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30 maio 2011

Cinema: basear-se em alguma coisa

"Baseado na obra de Fulano de Tal" não significa que o filme será idêntico ao livro. Às vezes é bom ter isso em mente.

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Ontem fui ao cinema com um amigo meu de longa data. Fazia muito tempo que não nos víamos, e era hora de pôr a conversa em dia. Era hora, também, de sair e espairecer a mente, depois de tantos trabalhos exaustivos da faculdade.

Assistimos ao filme Os agentes do destino, com Matt Damon e Emily Blunt. Tirando o fato desagradável de chegar à sala com o filme já sendo exibido, posso dizer que adorei a história. Ela entrou para o grupo seleto de enredos que me fazem pensar nos personagens e na intriga principal muito tempo depois de os créditos finais já terem aparecido. Fiquei filosofando sobre diversas coisas, como livre-arbítrio e destino pré-estabelecido, que são os assuntos que regem o filme de um modo geral.

Mesmo assim, por mais tentador que seja, o objetivo principal deste post não é o de resenhar sobre a obra cinematográfica que vi ontem. A idéia é, antes de tudo, dar a minha opinião sobre uma frase muito importante que aparece no início de alguns filmes: Baseado na obra de Fulano. Embora muita gente preste atenção a essa frase, poucas são as pessoas que se preocupam realmente em aceitar o significado exato da palavra "baseado".

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Philip K. Dick

Os agentes do destino é baseado em um conto do escritor norte-americano Philip K. Dick, conhecido pela espécie de ficção-científica underground que produziu durante a sua vida. Nunca li nada desse autor, mas já assisti a uns dois ou três filmes cujo roteiro pega emprestado as idéias dele. Aquele filme esquisito com Keanu Reeves foi um. Como é mesmo o nome? O homem duplo. Alguém lembra?

Bem, tive a idéia deste post porque, lendo um site de críticas cinematográficas, vi que alguém comentou na resenha do filme Os agentes do destino algo do tipo: "Não gostei nem um pouco. Não tem absolutamente NADA a ver com o conto do K. Dick. Totalmente infiel. Parece outra história." Que eu saiba, o cara que escreveu esse comentário não está sozinho. Muitas pessoas não gostam de certos filmes porque eles simplesmente são infiéis à história original.

É aí que eu tento argumentar: pessoal, tais filmes são apenas baseados na história original. Não têm a pretensão de fazer uma cópia fiel do livro (ou do conto, enfim). Não têm o objetivo de retratar no cinema aquilo que já foi precisamente retratado no livro. O filme apenas se baseia no que a obra original propõe. Por mais que seja doloroso aceitar isso, nós, os fãs da história original, devemos encarar o fato de que as adaptações se baseiam em apenas alguns elementos da obra que lhe deu origem.

Vamos ao dicionário e aos significados da palavra:

Baseado:

1. assente em bases. Algo ou alguém fundamentado, inspirado em evento alheio. Que tem ou a que se deu fundamento.

2. cigarro de maconha.

Quando um filme se diz baseado em um conto ou livro, devemos sempre ter em mente que a intenção do filme é a de mostrar que buscou inspirações na história original – e não a de copiar ou transcrever para as telas a idéia na íntegra. Não faz muito sentido deixar de gostar de uma obra de cinema só porque ela não foi totalmente fiel àquilo que lhe deu origem. Mesmo assim, muitas pessoas gostam de usar esse argumento. "Não gostei. O filme estragou o livro."

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Cena do filme Os agentes do destino

Pelo menos para mim, fica muito mais interessante aceitar a idéia de que os roteiristas estão se inspirando na obra original para escrever o enredo do filme. Estão fazendo uma releitura, uma versão visual de duas horas. Se o filme vai ficar muito parecido ou muito diferente da história que lhe deu origem, pouco importa para mim. O que importa é que o filme traga elementos que me são familiares; e isso todos os filmes baseados em livros fazem.

Em Os agentes do destino, por exemplo, milhares de coisas foram alteradas do conto para o filme. Mas o filme conserva a idéia central, que diz respeito ao grupo de pessoas responsáveis por controlar o destino da humanidade. Isso ficou, e acredito que muitas outras referências tenham ficado também, embora boa parte da trama tenha sido invenção dos roteiristas. Mas é aí que reside a beleza do processo todo: no fato de que os artistas se inspiram entre si, buscam referências e inventam uma nova versão da obra, ampliando os horizontes.

