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13 dezembro 2011

Solo de clarineta (vol. I), de Erico Verissimo

"Carrego sempre comigo uma boa provisão do sal da malícia e da dúvida para temperar muitas das coisas que digo, escrevo, penso ou faço." (p. 292)

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Dois anos antes de falecer, Erico Verissimo achou viável começar a redigir as suas memórias. Sentou-se na frente da sua máquina de datilografar, velha companheira, e iniciou o que viria a ser o primeiro volume da obra Solo de clarineta (1973), destinado a contar desde os primeiros passos (literalmente, primeiros passos) do pequeno Erico até a rotina de seu posto no Departamento de Assuntos Culturais da União Pan-Americana, quando o novelista brasileiro já gozava de largo prestígio internacional.

No meu caso, a leitura desse livro veio do desejo de entrar mais uma vez em contato com o autor. Fazia já muito tempo desde que eu lera Noite, e, tendo Erico como um dos meus autores favoritos (senão o favorito), decidi partir para a leitura de uma nova obra sua. Depois de ter lido praticamente toda a sua ficção, optei pelas memórias. Nunca fui um grande fã de auto-biografias, mas, no caso de Erico Verissimo, tive a certeza de que valia a pena conferir.


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Casa em que Erico Verissimo morou, em Cruz Alta


Há alguns anos, um dos seus parentes mais próximos (não me lembro quem) disse que era curiosa a sensação de ler um livro de Erico Verissimo, porque ele escrevia exatamente da mesma forma que falava. Não duvido disso nem um pouco. Em todos os seus romances, a maneira de contar a história é precisamente igual, nesse tom de escrita falada, cadenciada, típica das conversações. Essa é uma das características do autor que eu mais gosto, e ela pode ser encontrada também no seu livro de memórias. Há um leve tom de descompromisso nos seus escritos, como se escrever fosse apenas o meio pelo qual a história propriamente dita passasse a existir. Aqui, a sensação de que autor e leitor estão conversando é imensa e não passa despercebida por ninguém.

Nessa obra, Erico expõe toda a sua intimidade, revelando seus laços com os pais, o irmão, os tios e até mesmo com as namoradas de sua adolescência, sempre passageiras e genéricas. Sem dúvida, um dos pontos fortes de Solo de clarineta é o estudo que o próprio autor faz da figura de seu pai, Sebastião Verissimo, pelo qual ele sentia um misto de fascinação, respeito e até desprezo (sentimentos paradoxos, como o próprio Erico admite). Seu pai é uma figura tão presente no livro que, mesmo nas partes em que ele não está, o autor trata de trazê-lo à tona.


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Erico com seus dois filhos, Clarissa e Luis Fernando


Paralelamente ao estudo que Erico faz de sua relação com seus familiares, é tecida também toda a sua formação de escritor, desde os primeiros contos, na adolescência, até a confecção de O tempo e o vento, obra máxima dele. Isso certamente vai deleitar muitos dos seus leitores. É interessantíssimo entrar em contato com o processo criativo do autor, descobrindo suas principais inspirações e dificuldades. Sem dúvida, este é outro ponto forte do relato.

Na minha opinião, as passagens mais curiosas e novelescas do livro vêm da experiência que Erico teve com as farmácias de sua família. A primeira, chefiada por seu pai, constituiu uma espécie de pano de fundo na sua infância; em diversas ocasiões ele narra episódios que aconteceram dentro dessa farmácia e que o impressionaram quando menino (incluindo o famoso episódio da metáfora da lâmpada). A segunda farmácia, fundada a partir do fracasso da primeira, foi inaugurada pelo próprio Erico, anos mais tarde, em sociedade com um amigo da família. Mais uma vez, o negócio fracassou.

E o livro segue esse embalo, narrando casos um tanto quanto dispersos, seguindo uma tênue seqüência cronológica – às vezes se detendo mais em um determinado contexto, à escolha do autor. Não é um defeito, evidentemente. É uma opção, uma maneira de contar a própria vida, destacando os elementos importantes e passando por cima dos menos relevantes.


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Sempre achei difícil resenhar uma auto-biografia. Deve ser porque não está em jogo a qualidade do livro, nem a sua "importância literária". Quem sou eu para dizer que um determinado livro de memórias é importante ou não para a literatura, como um todo? Em primeiro lugar, aliás, quem sou eu para dizer que um livro desses é de fato bom ou ruim, no puro sentido dos termos? Considero as memórias uma coisa muito pessoal de cada autor, e, se ele resolveu publicá-las, é porque julga que elas terão alguma importância para os seus leitores. É o caso de Solo de clarineta.

O próprio Erico diz: "Não esperem que estas memórias formem um documento histórico. Elas não têm a intenção de fazer nenhum perfil de minha época ou dos meus contemporâneos. É antes um livro sincero, que dedico especialmente àqueles que me têm lido durante todos esses anos." Eu, que o tenho lido durante todos esses anos, achei o livro muitíssimo interessante. Quem não é fascinado pelo autor e pelos seus romances (coisa difícil) pode ter uma opinião diferente. Mas o fato é que eu recomendo Solo de clarineta para quem quiser entrar de cabeça na vida de um dos mais importantes escritores brasileiros de todos os tempos.

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Para ler o curto prólogo do livro, clique aqui.


Solo de clarineta – vol. I (1973)

Erico Verissimo

334 páginas

Companhia das Letras

Nota: 10/10

2 comentários:

  1. Erico, é sempre ótimo pra mim. Não consigo fazer nenhuma crítica a suas obras! rs :)

    Gosto do seu olhar sobre à obra dele. Sempre.

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  2. Marlo,

    ainda não tinha visto comentário sobre esta obra, deve ser magnifica, eu que também admiro Erico e estou neste momento lendo um dos seus livros (O Continente II) vou querer adquirir este.

    Erico não foi somente um patrimônio do RS mas do Brasil porque sua luta por contar a história ultrapassa os limites geográficos.

    Parabéns pela postagem!

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