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14 outubro 2012

Disco: Privateering, de Mark Knopfler

O mais recente álbum do músico inglês que nunca decepciona

Mark Knopfler – Privateering (2012)

Depois de mais ou menos três anos de espera, desde o lançamento de Get Lucky (2009), finalmente pude colocar as mãos no mais recente álbum solo do músico britânico Mark Knopfler: Privateering (2012), um disco duplo que totaliza 20 canções embaladas pelo gênero folk blues, tão apreciado por Knopfler. Fã incondicional do ex-líder da extinta banda Dire Straits, eu sempre acompanhei com entusiasmo as produções individuais de Mark – e posso dizer, com segurança, que nunca tive uma decepção real com aquilo que ele já compôs em todos esses longos anos.

Mistura equilibrada de country e folk blues, com uma leve e persistente presença do rock clássico, utilizando-se de instrumentos como sanfona, banjo e violino, Privateering é – assim como o disco anterior, Get Lucky – uma prova consistente e indiscutível da maturidade artística de Knopfler. Maturidade esta que, na verdade, ele sempre pareceu possuir, desde o distante trabalho em Golden Heart (1996), seu primeiro disco solo, em que já estavam presentes o bom ritmo, as letras com qualidade, a "ousadia comportada" característica do músico e a voz com timbre grave e sorumbático.

Mark já lançou sete discos solo até o momento. Com Privateering, ele dá algumas mostras de como anda sua tendência atual: uma simpatia pelo som norte-americano aliada à paixão pelas origens celtas. Essa união singular produz músicas belíssimas, como a balada "Kingdom of Gold" e a nostálgica "Haul Away". A faixa-título, "Privateering", é sem dúvida uma das melhores do álbum, e posso dizer que ela já era a minha preferida mesmo nas versões ao vivo que Mark Knopfler reproduziu nas suas últimas turnês.


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Get Lucky (2009) e Golden Heart (1996): álbuns com a maturidade sempre notável de Mark Knopfler


Ouvintes de Dire Straits podem estranhar o som de um álbum como Get Lucky, por exemplo, ou de Privateering, dada a enorme diferença entre o ritmo pop da antiga banda inglesa e a profundidade mais arqueológica do trabalho solo de seu ex-líder. Ao lado de grandes hits como "Sultans of Swing" e "Money for Nothing", faixas tais como "Redbud Tree" ou "Dream of the Drowned Submariner" podem soar monótonas, enfadonhas ou incompreensíveis. No entanto, bem feitas as contas, já na condição de guitarrista dos Straits, Mark Knopfler plantou sementes que mais tarde, em sua carreira solo, floresceriam. Essas sementes, vejo agora, eram músicas como as saudosas "Why Worry", "Ride Across the River" e "Lions", dentre outras.

Aos fãs de Knopfler, resta então se deleitar com este novo álbum, original, eclético, profundo e agradável aos ouvidos… e esperar pelo próximo trabalho deste músico que, apesar dos passeios que já fez pelos mais diferentes ritmos e solos, nunca decepcionou aqueles que cativou desde os anos 1980.

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Privateering (2012)

CD I

  1. Redbud Tree
  2. Haul Away
  3. Don’t Forget Your Hat
  4. Privateering
  5. Miss You Blues
  6. Corned Beef City
  7. Go, Love
  8. Hot or What
  9. Yon Two Crows
  10. Seattle

CD II

  1. Kingdom of Gold
  2. Got to Have Something
  3. Radio City Serenade
  4. I Used to Could
  5. Gator Blood
  6. Bluebird
  7. Dream of the Drowned Submariner
  8. Blood and Water
  9. Today is Okay
  10. After the Beanstalk

24 setembro 2012

Tremor, de Jonathan Franzen

"(…) você pode acabar se perguntando por que organizou a sua vida como se você não passasse de uma máquina voltada para a desprazerosa produção e o prazeroso consumo de mercadorias." (p. 332)

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Não é sempre que tenho a coragem necessária – e a disposição, e a iniciativa, e tudo o mais – para iniciar a leitura de um romance extenso em plena época de aulas, provas e estágios em laboratórios de pesquisa. Tremor (Strong motion, 2001), do super-aclamado escritor contemporâneo Jonathan Franzen, entrou para a lista dessas exceções às quais me dou o direito de conceder de vez em quando. E o resultado disso foi que, em meio a tantos assuntos acadêmicos que não permitem um mergulho maior na Literatura, me diverti (e refleti) bastante com a ajuda deste livro sensacional.

