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22 março 2014

O Torreão, de Jennifer Egan

"A gente estava aqui achando que não tinha nada em comum além do lugar em que a gente veio parar e, durante todo o tempo, estávamos fazendo a mesma coisa: captando sinais de fantasmas." (p. 102)

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Os olhos do mundo inteiro estão voltados para a escritora norte-americana Jennifer Egan desde que ela lançou um romance chamado A visita cruel do tempo, já resenhado aqui no blog, e ganhou o Pulitzer de Ficção 2011 por causa dele. Muito cedo o público e a crítica reconheceram Egan como uma autora tipicamente pós-moderna, capaz de subverter gêneros, moldar as técnicas narrativas a seu bel-prazer e, mesmo assim, apresentar ao leitor uma história que vale a pena ser lida.

Isso é raro hoje em dia – colocar a técnica a serviço de uma boa história. A visita cruel do tempo, por exemplo, é um livro que assusta os leitores desavisados pela aparente ruptura com qualquer estilo de narração convencional: nesse romance, a autora escreve capítulos em primeira, terceira e segunda pessoa, insere uma extensa apresentação de Power Point no meio da trama e segue uma cronologia totalmente embaralhada. De fato, esses são ingredientes que poderiam resultar em um grande fiasco experimentalista, mas Egan é talentosa demais para se deslumbrar com o que ela mesma escreve: em vez disso, lúcida, revela que para além de toda aquela aparente subversão do texto existe uma história emocionante que toca a todos nós. A técnica ousada não está ali para desconstruir a história, mas, pelo contrário, para ajudar a contá-la.

O Torreão (The Keep, 2006) segue o mesmo estilo. Nele, Jennifer Egan utiliza seu malabarismo de técnicas para manter um certo suspense e construir com cuidado as bases da sua proposta. A primeira palavra que me vem à cabeça para classificar este livro é "inventivo", porque, aos poucos, na medida em que vamos virando as páginas, os elementos inseridos pela autora na trama vão tomando proporções enormes e mostrando o quanto a história é mesmo surpreendente.


Sinopse: Nos confins da Europa Oriental, um misterioso castelo resistiu a centenas de anos, apoiado no orgulho e na tradição de uma família. Até que Danny, um cínico nova-iorquino de trinta e seis anos que raramente vai a algum lugar que não tenha conexão wi-fi, chega para ajudar seu enigmático primo a reformar o castelo e transformá-lo em um hotel de luxo. Mas as coisas começam a ficar estranhas. Uma baronesa sinistra, um trágico acidente em uma piscina mal-assombrada, um traiçoeiro labirinto subterrâneo... Quando o pânico toma conta de Danny, ele descobre que a "realidade" pode ser algo em que ele não consegue mais acreditar.


Com O Torreão aconteceu exatamente a mesma coisa que ocorreu com A visita cruel do tempo: virei a última página do livro e tive vontade começar a leitura de novo, desde o início. Ambos são livros que nos deixam com esse desejo de uma releitura imediata. É difícil explicar por que isso acontece, mas tenho um palpite: O Torreão é um desses romances que podem ser visualizados como um quebra-cabeça. Eis que, quando chegamos ao último capítulo – ou seja, quando montamos a peça inteira – tudo parece fazer um sentido tal que nos deslumbra a ponto de querermos desmontar tudo e voltar à estaca zero, agora munidos de uma compreensão mais completa da figura a ser formada. E essa releitura nos fornece um tipo de deleite, pois estamos agora certos do que vamos encontrar pelo caminho, e então podemos nos ater aos detalhes que deixamos escapar antes.

O livro é, do início ao fim, um exercício de metalinguagem que nos coloca ora ao lado do narrador, ora ao lado do personagem principal, ora ao lado de um terceiro elemento. E no final das contas ficamos nos perguntando quem é de verdade o "personagem principal" de O Torreão, se é que ele existe mesmo. Seria Danny, com a sua personalidade egocêntrica e quase infantil? Howard, o transformado primo do passado? Ray, que parece fazer as vezes de um deus ex machina? A propósito, aqui Jennifer Egan pratica este que é um dos seus maiores apetites: a polifonia. Cada personagem central do romance parece ter a sua vez de contar a história, e a impressão que dá é a de que o texto está sendo sempre manipulado por alguém. Nisso reside uma grande parte da inteligência da obra: fazer o leitor acompanhar não apenas o que está se passando com os personagens, mas, também, quem está contando essa história.

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É curioso notar como o tempo é um elemento sempre presente nos livros de Jennifer Egan. Se na obra-prima da autora essa preocupação com o tempo é explícita, em O Torreão ela é mais sutil, deixando-se perceber apenas nas entrelinhas. Danny, um dos personagens principais, é um viciado em internet que está sempre a perceber o tempo da sua vida escorrendo por entre seus dedos, e não raro ele se questiona sobre o que conseguiu fazer de relevante até agora. Howard, outro personagem central, só tem seu peso na trama por causa da passagem do tempo – da mudança que se operou nele desde os anos da infância até agora. Ray é um presidiário que, como todos os presidiários, está preso a um evento do seu passado – e o que ele pode fazer com o seu presente é algo de que depende sua própria redenção.

Por fim, O Torreão é um romance que declaradamente presta homenagens à Imaginação, essa capacidade que pode nos abrir portas, reais ou abstratas, e fazer a realidade material parecer apenas uma nota de rodapé. Neste romance, Jennifer Egan utiliza vários artifícios que nos fazem enxergar o poder da imaginação: seja pela atmosfera gótica que a autora constrói nos primeiros capítulos (e que lança o leitor numa espécie de aventura surreal), seja pela metalinguagem do texto, seja pelo fato de que tudo aquilo que estamos observando agora pode ser fruto da cabeça de uma única pessoa. Nesse caso, o que fazer? Em que personagem acreditar?

O Torreão mexe com o leitor de alguma maneira – e pelo que pude perceber até agora, o objetivo dos livros de Egan é esse mesmo.

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