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09 dezembro 2009

Ganhando Meu Pão, de Maksim Górki

"(…) expliquei a ela que viver era muito difícil e aborrecido e que, lendo, se esquecia isso." (p. 213)

Ganhando Meu Pão Górki

Dando oficialmente início ao Projeto Leitura de Férias (PLF) deste fim de ano de 2009, li o livro russo Ganhando Meu Pão (V Liúdiakh, 1916), em que o escritor Maksim Górki narra as memórias de sua pitoresca adolescência no final do século retrasado.

Este livro já estava em minhas mãos há muito tempo (muito tempo mesmo! Comprei-o há quase seis meses), mas só agora, com o advento das férias e o conseqüente esmoreciemento das atividades acadêmicas, tive uma oportunidade de lê-lo em paz.

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Sinopse (Cosac Naify): Neste segundo volume de sua trilogia autobiográfica, Górki narra os seus anos de formação, os primeiros trabalhos, leituras e experiências sexuais, a vida em meio à brutalidade e à penúria de uma Rússia ainda patriarcal. Entre as lendas e histórias do folclore, contadas com talento literário pela avó analfabeta, e a prosa dos grandes autores do país, que o menino descobre com fascínio, Górki forjou um estilo único.

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Ganhando Meu Pão é um livro que, antes de tudo, deve ser lido com atenção. Não é como ler um Haruki Murakami, por exemplo, ou um Júlio Verne, ou ainda um Michael Crichton, em que a narrativa é tecnicamente fácil de ser digerida e não é necessário recorrer a inúmeras notas de rodapé. Neste romance de Górki, desfila por nós (brasileiros do século XXI) um mundo totalmente diferente do que estamos acostumados: vê-se uma Rússia do século XIX onde homens espancam esposas com naturalidade, batem em criados e apostam brigas no meio da rua, além de terem também outras atitudes que não condizem exatamente com aquilo que chamamos de congruente.

É difícil imaginar, por exemplo, alguém dormindo em cima de um fogão. Digo isso porque há umas passagens em que Górki diz que determinada patroa sua dormia sobre o fogão da cozinha – e eu não cansava de tentar imaginar algo viável, possível, como alguém dormindo sobre um forno ou algo parecido. Às vezes é difícil encarar certas passagens de textos com uma idade já bem avançada por causa disso: não temos uma idéia muito precisa dos costumes da época em que o livro se passa, e é comum ficarmos perdidos no meio da narrativa, sem saber o que imaginar de um mundo para o qual não fomos apresentados.

Sem contar com os nomes em russo, com os quais não estamos acostumados e que nos fazem confundir personagens ou até mesmo esquecê-los, o que é ruim. De qualquer modo, apesar de todos esses empecilhos (que não são culpa do livro, naturalmente) a linguagem ágil e fácil de Górki nos chama a atenção e não deixa que nos percamos. Isto é, vale a pela ler o livro. Quem tiver cogitando a idéia de comprá-lo, compre.

Maksim Górki teve uma adolescência bem intensa, podemos dizer; ele passou uma boa parte da sua vida alternando entre estar na casa dos avós, estar na casa dos patrões (servindo como empregado doméstico) e estar prestando serviços em navios que cruzavam o rio Volga. E é nesses três ambientes que a narrativa do livro se espalha.

Na sua primeira viagem de navio (que ocorreu depois de ter abandonado a faina na casa dos patrões), Górki conhece um tipo interessante chamado Smúri, que lhe ensina algumas lições sobre a vida e lhe incute o hábito da leitura, muito importante para o futuro do jovem Maksim. De volta à terra firme, ele vai outra vez trabalhar na casa dos patrões, que lhe reprimem o ato de ler e lhe dão cada vez mais trabalhos domésticos, na tentativa de tomar o seu tempo. No entanto, nessa época, Maksim Górki conhece duas mulheres interessantes (Rainha Margot e a esposa do contramestre), que emprestam a ele livros de toda sorte e, conseqüentemente, despertam nele ainda mais o gosto pela leitura. Mais tarde, Górki viria novamente a ingressar em um navio – e, novamente, voltar para a casa dos patrões. (Detalhe: isso não é spoiler.)

Bem feitas as contas, eu diria que Ganhando Meu Pão é um livro interessantíssimo, além de muito bem desenvolvido. As passagens poéticas também são dignas de nota. Não é à toa que transformou-se em um clássico do gênero. Aliás, é impressionante também a memória de Górki, fotográfica: ele conseguiu narrar com uma total precisão de detalhes algo que já estava em um passado bem distante!

Pude me identificar enormemente com algumas partes da vida do autor. Gostei de quando ele partia em suas viagens de navio, as conversas que tratava com as pessoas mais velhas e o discreto desprezo que tinha para com os adolescentes acéfalos da sua idade (tal como eu). Sem contar com a cena final, que achei muito bonita e interessante.

É provável que um dia eu ainda leia o primeiro livro da série, Infância. Dizem que é o melhor dos três. Quanto ao Minhas Universidades, não tenho tanto a intenção de lê-lo.

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Abaixo, alguns trechos que achei bem interessantes. Valeu a pena transcrevê-los.

“Duas pessoas viviam dentro de mim: uma delas, tendo conhecido demasiada imundície e ignomínia, assustara-se um tanto com isso e, acabrunhada com o conhecimento terrível das coisas de cada dia, passava a tratar com desconfiança, com suspeita, a vida, os homens, com uma piedade impotente em relação a tudo, inclusive a si mesma. (…) Esse homem sonhava uma vida quieta, solitária, com livros, sem gente perto (…).

O outro, batizado com o espírito santo dos livros honestos e sábios, observando a força triunfal do terrível cotidiano, sentia com que facilidade essa força podia arrancar a cabeça dele, esmagar o seu coração com o pé imundo, e defendia-se com esforço, cerrando os dentes, apertando os punhos, sempre pronto a qualquer discussão ou combate.” (p. 425)

Lindo trecho. Este também é ótimo:

“E tem-se tanta vontade de dar um bom pontapé em toda a terra e em si mesmo, para que tudo, inclusive eu, passe a girar num alegre turbilhão, na dança festiva de pessoas apaixonadas uma pela outra, por essa vida, iniciada em prol de uma outra, bonita, animosa, honesta…

Pensava: Tenho que fazer alguma coisa comigo mesmo, senão estou perdido…” (p. 436)

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GÓRKI, Maksim. Ganhando Meu Pão. São Paulo: Cosac Naify. (1916)

Postado ao som de: Sailing to Philadelphia, by Mark Knopfler

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