“Deus salvou o homem uma vez, mas a descendência de Noé não fez valer tal honra. Agora Deus perdeu a paciência.”
Hoje pela manhã, antes de começar a estudar alguns pontos de Análise do Comportamento que ficaram faltando, finalizei a leitura do romance nacional Os Aparados (2009), escrito pela gaúcha Leticia Wierzchowski, autora também do tão famigerado A Casa das Sete Mulheres.
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Sinopse (Record): Em um tempo não identificado, num mundo em agonia e totalmente alagado, personagens inesquecíveis vivem uma trama inquietante – e cheia de surpresas. Para proteger a neta adolescente – grávida de 7 meses – das catástrofes naturais que assolam a cidade grande, Marcus decide levá-la para um lugar afastado, no alto das serras gaúchas. Lá, o frágil relacionamento de avô e neta será testado, e os dois terão que aprender a ceder para sobreviver em um mundo à beira do caos.
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O livro possui 240 páginas e eu as li em três dias, o que é um grande feito. E poderia tê-las lido em menos tempo ainda, dois dias talvez, mas acabei estendendo em três mesmo por causa de uma esquisita e inesperada visita que recebi aqui em casa. De qualquer modo, quero dizer que, quando é lido em um fôlego só, Os Aparados fornece um excelente e empolgante entretenimento, tão empolgante que faz você virar página depois de página em um ritmo que nem percebe.
Os Aparados é tratado, desde o início, como uma história de fim de mundo. Mesmo assim, o leitor não pode se precipitar e esperar encontrar um livro em que catástrofes naturais medonhas são narradas, como ondas imensas inundando cidades inteiras, carros sendo arrastados pelas ruas e gente morrendo sem parar, à la 2012. Não. Se fosse para relacioná-lo com algum tipo de filme, eu diria que Os Aparados se parece bastante com Sinais, de M. Night Shyamalan. Os personagens são pouquíssimos, a trama é linear e – o que torna o livro original – o teor dramático, humano, é bem acentuado e restringido, ocupando o lugar da tragédia coletiva, tão comum nas histórias do gênero. Além de tudo, tal como em Sinais, em Os Aparados os personagens só têm contato com as catástrofes que acontecem lá fora através de noticiários dados na televisão.
No mundo lá em cima, nas serras gaúchas, enquanto Porto Alegre submerge lentamente nas águas do Guaíba, Marcus e Débora (os dois protagonistas) vivem seu drama dentro das quatro paredes do sítio isolado. Lá, embora o efeito das catástrofes quase não se faça notar, o que está em jogo é a relação avô/neta, uma relação frágil que revela um abismo entre os dois.
Uma das coisas que chamam a atenção em Os Aparados é a quantidade de elementos tecnológicos/modernos na história. Aliás, a tecnologia lá assume um papel crucial, principalmente para o personagem Arthur Medelli. Não se vê muito isso nos livros, essa coisa de colocar as pessoas usando laptops toda hora, iPods, sites de busca e até mesmo Orkut (ele é rapidamente mencionado em uma das páginas). Antes eu era um pouco avesso a essa idéia, mas agora vi que essa inserção de tecnologia popular na literatura pode ser bem aproveitada.
Bem, posso dizer que gostei muito do livro. Muito, mesmo. É um romance de história fácil, frugal, mas que faz o leitor pensar nas conseqüências do enredo. Os personagens ficam na mente por alguns dias, o que é agradável. E o suspense é sempre levado com habilidade através das páginas.
Os Aparados não é um livro pretensioso, mas eu já soube que em breve vai virar filme (aliás, ele já foi escrito com base no pedido de uma produtora de marketing). Tudo bem. A história tem um excelente potencial para o cinema. Se cair nas mãos de um diretor e de um roteirista competentes, pode se transformar em um muito agradável longa-metragem.
P.S.: A primeira coisa que eu me perguntei quando vi a capa do livro, ainda empoleirado na estante da livraria, foi: O que essa chave tem a ver com a história? Terminei a leitura e até agora não sei. A única explicação que tenho, e que acho mais coerente, é a de que a silhueta do corte da chave remete à silhueta das montanhas gaúchas. E, ainda, que o nome aparados, que remete ao nome das serras, lembra o modo como as chaves são feitas.
Aceito mais sugestões.
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Abaixo, um trecho interessante que destaquei.
“Ele se afasta pensando que tem que fazer alguma coisa. Sem saber para onde ir, segue no rumo do pomar. (…) Ele caminha pelo terreno íngreme, afundando os pés na terra fofa e úmida. Está nervoso. Não pode simplesmente ficar ali parado à espera de que os acontecimentos sigam seu rumo. Vai chover outra vez. Mais terra vai cair, isolando o alto da montanha: ele e a neta ficarão separados do mundo. É engraçado, foi isso o que sempre quis, sair do mundo. (…) Aquele mundo lá de baixo não serve mais, está podre, doente, exaurido. E, agora que aconteceu, sente medo. Este pequeno universo que criou é tão frágil quanto todo o resto.” (p.159)
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WIERZCHOWSKI, Leticia. Os Aparados. Rio de Janeiro/São Paulo: Record. (2009)
Li "Os Aparados" recentemente e gostei muito também. Concordo com todos os seus comentários sobre o livro.
ResponderExcluir:)
Marlon,
ResponderExcluirCom certeza a chave remete ao parque nacional dos "aparados da serra" aonde estao localizados os canyos do Itaimbezinho e Fortaleza, um lugar muito bonito, que se localiza na fronteira do estado do Rio Grande do sul com Santa Catarina