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30 novembro 2010

Música: Echoes, do Pink Floyd

"Lá em cima os albatrozes se mantêm imóveis no ar…"

Meddle

"Meu pai tem esse vinil lá em casa. Com a música Echoes", disse-me Natália, ontem, enquanto almoçávamos no campus da universidade. Eu tinha dito a ela que estava pensando em escrever algo no blog sobre Pink Floyd, especialmente sobre um dos álbuns mais reverenciados pelos fãs da banda: Meddle.

Não perdi a chance que se desenhou à minha frente, de modo que fomos hoje à casa de Natália e conversamos com o pai dela, um sessentão forte e desenvolto, bronzeado. Como eu suspeitara que a nossa conversa seria não menos que boa, levei o meu gravador e o deixei ligado à vontade, enquanto bebíamos xícaras de café.


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Wright, Waters, Manson e Gilmour: formação definitiva


Num determinado ponto da conversa, descobri que, quem é fã de Pink Floyd e tem mais de 40 anos de idade, certamente se deparou com uma coisa muito curiosa na época: ao adquirir o álbum Meddle, os floydmaníacos viram na setlist que o Labo B do bolachão continha apenas uma única música, isolada totalmente das 5 outras que compunham o Lado A. Coisa idêntica havia acontecido apenas um ano antes, quando Atom Heart Mother fora lançado e, dessa vez no Lado A, havia apenas uma única faixa.

Isso pareceu esquisito demais para a maioria das pessoas (o pai de Natália, por exemplo, achou que o Pink Floyd faria isso em todos os álbuns posteriores), até elas descobrirem que Echoes tinha um pouco mais que 23 minutos de duração, tal como a primeira música de Atom Heart Mother. As pessoas não tinham como saber que aquela era apenas mais uma das mais longas músicas de Rock Progressivo de todos os tempos. Atom Heart Mother Suite e Echoes eram tão grandes que só mesmo um lado inteiro de vinil poderia comportá-las.


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Capa de Atom Heart Mother e o Lado A: apenas uma música


De toda a vasta preferência do pai, Natália herdou apenas o gosto por The Dark Side of The Moon, o álbum posterior a Meddle, que provavelmente alavancou o Pink Floyd às nuvens da consagração em 1972. Mas, como eu, o pai da minha amiga acha que foi Meddle o verdadeiro motor propulsor do que mais tarde viria a ser a mais emblemática banda de Rock Progressivo de nosso tempo. E, como eu, ele tem toda uma interpretação particular de Echoes.

Como toda boa música do gênero, Echoes possui o que chamamos de "compartimentos", ou seja, "ritmos instrumentais" diferentes contidos dentro da mesma música, que passa então a ser chamada de suíte. Um compartimento sucede o outro, e o ouvinte é levado a acompanhar os seus diferentes embalos ao longo de toda a suíte – cada um dura cerca de 5 minutos em Echoes. Desse modo, a faixa não possui uniformidade, mas é constituída de recortes.

O primeiro recorte começa com uma única nota do teclado de Richard Wright, que, soando vez após vez, lembra sons de pingos em água. Pouco depois, surge a voz suave da guitarra de David Gilmour, até que entram a bateria de Nick Manson e o baixo de Roger Waters.


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Capa de Meddle e o Lado B: mesma coisa


A descrição de cada "compartimento" da suíte não é interessante aqui, porque qualquer tentativa de transformar Echoes em palavras é fracassada. De qualquer modo, meu trecho preferido na música é aquele entre os 14:30 e os 18:45 minutos. Como o pai da minha amiga disse (faço minhas as palavras dele):

"Tudo parece se renovar aí. Sempre que ouço esse trecho, vem à minha mente a imagem de tudo se regenerando, do sol saindo por trás das nuvens, da névoa se dissipando, das flores desabrochando, de alguém prestes a atingir o topo de uma montanha, da iminência de algo grandioso e inevitável…"

Quando a guitarra de Gilmour "explode" numa mixórdia de acordes aos 18:14, eu, particularmente, imagino uma sucessão de imagens totalmente aleatória. Imagens de todos os tipos, retratando todas as coisas. Se existe algo parecido com um orgasmo em uma música, é provavelmente nesse trecho de Echoes que a gente o encontra. Eu acho.

Por fim, o pai de Natália, meu mais recente amigo floydiano, disse que tinha o costume de ouvir essa música quando estava deprimido. Eu disse que coisa parecida ocorre comigo. Echoes acalma o espírito; as coisas parecem se encaixar no mundo; tudo encontra o seu lugar no plano da existência. E isso não é apenas por falar: é um sentimento genuíno, que de fato mexe com as essências.

