“Os iguais tendem a se agrupar e a expelir o diferente, aquele cujo desejo não se confunde com o desejo do grupo, e por essa razão sofre uma morte social.” (p. 204)
Hoje pela tarde eu finalizei a leitura de O Silêncio da Chuva (1997), primeiro romance policial nacional escrito pelo psicólogo Luiz Alfredo Garcia-Roza, autor de outros títulos noir em que aparece o detetive Espinosa, seu principal personagem.
Comprado a título de tapa-buraco para o longo feriado de Carnaval que eu teria pela frente, O Silêncio da Chuva mostrou uma sinopse interessante para mim e não hesitei em levá-lo da minha livraria predileta.
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Sinopse: No centro do Rio de Janeiro, um executivo é encontrado morto com um tiro, sentado ao volante de seu carro. Além do tiro, único e definitivo, não há outros sinais de violência. É um morto de indiscutível compostura. Mas isso não ajuda: ninguém viu nada, ninguém ouviu nada. O policial encarregado do caso, inspetor Espinosa, costuma refletir sobre a vida (e a morte) olhando o mar sentado em um banco da praça Mauá. De um lado, um morto surgido num edifício-garagem; de outro, a incessante multiplicação de protagonistas do drama. Tudo se complica quando ocorre outro assassinato e pessoas começam a sumir.
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Não sei o que escrever nesta sinopse – essa é a verdade. Se por um lado o livro prendeu a minha atenção o tempo todo (ou pelo menos durante uma grande parte do tempo que usei para lê-lo), por outro lado eu constatei uma série de defeitos técnicos que, a meu ver, colocam a obra em um nível abaixo do normal.
Vou falar primeiro dos pontos positivos do livro.
O Silêncio da Chuva não é um romance policial que segue o roteiro dos outros milhões de livros do mesmo gênero, em que temos tudo sempre bem definido: o detetive empenhado no caso e ludibriado pelas testemunhas; os intermináveis interrogatórios que parecem não acabar nunca e não levam a nada; a narrativa desprovida de humanismo e que só discorre sobre o básico, não desperdiçando nada em palavras; e, depois disso tudo, a grande revelação do sujeito obscuro que jamais seria taxado de assassino.
No romance de Garcia-Roza, não temos nada disso, pelo menos não em larga medida. Os personagens parecem ter mais vida do que os personagens dos romances policiais convencionais, a trama não é inteiramente voltada para um caso principal e isolado, o detetive não é o mais inteligente do mundo e a narrativa se usa de técnicas e palavras que fogem às técnicas e palavras usadas convencionalmente em romances noir. Em se tratando de originalidade, pode-se dizer que O Silêncio da Chuva ganha pontos.
Depois que a Primeira Parte (relativamente enfadonha) é lida e chegamos à Segunda Parte, não paramos mais de ler o livro. Isso é fato. Findo o romance, fazemos o balanço da leitura e chegamos à conclusão de que valeu a pena lê-lo.
No entanto…
Analisando a obra sob um ponto de vista técnico (o que não deixa de ser necessário), encontramos vários defeitos bobos que nos mostram que o livro foi escrito por um iniciante. Um deles é o defeito de o narrador (em 3ª pessoa) não manter um padrão no modo como narra a história. Em determinados momentos, usa-se de certas palavras e expressões, e, em outros momentos, usa-se de palavras e expressões completamente opostos, como se Garcia-Roza escrevesse seu livro de acordo com o humor com que acordasse de manhã.
Sei quando essa variação no modo de narrar é fruto de um trabalho bem feito e previamente pensado, o que não é o caso do livro em questão. E esse defeito mostra-se mais pungente ainda nas palavras que o autor usa no final do livro, que, por razões óbvias, não vou comentar aqui, muito embora gostaria de fazê-lo.
Um outro deslize do livro reside no caráter do personagem principal, Espinosa, que, para alguém que já está a tanto tempo na polícia, mostra-se tão pouco competente. Durante o livro inteiro encontramos Espinosa confuso, abalado por questões afetivas bobas, com um raciocínio pouco funcional e cujo gosto incondicional por livros somente deixa transparecer a índole do próprio Garcia-Roza. Embora seja essa mesma confusão e humanidade de Espinosa que tenha feito com que eu gostasse dele, analisando as coisas tecnicamente vi que isso torna a história incongruente.
Para que eu não me delongue demais e o post fique grande, vou precisar as últimas falhas técnicas: 1) os motivos do assassino da história ficaram muito pouco verossímeis. Nada convincentes. Nada justifica o modo como ele agiu. Quem ler o livro, vai perceber isso. 2) O livro termina de forma tão abrupta que é impossível não ficar decepcionado. Além do mais, o modo como termina também é um fracasso, deixando o leitor como que abobalhado, dando a impressão de que, cansado de escrever o romance, Garcia-Roza sentou-se à sua mesa e redigiu a primeira coisa rápida que lhe veio à mente.
Bem, mesmo assim – mesmo depois de citar tantos defeitos – digo que O Silêncio da Chuva é um entretenimento normal e que salvou o tédio do meu feriado passado em casa.
A tempo: se O Silêncio da Chuva ganhou o prêmio Jabuti de Melhor Romance de 1997, é inegável que estamos precisando de romancistas melhores.
nss gostaria muito de conhecer vc pessoalmente amo seus livro ;p
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