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27 dezembro 2010

O seminarista, de Rubem Fonseca

"Para um matador profissional a pior coisa do mundo é ter uma consciência (…)" (p. 9)

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Depois de voltar do shopping center com o DVD do filme Sete anos no Tibet nas mãos (filme belíssimo, talvez mereça um artigo aqui), eu sentei na minha querida poltrona da varanda do apartamento e finalizei a leitura de O seminarista (2009) – presente de um amigo meu, o grande Marco.

O livro foi escrito por um renomadíssimo contista brasileiro, Rubem Fonseca, 85 anos, já agraciado com diversos prêmios que dão inveja a muitos escritores, como é o caso do Prêmio Camões (recebido por ele em 2003), tido como o maior troféu literário da língua portuguesa.


Sinopse: Para o protagonista de 'O seminarista', matar não causa remorso, mas também não causa prazer. É apenas seu trabalho que lhe permite se dedicar àquilo que realmente ama – livros, filmes e mulheres. 

Quando, no entanto, decide que já é hora de abandonar a profissão, descobre que não é tão imune aos efeitos de seus trabalhos e de suas escolhas como acredita ser, e tem que enfrentar fantasmas de um passado que pensa ter superado.


O meu plano inicial era ficar mais ou menos uma semana lendo O seminarista, dia após dia; mas, no fim das contas, só precisei de uma terça e uma quarta-feira. Se duvidar, é possível ler este romance de Rubem Fonseca em um único dia.

Obviamente, isso reflete o caráter dinâmico do livro. O narrador, em primeira pessoa, conta a história totalmente desprovido de rodeios, e assim o enredo avança como uma água turbulenta impelida pela correnteza, sem obstáculos, fluindo acelerada. Eu acho isso agradável quando o livro se propõe basicamente a entreter o leitor, o que é o caso de O seminarista – e ele consegue entreter muito bem.

Portanto, não se pode esperar muita coisa do romance em matéria de reflexões ou filosofia, porque Rubem Fonseca não se compromete a tecer conjecturas a esse nível. Aliás, é difícil encontrar um romance-policial que se comprometa a fazer isso. Eu diria que a ordem primordial é entreter a pessoa que está lendo.


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Rubem Fonseca naquilo que eu imagino ser a sua biblioteca particular


Não sei se o que vou dizer agora é um defeito ou uma parte integrante da história – para mim foi uma mistura das duas coisas –, então vou tentar falar apenas como mero comentário: muita coisa acontece aleatoriamente durante o enredo. Eu entendo que algumas coisas são assim porque devem ser assim na história, como por exemplo o encontro "acidental" de Kirsten com José Kibir. (Nada do que eu digo aqui é spoiler.)

Mas outros acontecimentos, como o surgimento do personagem Gralha, são tão aleatórios que parecem estar ali apenas para ajudar o escritor a encontrar uma saída rápida para o problema do desenvolvimento da história. Fiquei com essa impressão, que pode ser equivocada; todos os fatos estarão ali contados sob o comando de um mosaico maior? Decidir isso fica a cargo do leitor.


Não dou muita bola para essa coisa de natureza, prefiro rua, casas, gente andando nas calçadas para lá e para cá, carros trafegando no asfalto, mas tem duas coisas que eu gosto: árvore e pôr do sol. Nascer do sol, também. (p. 95)


Muitos leitores que conheço ficaram aborrecidos com o fato de que o protagonista vive citando provérbios em latim ao longo do texto (lembrando que, como ex-seminarista, ele estudou latim na academia). De minha parte, ao contrário, achei isso um ponto bacana do livro, porque tais frases em latim sempre vêm acompanhadas da tradução e, como foram proferidas por sábios no passado, são sempre belas frases.

Aliás, as frases mais filosóficas do livro são essas. Uma de que gostei bastante foi do Luís de Camões: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades.

