Toda semana da minha vida parece conter em si um episódio que me faz pensar muito sobre como as coisas andam na nossa sociedade. Geralmente são acontecimentos simples, até meio bestas, irrisórios, mas que conseguem me lançar em uma verdadeira consideração sobre alguns aspectos cotidianos. Às vezes estou até distraído; mas quando esses eventos ocorrem, não consigo mais pensar em outra coisa senão no que eles despertaram em mim.
Ontem de manhã, participei de uma aula sobre pesquisa em banco de dados virtual na universidade. Essa é uma aula que, dentre outras coisas, nos ensina a acessar e usar os bancos de informação existentes no meio acadêmico relacionado às mais diversas áreas. Alguns domínios, como o Academic Search Elite, por exemplo, permitem ao aluno da universidade acessar artigos e livros científicos internacionais, publicados em várias revistas e periódicos de outros países. Aquele que domina a língua inglesa tem, praticamente, um mundo de conhecimento à sua frente.
Quem tem medo de literatura clássica?
Mais ou menos no final da aula, a instrutora (uma jovem e inteligente bibliotecária) admitiu que, como ainda tínhamos algum tempo livre, queria nos mostrar "uma coisa interessante". Acessando o domínio do Portal da Pesquisa, ela começou a listar na nossa frente dezenas de títulos nacionais do campo da literatura clássica: "E isso aqui", ela disse, rolando a tela do computador em que aparecia uma miríade de links, "isso aqui nos permite ter acesso a grandes obras nacionais, aquelas que vocês leram no Ensino Médio, como Iracema, Dom Casmurro e O cortiço". Vi nomes como Graciliano Ramos, Guimarães Rosa e João do Rio.
Atrás de mim, uma menina resmungou: "Argh!"
Não tive como deixar de pensar que isso resume como a maioria das nossas escolas, ao invés de incentivarem o gosto pela leitura nacional consagrada, só tornam as coisas mais difíceis. Entendo que, quando os tempos mudam, mudam-se os gostos, e é no mínimo ingenuidade querer que os jovens de hoje apreciem e se deleitem com livros que foram escritos há um século, obras românticas que possuem linguagem arrastada, floreada e de difícil compreensão. Não é a idéia certa querer que louvem Machado de Assis ou José de Alencar. Não.
O problema é que nossos colégios de Ensino Médio (ou a maioria, devo frisar, para não cair em generalizações) não estimulam da maneira como deveriam a leitura e, principalmente, o respeito pelos clássicos brasileiros. Eu mesmo vim de um colégio do Ensino Médio cuja única preocupação era resumir as obras em estudos dirigidos e em simulados que sempre castravam nove décimos do valor artístico do livro. Pelo que soube mais tarde, através de colegas que estudaram em outras instituições, a realidade é a mesma nas mais diversas escolas do Brasil: transforma-se grande obras nacionais em apostilas de estudo, que você não deve ler por prazer, mas decorando cada capítulo como se fosse uma questão de vestibular em potencial.
Edição de Iracema e O cortiço: por que tanta aversão por parte dos jovens?
Como eu disse, a relação dos jovens com os clássicos deve estar para além do gosto pessoal. É o que eu acho. Não penso que os adolescentes brasileiros do século XXI devam idolatrar Castro Alves, por exemplo, ou Visconde de Taunay. Mas eles devem, sim, entender a importância desses autores para a construção da nossa literatura – e da nossa identidade, conseqüentemente. E o respeito aos grandes clássicos é o mínimo que devemos exigir.
O que acontece é que a maioria dos professores não explica a importância do livro, seu contexto histórico, quando foi escrito, por quem foi escrito e, principalmente, com que finalidade foi escrito. A única coisa que dizem é: "Leia e estude, porque isso é questão de vestibular". Às vezes, destilam a biografia do autor de maneira sistemática e seca, transformando-a em dados a memorizar. Não há uma pessoa sequer que se sinta à vontade com isso. Por que reclamar dos jovens, se são as escolas que criam essa lógica, na maioria das vezes?
Aí aparece um suposto entendido do assunto e coloca uma pergunta na avaliação do tipo: "O que Machado de Assis quis dizer com 'olhos de cigana oblíqua e dissimulada'"? A resposta certa, aquela que deveria ser estimulada, é: nada que possa ser resumido em um item de questão objetiva. Mas quem vai se atrever a educar nossos alunos a partir desse princípio?
Uma das razões que afastam os jovens da leitura surge justamente da escola, esta instituição que deveria distribuir o saber, mas que, em suas malogradas tentativas de valorizar a cultura brasileira, incentivam jovens a lerem livros maçantes, como Graciliano Ramos, Machado de Assis, Alvares de Azevedo, Guimarães Rosa, entre outros. Este primeiro contato com escritores que guardam ares de grandes pensadores, mas que, em relação a suas qualidades literárias, estão muito abaixo de outros escritores clássicos, não somente não incentivam os jovens a leitura, mas causam o efeito oposto, uma aversão diante de toda literatura clássica. Não dá para admitir que os livros de Machado de Assis, por exemplo, sejam tão tocantes quanto os de Orwell por exemplo. Se as escolas incentivassem livros que respondem não a uma cultura ou um país, mas à alma, livros como o de Dostoiévski, garanto que muito mais jovens se interessariam por literatura de qualidade. Infelizmente, a realidade é esta: quase toda a literatura brasileira é enfadonha. Sob o pomposo palavreado que você repete aqui de nossos professores, “temos que respeitar e incentivar a literatura brasileira, estes livros são importantes para conhecermos nossa história, nossa cultura e nossa sociedade, se não fizermos isso ninguém fará!” etc etc a visão de que toda literatura clássica é desinteressante se espalhará cada dia mais em nossa sociedade. Nosso país, nossos amigos, nossa família, nossa cultura já fazem o dever de incentivar este cego patriotismo/nacionalismo que limita a alma dos jovens a um país, a uma fronteira. Não necessitamos da escola para fortalecer este patético dever patriota. Esta deve se ocupar de funções mais elevadas.
ResponderExcluirOs jovens deveriam ser ensinados desde cedo que nossa cultura não é mais importante que qualquer outra cultura, toda cultura é tão importante quanto qualquer outra. Porém, há uma cultura mais importante do que todas as demais, e esta é a cultura pessoal, subjetiva, que nasce de sua própria alma e que não responde por nomes ou por nações. Esta cultura que pertence somente a mim não se limita a fronteiras, criação feita pelo homem, mas se expande numa comunhão com a terra e a humanidade. Todo homem deveria se tornar um cidadão do mundo e toda literatura de qualidade deveria ser incentivada independentemente de quem escreveu ou de quando escreveu. Estas questões são secundárias.
Olá!
ResponderExcluirDesnecessário dizer que seu comentário tornou a postagem muito, muito mais rica! Concordo com suas palavras, você realmente resumiu bem a situação do nosso sistema educacional voltado à literatura. Persiste-se em uma metodologia que já é ultrapassada e que, em vez de ajudar e estimular a leitura nos jovens, faz justamente o contrário.
Muito obrigado pela visita e pelas palavras! Seja sempre bem-vindo.
Abraços,
Marlo Renan.