22 novembro 2010

O Ponto de Mutação, de Fritjof Capra

"Uma das coisas mais difíceis de serem entendidas pelas pessoas em nossa cultura é o fato de que se fazemos algo que é bom, continuar a fazê-lo não será necessariamente melhor." (p. 38)

O Ponto de Mutação Fritjof Capra

Na semana passada, depois de voltar do sufoco do centro comercial da cidade, sentei na minha poltrona predileta e finalizei a leitura do livro O Ponto de Mutação (The Turning Point, 1982), ensaio bastante famoso escrito pelo físico austríaco Fritjof Capra, autor do também best-seller O tao da Física.

Capra é muito conhecido no mundo todo por sua visão holística da realidade, visão essa que condena todos os paradigmas fragmentados da Ciência e abraça uma concepção inter-dependente dos fenômenos que a própria Ciência estuda.


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Sinopse: Neste livro, Capra compara o pensamento cartesiano ao paradigma emergente no século XX. O primeiro é reducionista e modelo para o método científico desenvolvido nos últimos séculos. O segundo, holístico ou sistêmico, vê o todo como indissociável; o estudo das partes não permite conhecer o funcionamento do organismo. As comparações são feitas em vários campos da cultura ocidental atual, como a medicina, a biologia, a psicologia e a economia.


O Ponto de Mutação foi um dos melhores livros de não-ficção – provavelmente, o melhor – que li até hoje. Até então, nunca vira a Ciência tão unida, tão compenetrada, tão veiculada a um único objetivo comum. Depois de tê-lo lido, larguei de vez a idéia de que possam existir ao menos duas áreas da Ciência que não se complementam ou, pior, que se rivalizam. Isso realmente não pode existir. A natureza manifesta-se de uma forma surpreendentemente harmônica, e a Ciência, que a estuda, não pode ser diferente.

O livro é dividido em quatro grandes unidades, a saber: "Crise e transformação", "Os dois paradigmas", "A influência do pensamento cartesiano-newtoniano" e "A nova visão da realidade". No início, Capra nos alerta para a crise planetária na qual a sociedade humana, no final do século XX, está inserida. E tal crise é multifacetada, abrangendo desde problemas como a corrida armamentista  (lembrando que o livro foi escrito na década de 80) até a fome mundial e a concepção de saúde em Medicina.

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O tao da Física e A teia da vida

Na unidade seguinte, o autor traça um corte histórico da sociedade humana nos séculos passados e mostra como os pensamentos de René Descartes e, depois, Isaac Newton modelaram a concepção de mundo que até hoje nós insistimos em ter: fragmentada, causal e independente. Tal concepção cartesiana-newtoniana pode ter se mostrado muitíssimo frutífera no tempo de Descartes e Newton, mas, na nossa sociedade atual, tal visão de realidade é extremamente limitada e pouco elucidativa – portanto, ultrapassada.

E este é o principal objetivo do ensaio: mostrar como essa visão ultrapassada agora se manifesta perigosa, na medida em que aplica conceitos obsoletos a aspectos vitais de nossa existência, como por exemplo à Medicina, à Psicologia, à Economia ou à Biologia. Partindo da famosa divisão cartesiana mecanicista entre mente e corpo, os médicos negaram que processos psicológicos podem influenciar o organismo biológico, e, também, os psicólogos passaram a negar a influência do organismo biológico no nível mental.

Passeando por áreas tão diversas com uma propriedade inabalável, o autor se mostra ele mesmo holístico, interligando conceitos de uma área à outra na mesma frase ou parágrafo. Além disso, convém dizer que Fritjof Capra é um pesquisador extremamente inteligente e minucioso – o que dá gosto em sua escrita –, embora ele afirme modestamente no prefácio: "(…) estou perfeitamente cônscio de que a apresentação (…) será fatalmente superficial, dadas as limitações de (…) meus conhecimentos".

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Pôsters do filme baseado no livro

Depois de evidenciar como a concepção mecanicista de Descartes e Newton influencia negativamente a Ciência de nossa sociedade atual, Capra não abandona o leitor: pelo contrário, ele passa a explanar em detalhes aquilo que julga ser o caminho certo. Na última unidade, ele explica como a abordagem holística (também chamada de sistêmica) pode ajudar as ciências a unificar seus conhecimentos em prol de uma melhor qualidade de vida geral.