Franzen atualmente é muito citado nos suplementos literários como "o grande romancista norte-americano do início do século XXI", título que o deixa próximo da importância literária de um consagrado Philip Roth. Com a obra Liberdade (que penso em ler no futuro), este norte-americano de Illinois ganhou uma enorme projeção internacional que teve a força de trazer novamente ao mercado as edições de seus romances anteriores – dentre eles, Tremor, seu segundo trabalho.


Sinopse: Louis Holland chega a Boston numa primavera de acontecimentos estranhos – uma série de terremotos de origem suspeita atinge a cidade, e o primeiro deles mata a sua avó postiça, uma guru new age milionária. Durante a disputa pela herança, Louis se apaixona por Renée Seitchek, sismóloga brilhante que o ajudará a descobrir a verdade por trás dos abalos, mas os dois pagarão um preço alto por sua curiosidade ao desvelar os segredos de uma indústria química poderosa.


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Tremor é um exemplar perfeito daquilo que eu costumo chamar de obras "trans-gênero", que não pertencem na essência a nenhuma classificação exclusiva – sendo, antes, a mistura de dois ou mais gêneros tradicionais. Na realidade, grande parte da produção cultural de hoje (principalmente no cinema) está aderindo a essa corrente da quebra de gêneros. Neste livro, por exemplo, Franzen faz uma mistura totalmente equilibrada e lúcida de drama com thriller, o que no final das contas acaba agradando tanto os leitores que gostam de profundidade psicológica quanto os que gostam de enredos agitados por tramas corporativas, cheias de ação e espionagem. E ele faz isso costurando todo o eixo central com uma tocante e sensível história de amores incertos, paixões e laços familiares.

Lendo Tremor o leitor chega à conclusão de que Franzen faz parte daqueles escritores que adoram escrever, adoram contar histórias dentro de histórias e adoram explorar por todos os lados os dramas existenciais de seus personagens, o que inclui também fazer uma ou outra digressão extensa sobre o modo de vida na América. Franzen é um daqueles escritores que, em cada romance que escreve, procura retratar tudo o que existe no mundo, todas as situações prováveis e improváveis, todas as emoções e sentimentos, todas as reflexões sobre os mais variados assuntos. Neste livro que terminei de ler hoje, encontramos uma história que é perpassada por uma miríade de temas tão díspares quanto pode parecer à primeira vista a questão do aborto e a produção de conhecimento científico.


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Franzen: romances de temas amplos com foco nas relações humanas


Uma das coisas que mais agradam na escrita de Jonathan Franzen é que ele não subestima a inteligência do leitor. Com frases às vezes bastante floreadas, incertas, metafóricas demais (mas nunca incompreensíveis), o seu texto dá ao leitor a prazerosa sensação de estar sendo posto para refletir. Repleto de diálogos extremamente memoráveis (a começar pela visita que Louis faz à irmã, Eileen, logo no começo do livro), Tremor se consolidou na minha mente como um romance do qual sempre vou lembrar quando me encontrar em situações parecidas com as que os personagens viveram.

Embora um dos eixos principais do livro seja a investigação que Renée e Louis levam a cabo ao longo de boa parte da trama, o que sustenta o romance está longe de ser apenas esse detalhe. Em Tremor, o verdadeiro sumo da obra está nas relações entre os personagens, relações de amor, paixão, amizade, de família e de tudo. No fundo, Tremor não passa de um novelão, um novelão com qualidade e com uma série de eixos secundários interessantes. (Não posso deixar de mencionar aqui como as páginas 237, 238, 239, 240 e 241 fizeram um retrato assustadoramente preciso de uma situação de vida pela qual eu passava no momento da leitura.)

