Excelente para refletir, profundo em sua ambição e – como às vezes acontece na história do cinema – injustiçado.
Depois de quase oito anos tentando convencer meus amigos de que o filme A Vila (The Village, 2004) estava longe de ser o monótono e decepcionante suspense classe B que eles acharam que era, agora chego aqui no Blog para formalizar todas as minhas opiniões sobre o longa-metragem de M. Night Shyamalan – sobre o genial longa-metragem deste talentosíssimo cineasta, que hoje em dia, infelizmente, anda abrindo mão do estilo que o consagrou no início da carreira.
Como a crítica especializada teima em reconhecer, os primeiros filmes de Shyamalan produziram uma espécie de ruptura na tradição norte-americana do gênero de suspense, ao introduzir fortes elementos dramáticos nos enredos que conduziam as ações de seus personagens. O intuito principal de Sinais, por exemplo, além de ser o de provocar sustos e calafrios no público, era o de deixar o espectador refletir um pouco sobre vários conceitos da vida e da religião, de um modo geral, como fé, esperança e amor. Esses ingredientes diferenciados davam aos primeiros filmes do diretor indiano uma boa dose de originalidade e, sobretudo, qualidade, numa época em que os longas do gênero seguiam basicamente as mesmas fórmulas e composições consagradas.
A Vila, quarto filme de Shyamalan, é um dos melhores a que já assisti em todos os tempos, de todos os cineastas que admiro. Duramente criticado pelo público e pela mídia, este pode ser considerado formalmente como o primeiro fracasso do diretor – o que o levou a hesitar e a errar a mão em filmes posteriores, como foi o caso do fraco Dama na água e do ambíguo Fim dos tempos. Apesar de uma parcela enorme dos cinéfilos detestar A Vila, há pessoas que, como eu, lutam pelo reconhecimento da qualidade indiscutível das ideias que orbitam ao redor da trama deste filme.
Um dos cartazes do filme que privilegiam o silêncio e o mistério
A primeira coisa que me faz admirar imensamente A Vila é de ordem técnica. Duas coisas, na verdade: a fotografia conduzida por Roger Deakins e a direção geral de Shyamalan (a movimentação da câmera, o cenário, a inserção de novos elementos no momento correto etc.). O resultado dessa combinação intrínseca é o visual fantástico que faz o filme funcionar e arremessa o espectador para a atmosfera desejada. Aliás, todos os filmes do cineasta indiano têm essa qualidade tão patente: o visual dinâmico, o movimento original. A cena em que o personagem Noah crava uma faca na barriga de Lucius é soberba, não pelo seu conteúdo em si – já bastante notável –, mas pela composição original dos quadros.
A segunda coisa que me encanta em A Vila é, naturalmente, o enredo e, principalmente, a ideia geral do filme. A propósito, costumo dizer que metáforas e alegorias são aquilo que A Vila possui escondido na manga, cuja cartada é dada nos momentos finais, quando o espectador finalmente compreende a dimensão das propostas do filme: a coerção de autoridades, o poder político, a perpetração de um estado de medo como controle social, a influência da superstição no comportamento humano, a alienação, a exclusão comunitária, a violência nos grandes centros urbanos, dentre outros temas suscitados muito nitidamente ao longo da obra.
M. Night Shyamalan: filmes de suspense que vão além dos sustos
Boa parte das pessoas não gostou do filme porque, segundo o que elas mesmas me relataram (e pelo que pude ler em diversos sites), o final foi decepcionante e os momentos em que os bichos de fato aparecem são poucos e bobos. Admito que elas têm o direito de encontrar nisso um argumento plausível, mas, para mim, é justamente a surpresa do final "decepcionante" que faz de A Vila um grande filme, capaz de desconstruir o gênero no qual se insere e colocar o espectador para pensar por conta própria. Aliás, esta é uma das características fundamentais dos primeiros filmes do diretor: respeitavam a inteligência do público, forçavam uma reflexão, estabeleciam conexões com temas cotidianos que envolvem a todos nós, indo muito além dos simples barulhos-altos-que-provocam-sustos.
De todo modo, resumo esta situação em algo mais simples, que não entra no mérito da inteligência de quem assiste ao filme. Em determinados momentos da nossa vida de cinéfilo, somos levados a querer dos filmes de suspense algo mais que sustos, arrepios e calafrios: uma história bem montada, uma história mais profunda, atuações boas, eventos surpreendentes, como em Hitchcock. Isso acontece também com os filmes de comédia, em especial: de vez em quando cansamos de olhar para as caretas de Eddie Murphy e vamos à procura de uma comédia inteligente que atice nossos neurônios. E A Vila se encaixa justamente nessa categoria, nessa ordem de filmes a que assistimos porque estamos à procura de algo mais. A Vila é diferente, um longa-metragem de suspense ambicioso, que, para as pessoas que se interessam em traçar alegorias e reflexões depois de sair do cinema, é extremamente bem-vindo.