Por fim, resta dizer que o leitor de O seminarista terá uma dura tarefa pela frente: desvendar um enigma que Rubem Fonseca não se deu ao trabalho de desmistificar. Inevitavelmente, o leitor vai se deparar com um fato absurdo e evidente que promete pôr em parafuso a cabeça de muito neguinho e que o autor, pairando acima de nós e sorrindo, se recusa a explicar.


Conclusão: ótimo passatempo. Se você estiver com a lista de livros por ler em dia (e com uma vaga a preencher), vale a pena conferir o trabalho de um famoso escritor nacional.

20 dezembro 2010

Não há silêncio que não termine, de Ingrid Betancourt

"(…) o apaziguamento por ter reencontrado minha liberdade não podia nem de longe ser comparado com a intensidade do martírio que vivi." (p. 38)

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Agora que o inverno finalmente chegou em Fortaleza, posso fazer aquilo que adoro, e pelo qual eu substituo qualquer outro programa: ler na poltrona da varanda do meu apartamento, acompanhando com a vista as pesadas nuvens cinzas que vão na direção leste-oeste, sopradas pelo vento frio que vem da praia.

Foi assim que finalizei hoje a leitura de Não há silêncio que não termine (Même le silence a une fin, 2010). Este fascinante livro escrito pela ex-candidata à presidência da Colômbia, Ingrid Betancourt, é o relato dos quase sete anos que a refém política passou na selva amazônica, junto com outros prisioneiros, nas mãos da guerrilha narcotraficante intitulada Farc.


Sinopse: Este livro conta a história da ex-senadora colombiana Ingrid Betancourt, que passou 6 anos como prisioneira na selva amazônica. Capturada pelas FARC, uma guerrilha colombiana, ela sofreu humilhações e passou por momentos difíceis. Aqui, Ingrid conta como foi seu cativeiro nas mãos dos guerrilheiros de uma das mais perigosas facções do mundo. 

Leia capítulos do livro aqui.


O livro conta a história de Ingrid desde umas poucas semanas antes do seqüestro, em fevereiro de 2002, até o dia em que foi finalmente resgatada pelo Exército colombiano, em julho de 2008. Temos aí, portanto, seis anos e cinco meses condensados em 550 páginas e 82 capítulos.

Duas coisas me estimularam a ler Não há silêncio que não termine. Primeiro, sempre me interessei por este tipo de história, em que pessoas são submetidas a situações extremas e passam um longo tempo fora do contato com o mundo como o conhecemos (me interesso tanto que basta dizer que tenho na minha estante Milagre nos Andes, Os sobreviventes, Na natureza selvagem e, porque não, Sete anos no Tibet).

Essas provações pelas quais as pessoas passam me fascinam porque sempre adorei acompanhar as mudanças que se operam dentro de cada indivíduo protagonista da história em questão. Para mim, existe algo de mágico em extrair as lições que eles aprenderam, a trilhar os caminhos que eles trilharam e, até mesmo, a sofrer tudo o que sofreram. Milagre nos Andes talvez seja o exemplo mais categórico disso que estou falando. O único aspecto inconveniente desse tipo de história é que, quando o relato é contado em primeira pessoa, sem dúvida ele está correndo o risco de ser parcial.


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Ingrid Betancourt poucas horas antes do seqüestro, em fevereiro/2002


Bem. O segundo fator que me estimulou a ler o livro de Ingrid foi o seu estilo de escrita: assim que peguei o volume nas mãos, observei que os parágrafos eram a um só tempo enxutos e minuciosos, elegantes, claros, poéticos e acima de tudo cativantes. É o estilo de escrita que eu sempre elogio nos livros e do qual mais gosto. Não são todas as pessoas que conseguem escrever assim.

Aliás, a habilidade de Ingrid com as palavras é tão grande que eu não me surpreenderia se ela tivesse decidido seguir a carreira de escritora, em vez de atuar na política. Assim como não me surpreenderia se, como escritora, ela fizesse bastante sucesso no mundo todo.