Precisamos tomar cuidado ao criticar um filme usando o simples e errado argumento de que ele foi infiel à obra original. É melhor encarar as coisas de uma outra maneira: a versão cinematográfica é uma adaptação, uma nova perspectiva de analisar a história. Lógico que, se o filme for ruim de qualquer jeito, podemos criticá-lo; mas não se pode usar a falta de semelhança com o livro como argumento.

Com esse modo de encarar os filmes adaptados, podem ter certeza, a experiência de assisti-los fica muito mais agradável e interessante.

22 maio 2011

A carta de Chris para Ron

Na última terça-feira, meu professor de Psicologia Social II resolveu passar para os seus alunos uma exibição do filme Na Natureza Selvagem, dirigido por Sean Penn e estrelado por Emile Hirsch.

O filme conta a história verídica de Christopher McCandless, jovem americano de família rica que abandonou toda a sua vida burguesa de conforto para partir rumo ao Alasca, numa aventura de provação e auto-descobrimento. Ao longo do caminho, ele encontrou várias pessoas dispostas a ajudá-lo em sua jornada; Ron Franz foi uma delas, um velhinho solitário de 70 e poucos anos, que se afeiçoou muito a Chris.

Além de ter uma história muito interessante e instigante, o filme em si é visualmente lindo, e talvez tenha sido por esse motivo que já o assisti 8 vezes. A idéia deste post é mostrar a carta mais famosa que Chris escreveu a Ron, carta que está publicada no livro Na natureza selvagem, de Jon Krakauer. Acho que vale a pena lê-la.


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"(…)

Ron, eu realmente gostei de toda a ajuda que você me deu e do tempo que passamos juntos. Espero que não fique muito deprimido com nossa separação. Pode levar um bom tempo até que a gente se veja de novo. Mas desde que eu saia inteiro desse negócio do Alasca você terá notícias minhas no futuro. Gostaria de repetir o conselho que lhe dei antes: acho que você deveria realmente promover uma mudança radical em seu esti­lo de vida e começar a fazer corajosamente coisas em que talvez nunca tenha pensado, ou que fosse hesitante demais para tentar.

Tanta gente vive em circunstâncias infelizes e, contudo, não toma a iniciativa de mudar sua situação porque está condicionada a uma vida de segurança, conformismo e conservadorismo, tudo isso que parece dar paz de espíri­to, mas na realidade nada é mais maléfico para o espírito aventureiro do homem que um futuro seguro. A coisa mais essencial do espírito vivo de um homem é sua paixão pela aventura. A alegria da vida vem de nossos encontros com novas experiências e, portanto, não há alegria maior que ter um horizonte sempre cambiante, cada dia com um novo e diferente Sol.

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Se você quer mais de sua vida, Ron, deve abandonar sua tendência à segurança monótona e adotar um estilo de vida confuso que, de inicio, vai parecer maluco para você. Mas depois que se acostumar a tal vida verá seu sentido pleno e sua beleza incrível.

Em resumo, Ron, saia de Salton City e caia na estrada. Garanto que ficará muito contente em fazer isso. Mas temo que você ignore meu conselho. Você acha que eu sou teimoso, mas você é ainda mais teimoso do que eu. Você tinha uma chance mara­vilhosa quando voltou da visita a uma das maiores vistas da Terra, o Grand Canyon, algo que todo americano deveria apreciar pelo menos uma vez na vida. Mas, por alguma razão incompreensível para mim, você só que­ria voltar correndo para casa, direto para a mesma situação que vê dia após dia. Temo que você seguirá essa mesma tendência no futu­ro e assim deixará de descobrir todas as coisas maravilhosas que Deus colocou em torno de nós para descobrir.

Não se acomode nem fique sen­tado em um único lugar. Mova-se, seja nômade, faça de cada dia um novo horizonte. Você ainda vai viver muito tempo, Ron, e será uma vergonha se não aproveitar a oportunidade para revolucionar sua vida e entrar num reino inteiramente novo de experiências.