Resumidamente, é difícil escrever uma resenha coerente sobre um livro tão amplo e diversificado como Tremor, que abarca temas e assuntos tão diferentes e tão sensíveis, coisa que só quem lê na hora é capaz de entendê-los e aproveitá-los. Mesmo assim, fica a minha recomendação para quem pretender ler um livro memorável e muito significativo nos próximos tempos. No mínimo, o que você recebe em troca é a garantia de uma leitura riquíssima em entretenimento; no máximo, um romance que fica para sempre na memória.

11 setembro 2012

Aquecimento: "A arte de viajar", de Botton

"Uma obra elegante e sutil, sem igual. Encantadora."

The Times

Para que o Gato Branco não fique de novo sem uma atualização por mais de 20 dias (coisa que, detesto admitir, vem ocorrendo com certa frequência), venho aqui compartilhar as primeiras impressões de uma das futuras leituras que pretendo realizar nos próximos meses; uma leitura que, sobretudo, promete uma deliciosa viagem literária que envolve reflexões sobre arte, filosofia, cultura e, claro, mochilão nas costas.

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Contrariando minhas expectativas de começar a estudar a sério nos próximos meses, acaba de chegar pelo correio este belíssimo livro do escritor suíço (mas crescido na Inglaterra) Alain de Botton: A arte de viajar. Presente de minha mãe! Pela lida que dei na sinopse da orelha e pela folheada sagrada que costumo dar nos livros antes de começá-los de fato, pude ver que Botton mistura aqui relatos pessoais de viagem com reflexões extremamente agradáveis sobre música, pintura e filosofia – criando, assim, um caderno riquíssimo de experiências de vida que ele apresenta ao leitor. O livro já havia sido lançado pela Rocco em 2003, mas agora ganha novo tratamento pela Editora Intrínseca.

A edição é linda, com dezenas e dezenas de fotografias em preto e branco, gravuras antigas e ilustrações clássicas, além de quadros de autores como Van Gogh e Loutherbourg – só para citar dois. No meio desse caleidoscópio de imagens de extremo bom-gosto e muito bem selecionadas, há a prosa elegante e requintada de Botton, reflexiva, ampliadora, que faz um passeio incrível de corpo e alma com o leitor. Fica a recomendação para quem está procurando um livro bom. Aliás, fica aqui a prova da sua qualidade: em magros cinco minutos, li a esmo uns poucos parágrafos que me deixaram uma impressão indelével, além de uma forte ideia para meditações. Eis um desses fragmentos que pesquei em pouco tempo, com apenas algumas rápidas passadas de página:

(...) vi pela primeira vez o Homem por meio de objetos grandes ou belos; pela primeira vez comunguei com ele com a ajuda deles. E assim fundou-se uma proteção e defesa seguras contra o peso da perversidade, as preocupações egoístas, modos rudes, paixões vulgares que nos agridem por todos os lados do mundo ordinário em que transitamos diariamente.

- William Wordsworth


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Alguém consegue adivinhar de quem é esse quadro reproduzido aí, na parte inferior da página direita? Boa leitura para todos! :)

27 agosto 2012

Filme: A Vila

Excelente para refletir, profundo em sua ambição e – como às vezes acontece na história do cinema – injustiçado.

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Depois de quase oito anos tentando convencer meus amigos de que o filme A Vila (The Village, 2004) estava longe de ser o monótono e decepcionante suspense classe B que eles acharam que era, agora chego aqui no Blog para formalizar todas as minhas opiniões sobre o longa-metragem de M. Night Shyamalan – sobre o genial longa-metragem deste talentosíssimo cineasta, que hoje em dia, infelizmente, anda abrindo mão do estilo que o consagrou no início da carreira.