Uma das coisas mais agradáveis do livro é que ele é narrado em forma de thriller de aventura, e freqüentemente encontramos passagens de ação, mesmo, como nos capítulos em que Ingrid é obrigada a arrumar suas coisas às pressas para fugir pela selva dos helicópteros do Exército que rondam o acampamento guerrilheiro. Todas essas cenas seriam muito mais empolgantes, claro, se o sofrimento da autora não tivesse sido real, mas apenas um romance.

O ritmo de thriller do livro faz com que os capítulos sejam curtos, mal chegando a 10 páginas cada um. Além disso, a linearidade dos capítulos torna o relato mais parecido ainda com um romance, com início, desenvolvimento e desfecho. Em suma, quem quiser ler Não há silêncio que não termine como uma ficção (coisa impossível, para dizer a verdade), vai acabar encontrando um prato cheio.


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Foto mais conhecida de Ingrid no cativeiro. Ela foi batida durante uma filmagem divulgada em 2008, que mostrou que ela ainda estava viva


Um dos fatos que mais surpreendem durante a leitura é a constatação de que os filhos da autora cresceram bastante enquanto ela era feita prisioneira e passava dificuldades na selva. Mélanie, por exemplo, tinha 16 anos quando sua mãe foi capturada, e só voltou a vê-la aos 22 anos.

Por fim, fiquei extremamente surpreso também ao ler a seguinte passagem, que não deixa de ser curiosa. Tomei a liberdade de reproduzi-la na íntegra. Ingrid estava deitada em sua rede, abatida, ouvindo rádio no acampamento das Farc, até que…

"Tive o prazer de escutar, por acaso, uma reprise das melhores músicas do Led Zeppelin, e chorei de gratidão. 'Stairway to heaven' era o meu hino à vida. Ouvi-la me fez lembrar que eu tinha sido criada para ser feliz. Entre os que me eram próximos, quem quisesse me agradar me dava um disco do Led Zeppelin de presente. Eu tinha todos. Tinham sido o meu tesouro no tempo em que se ouvia música em discos de vinil.

Sabia que, entre os fãs, era malvisto gostar de 'Stairway to heaven'. Tinha se tornado demasiado popular. Os entendidos não podiam partilhar os gostos das massas. Mas nunca reneguei meus primeiros amores. Desde os catorze anos, tinha certeza de que aquela música havia sido composta para mim. Quando tornei a ouvi-la naquela selva impenetrável, chorei ao redescobrir a promessa que desde muito ela me trazia: And a new day will dawn / for those who stand long / and the forest will echo with laughter."

Nem preciso dizer que me senti muito mais próximo dela depois dessa página, não é?


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Ingrid Betancourt (segunda à esquerda em primeiro plano) ao lado de sua mãe e onze militares responsáveis por seu resgate


Conclusão: Não há silêncio que não termine foi uma das melhores aquisições que fiz esse ano. Embora se trate de uma história dramática, é um livro extremamente prazeroso de se ler, cativante, instigante, emocionante. Sem dúvida nenhuma, muitíssimo recomendado.


A seguir, disponibilizei a entrevista de Jô Soares com a autora. Vale a pena conferir!

Todos os direitos reservados
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13 dezembro 2010

As 100 maiores personalidades da história, de Michael H. Hart

"(…) cada pessoa incluída é um dos verdadeiros personagens monumentais da história mundial." (p. 33) 

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Para não deixar o blog entregue às moscas, abandonado e esquecido no tempo, passei hoje a tarde a pensar em um assunto que pudesse constituir um texto com o objetivo de suprir a pausa de duas semanas nos artigos daqui.

Eis que decidi, no último instante, escrever alguma coisa sobre As 100 maiores personalidades da história (The 100: a ranking of the most influential persons in history, 1978, revisado em 1992), escrito pelo astrônomo norte-americano Michael H. Hart, portador de um currículo invejável que mostra sua formação e especialização tanto em ciências humanas quanto em ciências exatas.


Sinopse: As 100 Maiores Personalidades da História apresenta as biografias, a maioria delas acompanhada de fotos e ilustrações, das pessoas que mais influenciaram a nossa história e a formação do mundo.

