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25 maio 2013

Lar, doce lar

  • Façamos, do lugar que habitamos, um santuário.
  • "A única causa da infelicidade do homem é não saber como ficar quieto em sua casa" (Pascal)

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Acredito que não haja um lugar mais importante na vida de uma pessoa do que a casa em que ela passa os seus dias. Podemos ser viajantes consumados que amam cruzar terras desconhecidas e passar longos períodos distantes do nosso abrigo principal, mas, cedo ou tarde, pelas mais variadas razões, somos obrigados a retornar. Por esse motivo, o lugar para o qual retornamos – o lugar em que vivemos, em suma – deve propiciar um ambiente agradável que nos faça sentir plenos, sempre.

Obviamente, não me refiro aqui a luxo e pompa, a espaço físico amplo ou localização privilegiada. A verdadeira casa agradável é aquela em que, grande ou pequena, bem localizada ou não, sentimos que tudo está ao nosso alcance – ao alcance de nosso bem-estar interior, no qual podemos nos pertencer de fato. Nesse sentido, a casa deve despertar nas pessoas o sentimento de que elas fazem bem em estar ali. E esse é o primeiro passo para que elas se sintam em um ambiente propício às experiências de ócio autênticas.

Fiz questão de reservar, na minha própria casa, um espaço destinado especialmente à leitura; como meus amigos mais íntimos sabem, a leitura de livros de ficção e não-ficção é a atividade que mais gosto de realizar em meus tempos livres. Este espaço reservado – que não é nada além de uma cadeira metálica na parte de trás da cozinha – me propicia um ambiente indescritivelmente próprio para ler. A iluminação potente do aposento (a cozinha geralmente é a parte mais iluminada da casa), o silêncio e a quietude são fortes fatores que influenciam nessa sensação agradável que sinto ao abrir um livro e começar a lê-lo ali. Poucas vezes fico tão envolvido em uma atividade quanto nesses momentos – porque sinto, de maneira difusa mas, ao mesmo tempo, nítida, que estou me desenvolvendo, aprimorando meus conhecimentos e me tornando aos poucos alguém melhor.

Sou capaz de passar muitas horas lendo na mesa da cozinha. Às vezes, me detenho por mais de dez minutos em uma mesma página, lendo diversas vezes o mesmo parágrafo, sentindo o prazer do momento: o silêncio, a calmaria, a quietude interior, as palavras que brotam do livro.

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Outra coisa: procuro ao máximo dispor os móveis e os outros objetos da minha casa de modo que eles me transmitam a sensação de que são meus e me acolhem. Como tenho uma apreciação especial por plantas, reservei aproximadamente um terço da varanda do meu apartamento a vasos com mudas de felicidade (Polyscias fruticosa) e de fícus, as quais rego regularmente pelas manhãs. Na sala, antes ao lado da TV e agora ao lado da porta principal, um vaso com uma planta de plástico – uma pequena palmeira ornamental. No banheiro, orquídeas; na despensa, lírios da paz. Acredito que estar rodeado por plantas nos traz uma deliciosa sensação de retorno à natureza e à condição rousseauniana de ingênuo primitivismo. É algo parecido com a companhia de um animal de estimação que, silencioso, obediente, passa seus dias ao nosso lado, consolando-nos sem palavras. Cuidar de um ser vivo que depende inteiramente de nós se encontra no rol de atividades que fazemos por puro prazer, por paixão, movidos pela necessidade básica de nos reafirmarmos com base no trato com o outro.

Às vezes ouço música transmitida pelo rádio. Comprei há pouco tempo um pequeno aparelho especialmente destinado à cômoda da sala, de onde ele jorra músicas que me fazem viajar sem sair de casa. Músicas que ouvi com alguém, músicas cujo valor descobri sozinho, músicas que não conheço e que são boas: todas elas me dão a agradável sensação de fazer parte de um pequeno mundo particular.

De vez em quando, sozinho, monto uma espécie de acampamento na sala da minha casa: com o rádio tocando músicas agradáveis, um livro aberto no colo e a companhia das plantas, entro em um estado de graça – deleite, contentamento, prazer – que só poderia ser definido como uma experiência de puro ócio.

Fica a minha singela sugestão: façam da casa de vocês – ou do quarto de vocês, não importa – um lugar que os acolha e no qual vocês se sintam, acima de tudo, satisfeitos e relaxados. Um templo, um santuário, por que não?

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09 maio 2013

1Q84 | Tomo II, de Haruki Murakami

"O que estou querendo dizer é que no mundo há coisas que é melhor não saber." (p. 168)

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No último final de semana eu finalizei a leitura do segundo volume da obra 1Q84 (1Q84, 2009), trilogia esta que é até o presente momento o trabalho mais elogiado do escritor japonês Haruki Murakami, autor de clássicos como Norwegian Wood e Caçando carneiros. Murakami, conhecido pelo estilo limpo e cosmopolita, em cujos livros faz várias referências ao mundo pop ocidental, ingressa em 1Q84 nos universos fantásticos que os personagens Tengo e Aomame habitam e lutam por compreender.