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Você está errado se acha que a alegria emana somente ou principal­mente das relações humanas. Deus a distribuiu em toda a nossa volta. Está em tudo e em qualquer coisa que possamos experimentar. Só temos de ter a coragem de dar as costas para nosso estilo de vida habitual e nos comprometer com um modo de viver não convencional.

O que quero dizer é que você não precisa de mim ou de qualquer outra pessoa em volta para pôr esse novo tipo de luz em sua vida. Ele está sim­plesmente esperando que você o pegue e tudo que tem a fazer é estender os braços. A única pessoa com quem você está lutando é você mesmo e sua teimosia em não entrar em novas situações.

(…)

Você verá coisas e conhecerá pessoas e há muito a aprender com elas. Deve fazer isso no estilo econômico, sem motéis, cozinhando sua comida como regra geral, gastando o menos que puder e vai gostar imensamen­te disso. Espero que na próxima vez que o encontrar você seja um homem novo, com uma grande quantidade de novas aventuras e experiências na bagagem. Não hesite nem se permita dar desculpas. Simplesmente saia e faça isso. Simplesmente saia e faça isso. Você ficará muito, muito con­tente por ter feito."

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08 maio 2011

Skinner e a ciência do comportamento humano

"O comportamento é a base de todos os fenômenos humanos."

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As pessoas que me conhecem há muito tempo sabem que, quando estou em período de aulas (ou seja, de fevereiro a junho e de agosto a novembro), eu não tenho a menor vontade de ler os livros de arte – em outras palavras, a literatura propriamente dita. Nessa época de trabalhos exigentes e provas que abarcam todo o conteúdo dado no semestre, não me sinto propenso a dedicar muitas horas do dia à leitura de entretenimento.

Mas, como adoro livros, não posso deixar de ir religiosamente à minha livraria predileta quase todos os dias. O que é doloroso é ver aquele mundo de livros prazerosos e não poder ler nenhum, pela mera falta de tempo. Então, imagino, o jeito é dar uma olhada nos livros técnicos; assim eu não fico com a consciência pesada por estar simplesmente me divertindo, e não estudando.

Então, hoje, entrei na livraria e fui direto à ala dos manuais de Psicologia. Para quem ainda não sabe, embora eu tenha muito interesse pelos livros técnicos, raramente dou uma olhada no que as editoras estão lançando, a não ser que um professor da minha estima comente algo sobre um novo compêndio ou sobre um novo teórico que merece ser lido. Se não for por isso, eu realmente não me sinto motivado a ir até aquele recôndito escondido das prateleiras de Psicologia.

Mas, afinal, vamos pôr fim a esse blablablá todo e ir direto ao assunto deste post, que, espero, seja interessante mesmo para aqueles que não estudam psicologia.


B.F. Skinner

B. F. Skinner (1904-1990), principal cientista do comportamento humano


Voltando à livraria: eu estava passando os olhos pela estante e uma coisa me chamou atenção. Na verdade, a ausência de uma coisa. Eu não conseguia encontrar livros que abordassem a Análise do Comportamento, ou mesmo qualquer coisa que se aproximasse do behaviorismo. A Análise Comportamental (sustentada pela filosofia behaviorista) é uma das três correntes teóricas básicas da psicologia; um dos três pilares que sustentam todo o edifício teórico do que foi estudado até então em psicologia. As outras duas correntes, obviamente não menos importantes, são a psicanálise (iniciada por Sigmund Freud) e o humanismo fenomenológico. A partir dessas três, muitas sub-vertentes foram fundadas, em diferentes  épocas e lugares do planeta.

Se uma pessoa que ingressa na psicologia tem como preceito básico a noção de que essa ciência estuda, fundamentalmente, a mente humana, sem dúvida ela ficará extremamente surpresa ao se deparar com a Análise do Comportamento. Por quê? Porque, diferentemente das duas outras correntes, a A.C. não se propõe a considerar a psique humana. E, já que estamos falando de teorias psicológicas, isso pode parecer um absurdo.