Como exemplo disso, podemos citar a forte ênfase que o autor dá ao planejamento de uma nova fonte de energia sustentável – a energia solar.

A linguagem de Capra é nitidamente acessível, e o livro O Ponto de Mutação, nas palavras do próprio, "destina-se ao leitor comum", muito embora seja necessário um grande interesse por parte do leitor para continuar com o livro nas mãos.

Posso concluir esta resenha transcrevendo alguns dos elogios feitos por alguns jornais:


"Um livro cheio de força… Informativo, provocante e radical. Com clareza devastadora, Capra mostra como, em todos os campos da Ciência, nossas teorias estão nos levando para nossa própria destruição." Carl Rodgers, Ph. D.

"O Ponto de Mutação é uma explicação bem-escrita e convincente do motivo pelo qual tantas coisas parecem erradas no mundo." The Washington Post.

"De vez em quando publica-se um livro com o poder de mudar radicalmente as nossas vidas. O Ponto de Mutação é o mais recente deles." West Coast Review of Books.


Conclusão: sem dúvida, um livro indispensável para quem deseja ampliar sua visão de mundo. Fico triste por apresentar uma resenha tão pobre sobre um livro tão rico de idéias. Vale conferir.

P.S.: O Ponto de Mutação foi, de algum modo, adaptado para o cinema. No original inglês, o longa levou o título de Mindwalk, mas aqui no Brasil o nome permaneceu o mesmo do livro. Abaixo, uma parte do filme bem interessante:

Trecho do filme "O Ponto de Mutação"

15 novembro 2010

Música: Telegraph Road, do Dire Straits

"E a velha e suja trilha virou a Estrada do Telégrafos…"

Lover Over Gold - Dire Straits

Telegraph Road – a mais longa música da banda inglesa Dire Straits, com seus 14 minutos e 15 segundos de duração – é a faixa que abre o álbum Love Over Gold, lançado em meados do ano 1985. Recebendo classificações como "rock sinfônico", "rock progressivo" e outras, Telegraph Road é sem dúvida uma das mais belas composições da banda, manifestando um alto grau de harmonia – no som – e lirismo – na letra –, comparável a Brothers in arms e Tunnel of Love.

A melodia da música apresenta inúmeras variações ao longo de todo o percurso; logo no início, umas suaves notas de teclado são acompanhadas por um dedilhar de violão também terno, culminando em uma espécie de "abertura oficial" – com notas de guitarra características da banda – em que Mark Knopfler começa a sussurrar: "A long time ago, came a man on a track". A partir de então, teclado, guitarra e bateria trabalham juntos, dando lugar a alguns trechos de suavidade e outros de atividade intensa. Bem… só mesmo escutando a música para entender o que eu estou falando.

Dire StraitsMark Knopfler

A letra da faixa conta a história da construção de uma cidade a partir de uma trilha primitiva (a tal Telegraph Road), que mais tarde se transforma em avenida principal e lugar de grande congestionamento de veículos, ao redor da qual grandes instalações – prédios e empresas – vão sendo formadas; até que, muito tempo depois, a cidade se torna grande demais para ela mesma e então entra em colapso. Um trecho que considero muito bonito é o seguinte:

"Then came the mines – then came the ore
Then there was the hard times then there was a war
Telegraph sang a song about the world outside
Telegraph road got so deep and so wide... Like a rolling river..."

Não posso deixar de mencionar aqui o solo de guitarra final que, depois da frase "All the way down the Telegraph Road", preenche os quatro minutos restantes da música, num ritmo alucinado em que se misturam sons agressivos de bateria, guitarra e teclado. É ao longo desse grande solo que os ouvidos mais imaginativos podem escutar os sons de trovão do raio ilustrado na capa do CD.

A prova do sucesso de Telegraph Road é a sua indefectível presença em quase todos os shows da carreira solo de Mark Knopfler, o ex-líder da banda. Até mesmo nos dias contemporâneos, como no caso da turnê de Shangri-la em 2005, Knopfler reproduziu a velha canção do Dire Straits. No mais, a versão ao vivo mais conhecida é a tocada no Alchemy, um dos grandes shows da época da banda, realizado em 1984.