Como a crítica especializada teima em reconhecer, os primeiros filmes de Shyamalan produziram uma espécie de ruptura na tradição norte-americana do gênero de suspense, ao introduzir fortes elementos dramáticos nos enredos que conduziam as ações de seus personagens. O intuito principal de Sinais, por exemplo, além de ser o de provocar sustos e calafrios no público, era o de deixar o espectador refletir um pouco sobre vários conceitos da vida e da religião, de um modo geral, como fé, esperança e amor. Esses ingredientes diferenciados davam aos primeiros filmes do diretor indiano uma boa dose de originalidade e, sobretudo, qualidade, numa época em que os longas do gênero seguiam basicamente as mesmas fórmulas e composições consagradas.

A Vila, quarto filme de Shyamalan, é um dos melhores a que já assisti em todos os tempos, de todos os cineastas que admiro. Duramente criticado pelo público e pela mídia, este pode ser considerado formalmente como o primeiro fracasso do diretor – o que o levou a hesitar e a errar a mão em filmes posteriores, como foi o caso do fraco Dama na água e do ambíguo Fim dos tempos. Apesar de uma parcela enorme dos cinéfilos detestar A Vila, há pessoas que, como eu, lutam pelo reconhecimento da qualidade indiscutível das ideias que orbitam ao redor da trama deste filme.


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Um dos cartazes do filme que privilegiam o silêncio e o mistério


A primeira coisa que me faz admirar imensamente A Vila é de ordem técnica. Duas coisas, na verdade: a fotografia conduzida por Roger Deakins e a direção geral de Shyamalan (a movimentação da câmera, o cenário, a inserção de novos elementos no momento correto etc.). O resultado dessa combinação intrínseca é o visual fantástico que faz o filme funcionar e arremessa o espectador para a atmosfera desejada. Aliás, todos os filmes do cineasta indiano têm essa qualidade tão patente: o visual dinâmico, o movimento original. A cena em que o personagem Noah crava uma faca na barriga de Lucius é soberba, não pelo seu conteúdo em si – já bastante notável –, mas pela composição original dos quadros.

A segunda coisa que me encanta em A Vila é, naturalmente, o enredo e, principalmente, a ideia geral do filme. A propósito, costumo dizer que metáforas e alegorias são aquilo que A Vila possui escondido na manga, cuja cartada é dada nos momentos finais, quando o espectador finalmente compreende a dimensão das propostas do filme: a coerção de autoridades, o poder político, a perpetração de um estado de medo como controle social, a influência da superstição no comportamento humano, a alienação, a exclusão comunitária, a violência nos grandes centros urbanos, dentre outros temas suscitados muito nitidamente ao longo da obra.


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M. Night Shyamalan: filmes de suspense que vão além dos sustos


Boa parte das pessoas não gostou do filme porque, segundo o que elas mesmas me relataram (e pelo que pude ler em diversos sites), o final foi decepcionante e os momentos em que os bichos de fato aparecem são poucos e bobos. Admito que elas têm o direito de encontrar nisso um argumento plausível, mas, para mim, é justamente a surpresa do final "decepcionante" que faz de A Vila um grande filme, capaz de desconstruir o gênero no qual se insere e colocar o espectador para pensar por conta própria. Aliás, esta é uma das características fundamentais dos primeiros filmes do diretor: respeitavam a inteligência do público, forçavam uma reflexão, estabeleciam conexões com temas cotidianos que envolvem a todos nós, indo muito além dos simples barulhos-altos-que-provocam-sustos.

De todo modo, resumo esta situação em algo mais simples, que não entra no mérito da inteligência de quem assiste ao filme. Em determinados momentos da nossa vida de cinéfilo, somos levados a querer dos filmes de suspense algo mais que sustos, arrepios e calafrios: uma história bem montada, uma história mais profunda, atuações boas, eventos surpreendentes, como em Hitchcock. Isso acontece também com os filmes de comédia, em especial: de vez em quando cansamos de olhar para as caretas de Eddie Murphy e vamos à procura de uma comédia inteligente que atice nossos neurônios. E A Vila se encaixa justamente nessa categoria, nessa ordem de filmes a que assistimos porque estamos à procura de algo mais. A Vila é diferente, um longa-metragem de suspense ambicioso, que, para as pessoas que se interessam em traçar alegorias e reflexões depois de sair do cinema, é extremamente bem-vindo.