Repleta de obras originais que se situam entre o cult e o popular, a bibliografia do autor alcança em 1Q84 o seu ponto mais ousado. Não só pela extensão do livro, enorme, mas por recorrer a uma complexa trama que mais deixa dúvidas no espírito do leitor do que traz respostas. Aliás, leitores que buscam histórias de fácil assimilação devem correr longe de 1Q84, que nos faz mergulhar em um mundo denso onde qualquer coisa é possível de acontecer e onde não há horizontes nítidos.

Até agora, depois de ler 1Q84 I e 1Q84 II, sinto que os dois livros poderiam ser um pouco melhores, principalmente este segundo. Mesmo assim – como grande admirador dos trabalhos de Murakami – aguardo ansiosamente a chegada do tomo final da história.


Sinopse: 1Q84 é um mundo real, mas as coisas não são exatamente como antes. Para começar, duas luas agora pairam no céu: uma grande, cinzenta, e outra menor, irregular, de tom levemente esverdeado. E há também o chamado Povo Pequenino, cujas intenções permanecem ocultas. Nesse mundo, paralelo a 1984, o destino de duas pessoas, Tengo e Aomame, está intimamente ligado. Cada um, à sua maneira, está fazendo algo perigoso, que pode colocar sua vida – e a de outras pessoas – em risco.

Para ler a resenha sobre o primeiro tomo, clique aqui.


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Uma jovem que desaparece na Grécia sem deixar vestígios, um velho capaz de conversar com gatos, uma garota que se encontra há meses dormindo profundamente, um homem misterioso que se veste de carneiro… Essas são algumas das personagens de livros anteriores de Haruki Murakami, que sempre primou pela inventividade e originalidade para tentar explicar o mundo das relações humanas normais. Em 1Q84 não poderia ser diferente, e aqui encontramos o jovem Tengo, professor de matemática do pré-vestibular que se encarrega clandestinamente de reescrever Crisálida de ar, um misterioso romance que narra uma história surreal e ao mesmo tempo verídica; e também temos Aomame, uma personal trainer solitária fria e metódica que esconde a sua segunda ocupação: assassinar por encomenda homens que maltratam mulheres.

Em 1Q84 II os acontecimentos e personagens do primeiro livro são aprofundados de forma mais aguçada, e a trama paralela dos dois protagonistas começam a se unir com grande força, aos poucos mas de modo veemente. No entanto, esse aprofundamento é lento e ladeado por situações que não parecem acrescentar muito à história, o que faz com que as 370 páginas do livro custem um pouco a passar. Prolixo, Murakami incrementa tanto o seu universo que ele parece ser ofuscado por situações banais e sem maior sentido, de modo que os grandes momentos da obra ficam esmaecidos e sufocados. Não entro em detalhes para não entregar spoilers.

É neste segundo volume que conhecemos melhor a história de Fukaeri, enigmática garota cujo passado permanecia envolto em grande mistério. Sua infância, recheada de elementos surreais, é narrada no livro Crisálida de ar, que Tengo reescreveu e que faz o maior sucesso comercial nas livrarias do Japão. O capítulo que narra a vida na comunidade Sakigake e o que ocorreu com a Fukaeri de 10 anos de idade está entre um dos melhores momentos de 1Q84 II. Além disso, a essência e as intenções do sinistro Povo Pequenino são melhor exploradas, mesmo que ainda estejamos cheios de dúvidas a seu respeito; porque na mesma medida em que Murakami tira alguns questionamentos do leitor, ele fornece mais e mais enigmas e becos aparentemente sem saída – o que dá uma certa agonia, não minto.

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Um bom exemplo de desenvolvimento é da personagem Aomame, que parece estar bem mais solitária e deprimida neste segundo episódio do que no primeiro. Em 1Q84 II ela é uma jovem com graves crises existenciais e uma densa sensação de vazio, agravada pelo fato de partir para uma missão cujos detalhes desconhece totalmente. Acho muito interessante a sua história pregressa, uma infância mergulhada no fanatismo religioso que para ela, criança de 10 anos, não fazia sentido – ser uma Testemunha de Jeová.

De modo geral, gostei muito de poder conhecer mais a fundo a essência das personagens, suas dúvidas e suas posturas. Por exemplo, é excelente o capítulo no qual Tengo desvenda alguns dos mistérios de sua própria vida na visita que faz ao pai, em uma casa de repouso que funciona como sanatório, à beira da praia. 

Tirando os vícios de sempre do autor – como inserir cenas de sexo sem sentido e várias referências eróticas, bem como lançar mão do mesmo estilo limpo e seco na fala de todos os personagens – o livro é bom e prende muito a atenção, fazendo mesmo jus ao adjetivo "envolvente". Mesmo que minhas obras favoritas de Murakami sejam Norwegian Wood (1987) e Kafka à Beira-mar (2005), admito que este japonês continua despertando o meu interesse por tudo o que ele escreve e publica. Recomendo seus livros para os leitores que gostam de sair da rotina literária de sempre, surpreendendo-se com uma literatura mais excêntrica.

E que venha o terceiro tomo de 1Q84.


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