No entanto, principalmente nos Estados Unidos da América, a A.C. é vastamente propagada e aceita nos dias de hoje. Talvez porque seus principais precursores, Watson e Skinner, eram norte-americanos. De qualquer forma, o fato é que, como abordagem psicológica, a A.C. faz tanto "sucesso" como qualquer outra das duas, psicanálise e humanismo fenomenológico. Além de muito propagada, ela não deixa de ser, também, bastante polêmica.


rato

Os ratos são os animais comumente utilizados nas universidades, para o estudo do comportamento. Não são poucas as polêmicas que surgem a partir da questão ética da utilização desses animais em laboratório


De um modo geral, desde Skinner, o que a A.C. defende é a idéia de que são dois os tipos de comportamento que apresentamos. O primeiro, comportamento reflexo ou respondente, abarca todas as nossas respostas involuntárias ao ambiente: dilatação da pupila no escuro, salivação diante de comida, sudorese depois de exercícios etc. É, segundo um professor meu, o kit básico evolutivo para a nossa sobrevivência neste planeta.

O outro tipo, o comportamento operante, é constituído por todos os nossos atos e gestos que foram "aprendidos" segundo contingências de reforço e punição. Exemplos:

Se eu percebo que conversar com pessoas estranhas se torna mais amigável e agradável quando inicio o diálogo falando "bom dia", "com licença" ou "por favor", a probabilidade de eu continuar abordando pessoas estranhas com essas palavras cordiais aumenta. Essa relação atende pelo nome de "reforçador positivo"; "positivo" porque um estímulo reforçador (conversas agradáveis e amigáveis, ou seja, diálogos proveitosos) foi acrescentado ao ambiente como consequência do meu comportamento de iniciar minhas falas com palavras cordiais.

Se eu percebo que beber 2 litros de água por dia está ajudando a combater meu cálculo renal, então, mais uma vez, é provável que eu continue emitindo esse comportamento nos dias subsequentes. Aí temos uma relação de "reforço negativo"; "negativo" porque um estímulo aversivo (cálculo renal) está sendo subtraído do ambiente com a emissão do meu comportamento de beber água.


pombos

Skinner usava pombos em seus experimentos: pombos também têm superstições


Essa exposição teórica brevíssima tem o objetivo de mostrar quão categórica e disciplinar é a Análise do Comportamento proposta por B. F. Skinner. Objetividade e rigor científico, como todos sabem, são os ideais básicos de toda teoria do mundo acadêmico. E o problema está justamente aí. A proximidade com esse universo científico rigoroso e observável é o que faz a A.C. receber tantas críticas, já que a psicologia, como ciência que estuda a psique humana, defende a ideia de que a subjetividade não pode ser reduzida a conceitos de modo lógico.

Justamente por esse motivo, o estudo analítico do comportamento humano tem recebido críticas fervorosas de grande parte da comunidade científica de psicologia; "psicologia newtoniana mecanicista" e "psicologia biológica universalizante" são os principais xingamentos. Acredito que, se os críticos entendessem que a A. C. se propõe a estudar a individualidade das pessoas de outra forma, considerando que temos uma história filogenética, ontogenética e cultural subjetiva, e que isso não reduz em nenhum momento o valor da natureza humana (pelo contrário, o amplia), aí talvez essas críticas não fossem feitas. O objetivo da A. C. não é universalizar a subjetividade (isso seria um contrassenso); é, antes de tudo, estudar conceitos pragmáticos que são aplicáveis a uma consideração sistemática do fenômeno humano – do comportamento humano.


ciencia e comportamento humano

Livro que comprei. Capa enigmática, convenhamos. Preço salgado: R$ 78,00


Nesta postagem, meu objetivo era falar alguma coisa pessoal sobre o mais famoso cientista do comportamento, B. F. Skinner, e sobre o livro dele que encontrei hoje na livraria, em meio a ensaios e tratados de Freud e Carl Rogers. O livro se chama Ciência e comportamento humano e é considerado o manual básico da Análise do Comportamento, já que todos os principais conceitos da teoria são abordados e discutidos pelo próprio criador deles.

Eu tenho afeição pela A.C. desde que fiz meu trabalho com sujeitos experimentais de laboratório (os famosos ratinhos) e pude, enfim, perceber como o comportamento dos seres vivos (de um modo geral) é universal. Mas isto já é assunto para outro texto.