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Abaixo, para quem quiser ouvir, está a música:

08 novembro 2010

A estreita visão da realidade

Uma crítica ao edital da revista Superinteressante

Eu já disse isto em algumas postagens anteriores, mas acho que é sempre conveniente repetir: o blog Gato Branco em Fuligem de Carvão não se propõe a meter o bedelho em questões da vida pública, porque, embora muitos fatos sociais que rolam pelo mundo afora sejam dignos de nota, o único e primordial objetivo deste espaço é resenhar sobre literatura, música e cinema…

Bem. Acontece que, vez por outra, eu me deparo com uma coisa que não consigo deixar passar em branco. Essa "coisa" geralmente se resume a uma notícia ou a um artigo qualquer que outra pessoa escreveu em algum outro lugar. E, como só tenho este blog para publicar as esquisitas idéias que passam pela minha cabeça, minhas opiniões inevitavelmente vêm parar aqui. Só espero que um dia eu não seja perseguido por causa delas.

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Sem mais rodeios, foi hoje que folheei a revista mensal Superinteressante (edição 284, novembro/2010) e me vi lendo o editorial escrito por Sérgio Gwercman. A leitura estava correndo muito bem até surgir, logo no começo, a seguinte idéia fundamentalista que me deixou com a pulga atrás da orelha: "Faça do desenvolvimento de um exército brasileiro de nerds prioridade". Isso é um pedido ao presidente da República, o autor deixa claro.

Segundo o texto, precisamos de milhões de sujeitos-crânio que amam números e tudo mais que pode ser quantificado. Porque, segundo o autor do editorial, é desses sujeitos que o Brasil precisa para se tornar o que "todos nós" queremos: um país industrializado, carnívoro, frenético. Mas… quem disse que isso é sinônimo de qualidade de vida? Não é todo mundo que quer um crescimento econômico não-diferenciado.

Na verdade, o que matou o texto de Gwercman foi a idéia de que as ciências humanas devem, atualmente, estar em segundo plano, e a importância maior deve ser dada às exatas. Isso não é dito explicitamente no texto, mas a insinuação geral é perceptível de longe. Muitas pessoas não entendem que o problema no nosso país deixou de ser técnico há muito tempo: é agora mil vezes mais social e político.

Se um país constrói dezenas de indústrias novas por mês, a população sem privilégios continua em péssimas condições e dependendo de programas assistencialistas (viciosos) como o Bolsa Família. Se a nação constrói prédios e instituições mais modernos, muitas pessoas continuam sem ter onde morar, se o sistema reducionista dessas instituições persistir. E esses problemas não são resolvidos com crescimento econômico; pelo contrário, são aprofundados. Então, é com "um exército de nerds" que resolvemos esses problemas? Não somente.

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Não estou aqui para defender nem criticar ninguém – longe disso. Acho que tanto as áreas de ciências humanas quanto as de exatas merecem o mesmo respeito e importância. Apenas tenho a impressão de que a preferência pelas ciências exatas mostrada nesse editorial da revista está, de um modo geral, muito fanática, como se as elegesse a mais importante das áreas atualmente e afirmasse que as demais merecem menos atenção – incluindo, nessa crítica, o próprio jornalismo. Gwercman mesmo escreveu, em um tom sutil de lamento: "Mas a cada ano forma mais músicos que mecatrônicos, mais psicólogos que engenheiros elétricos". Absurdo.

Por fim, um trecho que me deixou realmente perplexo no editorial: "Há uma questão cultural a resolver: mais brasileiros gostam das ciências humanas do que de exatas". E o autor do texto completa dizendo que reverter essa situação é tarefa do presidente da República. No fundo, acho que foi essa frase que me impulsionou a escrever este post.

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Não sei… Eu estou atualmente vindo de uma instigante leitura de um livro de Fritjof Capra, O Ponto de Mutação, no qual a idéia da obsessão pelo crescimento econômico não é tão bem-vinda assim. Do que adianta, por exemplo, inúmeros engenheiros civis se formando se ainda temos uma grande parte da população mundial sem um teto para morar? Como eu disse, não são os engenheiros que vão resolver esse problema – é mais provável que os psicólogos e os assistentes sociais ajudem a resolvê-lo.

Aliás, alguém já pediu a opinião de um bom músico sobre esse assunto? Talvez ele tenha uma boa idéia também.

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Eu poderia continuar os argumentos falando de correntes yin e yang, crescimento não-diferenciado, visão ecológica e sistêmica, e várias outras coisas que pretendem frear a expansão econômica desenfreada, mas vou deixar isso para a resenha do livro do Capra – que deve sair aqui nas próximas semanas.

A tempo: mais "poesia" e menos ambição. E eu não tenho nada contra os nerds. Pelo contrário, as pessoas até me consideram um. Mas dizer que as ciências humanas merecem estar em segundo plano, atualmente, é demais para mim. Um diretor de redação precisa estar mais atento com o que escreve numa revista de circulação nacional.