amazônica. Capturada pelas FARC, uma guerrilha colombiana, ela sofreu humilhações e passou por momentos difíceis. Aqui, Ingrid conta como foi seu cativeiro nas mãos dos guerrilheiros de uma das mais perigosas facções do mundo. 

Leia capítulos do livro aqui.


O livro conta a história de Ingrid desde umas poucas semanas antes do seqüestro, em fevereiro de 2002, até o dia em que foi finalmente resgatada pelo Exército colombiano, em julho de 2008. Temos aí, portanto, seis anos e cinco meses condensados em 550 páginas e 82 capítulos.

Duas coisas me estimularam a ler Não há silêncio que não termine. Primeiro, sempre me interessei por este tipo de história, em que pessoas são submetidas a situações extremas e passam um longo tempo fora do contato com o mundo como o conhecemos (me interesso tanto que basta dizer que tenho na minha estante Milagre nos Andes, Os sobreviventes, Na natureza selvagem e, porque não, Sete anos no Tibet).

Essas provações pelas quais as pessoas passam me fascinam porque sempre adorei acompanhar as mudanças que se operam dentro de cada indivíduo protagonista da história em questão. Para mim, existe algo de mágico em extrair as lições que eles aprenderam, a trilhar os caminhos que eles trilharam e, até mesmo, a sofrer tudo o que sofreram. Milagre nos Andes talvez seja o exemplo mais categórico disso que estou falando. O único aspecto inconveniente desse tipo de história é que, quando o relato é contado em primeira pessoa, sem dúvida ele está correndo o risco de ser parcial.


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Ingrid Betancourt poucas horas antes do seqüestro, em fevereiro/2002


Bem. O segundo fator que me estimulou a ler o livro de Ingrid foi o seu estilo de escrita: assim que peguei o volume nas mãos, observei que os parágrafos eram a um só tempo enxutos e minuciosos, elegantes, claros, poéticos e acima de tudo cativantes. É o estilo de escrita que eu sempre elogio nos livros e do qual mais gosto. Não são todas as pessoas que conseguem escrever assim.

Aliás, a habilidade de Ingrid com as palavras é tão grande que eu não me surpreenderia se ela tivesse decidido seguir a carreira de escritora, em vez de atuar na política. Assim como não me surpreenderia se, como escritora, ela fizesse bastante sucesso no mundo todo.

Uma das coisas mais agradáveis do livro é que ele é narrado em forma de thriller de aventura, e freqüentemente encontramos passagens de ação, mesmo, como nos capítulos em que Ingrid é obrigada a arrumar suas coisas às pressas para fugir pela selva dos helicópteros do Exército que rondam o acampamento guerrilheiro. Todas essas cenas seriam muito mais empolgantes, claro, se o sofrimento da autora não tivesse sido real, mas apenas um romance.

O ritmo de thriller do livro faz com que os capítulos sejam curtos, mal chegando a 10 páginas cada um. Além disso, a linearidade dos capítulos torna o relato mais parecido ainda com um romance, com início, desenvolvimento e desfecho. Em suma, quem quiser ler Não há silêncio que não termine como uma ficção (coisa impossível, para dizer a verdade), vai acabar encontrando um prato cheio.


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Foto mais conhecida de Ingrid no cativeiro. Ela foi batida durante uma filmagem divulgada em 2008, que mostrou que ela ainda estava viva


Um dos fatos que mais surpreendem durante a leitura é a constatação de que os filhos da autora cresceram bastante enquanto ela era feita prisioneira e passava dificuldades na selva. Mélanie, por exemplo, tinha 16 anos quando sua mãe foi capturada, e só voltou a vê-la aos 22 anos.

Por fim, fiquei extremamente surpreso também ao ler a seguinte passagem, que não deixa de ser curiosa. Tomei a liberdade de reproduzi-la na íntegra. Ingrid estava deitada em sua rede, abatida, ouvindo rádio no acampamento das Farc, até que…

"Tive o prazer de escutar, por acaso, uma reprise das melhores músicas do Led Zeppelin, e chorei de gratidão. 'Stairway to heaven' era o meu hino à vida. Ouvi-la me fez lembrar que eu tinha sido criada para ser feliz. Entre os que me eram próximos, quem quisesse me agradar me dava um disco do Led Zeppelin de presente. Eu tinha todos. Tinham sido o meu tesouro no tempo em que se ouvia música em discos de vinil.

Sabia que, entre os fãs, era malvisto gostar de 'Stairway to heaven'. Tinha se tornado demasiado popular. Os entendidos não podiam partilhar os gostos das massas. Mas nunca reneguei meus primeiros amores. Desde os catorze anos, tinha certeza de que aquela música havia sido composta para mim. Quando tornei a ouvi-la naquela selva impenetrável, chorei ao redescobrir a promessa que desde muito ela me trazia: And a new day will dawn / for those who stand long / and the forest will echo with laughter."

Nem preciso dizer que me senti muito mais próximo dela depois dessa página, não é?


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Ingrid Betancourt (segunda à esquerda em primeiro plano) ao lado de sua mãe e onze militares responsáveis por seu resgate


Conclusão: Não há silêncio que não termine foi uma das melhores aquisições que fiz esse ano. Embora se trate de uma história dramática, é um livro extremamente prazeroso de se ler, cativante, instigante, emocionante. Sem dúvida nenhuma, muitíssimo recomendado.


A seguir, disponibilizei a entrevista de Jô Soares com a autora. Vale a pena conferir!

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2 comentários:

  1. Valeu pelas recomendações de livro, gosto muito desse tipo de história... depois que li Na Natureza Selvagem estava procurando por livros do mesmo gênero.

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  2. Olá, Igor!

    Prazer receber sua visita aqui no blog.
    Na Natureza Selvagem é um ótimo livro. Inclusive, há uma resenha dele aqui no Gato Branco.

    Grande abraço!

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Muito obrigado pela visita ao Gato Branco! Seu comentário será extremamente bem-vindo! :)