Tudo com base na pergunta: "Dos bilhões de seres humanos que viveram sobre a Terra, quais os que mais influenciaram o curso da História?" O autor apresenta um desfile cronológico de homens e mulheres que conduziram o destino da humanidade.


As 100 maiores personalidades da história foi um livro que herdei de meu avô, não como herança propriamente dita, mas mais como fruto de um legado acidental. Nas semanas que precederam sua morte, ele me emprestara o livro e, quando finalmente morreu, não me restou alternativa senão ficar com o volume de lembrança. Até hoje, guardo a impressão de que, através de um mecanismo genético desconhecido, eu nasci com o seu amor incondicional pela leitura.

Isso aconteceu há muitos anos e eu ainda era muito novo, mas lembro que o livro de Hart me atraiu porque se ousava a fazer uma lista das 100 mais importantes pessoas que já passaram por este mundo; e a sensação de polêmica ficou mais inflamada ainda quando vi que Isaac Newton havia ficado na frente de Jesus Cristo – ou seja, a "ciência" estava na frente da "religião".

É lógico que todas as personalidades da lista foram selecionadas arbitrariamente, e suas posições não são nem de longe definitivas. Aliás, cabe deixar claro que as posições ocupadas por certas figuras na relação não devem ser encaradas como pano de fundo para polêmicas, tanto mais porque o próprio autor tem consciência de que seu ranking é seu ranking, e tem o objetivo de apenas suscitar reflexões nos leitores, e não de lhes impor uma hierarquia de celebridades.

O resultado é que, em vez de tirar o atrativo do livro, essa arbitrariedade na seleção e nas posições só faz aumentá-lo, porque você pode organizar as personalidades a seu bel-prazer e até mesmo incluir outras, ausentes da lista. No fundo, a compilação de Hart está ali mais para instruir o leitor acerca da importância das figuras históricas do que para mostrar um ranking "competitivo".


A maioria dos cristãos considera a regra Amai seu inimigo – no máximo – ideal a ser alcançado em algum mundo perfeito, mas preceito racionalmente impraticável para a conduta neste mundo. (…) O ensinamento mais proeminente de Jesus permanece, portanto, como sugestão instigante, mas basicamente não praticada. (p. 65)


Basicamente, o que um livro com um tema tão intelectual como esse poderia ter de especial para atrair a atenção de um pirralho como eu? Sem dúvida nenhuma, a linguagem usada por Hart. Ela não traz nada daquela rigidez dos textos acadêmicos históricos, e mostra-se bem fluida, leve, instrutiva – quase como um texto de revista. É bom lembrar que essa linguagem não quer dizer que o livro seja superficial; é, antes de tudo, acessível, gostoso de ler.

E a leitura de suas 600 páginas não se torna cansativa também por conta de outro fator: cada personalidade tem a sua "biografia" resumida em quatro ou cinco páginas, no máximo. Hart se preocupou apenas em tecer a idéia central da contribuição de cada figura, além de algumas curiosidades e o porquê de sua presença na lista. Bem bacana. Dessa maneira, os "capítulos" acabam ficando bem curtos.


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As 100 maiores personalidades da história faz parte de um grupo de livros escritos por pessoas diferentes, mas com o mesmo objetivo: fazer uma lista das 100 maiores "coisas" da humanidade. A Editora Difel, responsável pelo lançamento dos livros aqui no Brasil, já publicou alguns títulos interessantes, como esses da imagem de cima. Há também um que compila os 100 livros mais influentes da história, cuja capa eu não encontrei na internet para compartilhar aqui (não sei se ele oficialmente faz parte dessa coleção).


Todos os títulos da coleção:

- As 100 maiores catástrofes da história;

- As 100 maiores invenções da história;

- Os 100 maiores mistérios do mundo;

- Os 100 maiores líderes militares da história;

- As 100 maiores personalidades da história;

- Os 100 maiores cientistas da história.


Conclusão: leitura leve e prazerosa, além de instrutiva. Recomendado.