Pesquisar neste Blog

03 maio 2010

Vale a pena ler de novo: Música ao longe, de Erico Verissimo

“No fundo de todas as coisas só existe esta verdade triste: Nós vivemos em solidão.” (p. 33)

Música ao longe Erico Verissimo

Recentemente eu reli o romance Caminhos cruzados (1934) – que faz parte do ciclo de romances urbanos de Erico Verissimo – mas, infelizmente, não comentei a releitura aqui no blog porque eu ainda não havia criado o quadro do Vale a Pena Ler de Novo.

No entanto, agora que ele foi criado, e agora que acabei de reler Música ao longe (1934), eu aproveito esse espaço para comentar as minhas impressões sobre esse livro maravilhoso, que compõe uma das mais belas sagas da literatura: o ciclo de romances urbanos protagonizados por Clarissa e Vasco.

~~

Não é só Música ao longe que merece ser relido. Na verdade, toda a obra de Erico o merece, e eu digo isso sem o risco de parecer exagerado, bajulador ou as duas coisas juntas. Alguém já disse que Ulisses (1922), de James Joyce, é um livro interessante porque, se você o reler a cada cinco anos (haja fôlego!), terá sempre uma visão diferente da história, de acordo com a sua maturidade.

É isso o que ocorre com o ciclo dos romances urbanos de Erico Verissimo, composto por Clarissa (1933), Caminhos cruzados (1934), Música ao longe (1934), Um lugar ao sol (1936), Olhai os lírios do campo (1938) e Saga (1940). Como esses livros são praticamente concebidos como uma história única, cujos personagens estão sempre interagindo, e como ela é perpassada por ideais humanitários muito fortes, isso significa que, se você reler esses seis livros de vez em quando (tarefa não muito difícil), terá sempre uma visão diferente deles.

Para começo de história, eu reli Música ao longe meio que acidentalmente. Eu tinha uma edição muito antiga desse livro e, como toda a minha coleção dos livros do Erico pertence às recentes edições da Companhia das Letras, achei conveniente adquirir Música ao longe também dessa safra nova. Resultado: comprei o livro de novo e, para todos os efeitos, reli-o. (Guardei a edição antiga.)

Devo confessar que a sensação de lê-lo foi, outra vez, empolgante. Não foi psiquicamente muito diferente da primeira vez, porque faz pouco tempo desde lá, mas é verdade que eu já agora o vejo sob um outro olhar. Música ao longe tem um plano narrativo aparentemente simples, mas ao mesmo tempo (não sei como, talvez devido à escrita do autor) é uma obra grandiosa, reflexiva, capaz de mover uma multidão intelectual. Afeta os inteligentes, comove os sensíveis, empolga os críticos da sociedade.

Sim, porque além de nos embalar com uma história sensível e poética, em que a menina Clarissa agora é professora na cidadezinha provinciana de Jacarecanga, e assiste à decadência da família ao mesmo tempo em que vê se avolumar uma espécie de paixão pelo primo Vasco – além de nos mostrar essa cativante história –, a trama tece comentários sobre as tendências da sociedade, as sutilezas dos planos sociais rígidos e a mobilidade (muitas vezes negativa) das elites locais.

Vale lembrar também que as personagens do livro são todas muito contemporâneas, principalmente o rapaz Vasco, subversivo e áspero para com os mais velhos. Isso confere à obra (não só com relação a Música ao longe, mas a todas as demais do ciclo) um caráter atemporal mesmo, capaz de lançar luzes às pessoas de qualquer idade, de qualquer lugar, de qualquer época. Acho meio impossível alguém ler um livro de Erico Verissimo e sair indiferente.

A obra deste escritor gaúcho é uma leitura altamente recomendada, de preferência na ordem cronológica do ciclo dos romances urbanos.

~~

“O velho se levanta, aproxima-se da mesa e explica. Tirem os olhos ao homem: ele não vê mais o mundo. Tirem-lhe o olfato: ele não sentirá mais os cheiros do mundo. Vão lhe tirando todos os sentidos: o tato, o gosto… Que fica no fim? Nada. O homem não vê, não ouve, não sente cheiros, nem contatos, nem nada. Logo, o mundo não existe: é uma ilusão dos sentidos.” (p. 72)

~~

Como a partir de agora eu farei de tudo para colocar um vídeo relacionado com o conteúdo de cada post, segue-se abaixo um comercial feito pela televisão brasileira para comemorar o centenário do autor, em 2005.

Todos os direitos reservados

4 comentários:

  1. Qualquer livro do Erico vale a pena ser lido de novo!

    Gostei muitíssimo de sua postagem sobre Os Aparados, da Latícia W.
    Deu uma vontade! de ler..

    ResponderExcluir
  2. Olá, Aline!

    Realmente, qualquer livro de Erico Verissimo merece uma releitura. A sua obra possui uma mágica que eu nunca vi em outro lugar. As palavras dele fluem tão naturalmente, se encaixam tão perfeitamente no texto que é quase como se os livros já tivessem sido escritos sozinhos.

    Quanto a 'Os Aparados', é um ótimo livro. Você não vai se arrepender de lê-lo. Aliás, no meio do texto a Leticia cita Erico... Coincidência. ^^

    Abraços!

    ResponderExcluir
  3. Li "Música ao longe" faz muitos anos. Tenho o livro ainda aqui comigo e nele está destacada uma única frase, essa mesma que vc colocou no ínício do artigo.

    Essa "verdade triste" deve tocar muita gente.

    Parabéns pelo blog.

    ResponderExcluir
  4. Oi, Erica. :)
    Essa é uma das frases mais tristes e mais verdadeiras que eu conheço. Erico Verissimo era bom nesse tipo de coisa.

    Obrigado pela visita, pelo comentário e pelo elogio! Grande abraço.

    ResponderExcluir

Muito obrigado pela visita ao Gato Branco! Seu comentário será extremamente bem-vindo! :)