Querido Renan,
ResponderExcluirGrande publicação, tão excelente quanto todas as outras, porém, só pela ideia de defender algo ganha um ponto extra.
Tenho de admitir que falta conhecimento de minha humilde parte para discutir o tema em questão e muito mesmo dizer se é bom ou ruim, contudo, posso declarar de todo meu saber da qualidade do texto escrito. Como venho dizendo, a você autor do blog, seus textos são “pequenas grandes obras primas”, do bom português, da opinião e do bom gosto. Bom gosto esse que vai além dos filmes, textos e objetos comentados, ele se manifesta na estrutura, na apresentação, no começo e no fim.
Vida longa ao blog.
Att.
Gleici Ketlem
A Vila figura dentre os poucos filmes que eu considero, em minha humilde vida de cinéfilo amador, como "verdadeiras obras primas". Concordo plenamente com todos os seus argumentos e tomo liberdade de acrescentar (não que isso seja necessário, mas gosto de compartilhar minha opinião com as pessoas que também gostam dos filmes injustiçados que eu gosto): a composição estética de cenário e a relação dos personagens com o mesmo, me trazem uma certa profundidade em sentimentos, raramente observada no cinema atual. Conto nos dedos os filmes que realmente me fizeram temer algo dessa maneira. E o diretor genialmente alcançou isso, com o bom uso de tomadas essenciais (como na parte em que os rapazes disputam quem seria mais corajoso) que, somente no desfecho da trama, passam a fazer parte de um subplot, dando espaço para o verdadeiro assunto ali abordado: o caráter humano. Antes disso, apenas o medo me atingia, assim como atingia os protagonistas.
ResponderExcluirUm filme e tanto. Pena ser tão mal compreendido.
Caro Eduardo,
ResponderExcluirMuito bom saber que você compartilha da mesma opinião. 'A Vila' sempre me pareceu um filme belíssimo, muito bem filmado e muito bem conduzido, de um modo geral. Uma verdadeira pérola do cinema moderno, como você mesmo disse. Shyamalan tinha um tino impecável para esse tipo de obra... É uma pena que ele esteja enveredando por outros caminhos atualmente, realizando filmes de entretenimento mais comerciais.
Assim, acho que também somos "órfãos" dos filmes produzidos na primeira metade da carreira do diretor... rs.
Grande abraço, obrigado pela visita e pelo comentário. Seja sempre bem-vindo!
Simplesmente a calhar! Que bom poder encontrar algumas pessoas que pensam de verdade!!
ResponderExcluirOlá, Chafir!
ResponderExcluirObrigado pela visita e pelo comentário!
Abraços,
Marlo.
Olá Marlon,
ResponderExcluirJá vi esse filme três vezes na TV, e sempre paro para assistir, vale a pena ver do inicio ao fim. Fiquei surpreso quando vi a nota dele no IMDB, 6,2. Acho que dever ser preconceito... sei lá.
Primeiro vi sua resenha (concordo com tudo) fiquei com vontade de ver o filme mas nunca baixava, de repente passou na tv um filme que começou a chamar minha atenção, começou a me prender na história, roteiro genial, pensei até que era adaptada de um livro. Quando vi o titulo do filme "A Vila", lembrei de seu blog rsrs. O filme tem algo que ganha muitos pontos comigo, o surpresa.. juntos com os moradores, cheguei a pensar que o monstro era real, sem falar de como o diretor retrata o amor e ódio.
Não lembro se tem pontos negativos, só é uma pena um filme tão bom, ser pouco conhecido.
Corrigindo seu nome, Marlo* kkkk ^^
ExcluirOlá, Igor!
ResponderExcluirPoxa, que bom que você lembrou do blog quando começou a ver o filme. rsrs
Como eu disse, 'A Vila' é um dos meus filmes favoritos, um dos melhores do Shyamalan, que é um cineasta genial. Você conhece outras obras dele? Há 'Sinais' e 'Corpo Fechado', ótimos filmes também.
Filmes rejeitados no presente são louvados no futuro! Tomara que sim, pelo menos nesse caso, rsrs.
Grande abraço!
Ainda não cheguei a ver as outras obras de Shyamalan, mas vou conferir.
ResponderExcluirabraço