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22 agosto 2011

Ônibus 174

Quando aconteceu, eu tinha apenas oito anos de idade. Naquela época, não me ligava em mais nada no mundo que não fosse meu video-game, minha bola de futebol (com a qual eu brincava com meus amigos de infância do condomínio), minha bicicleta e o filé na chapa que minha mãe fazia nas noites de sábado.

Na infância, o mundo das minhas prioridades era restrito. Nunca fui de ligar a TV para ver o que estava passando nos noticiários ou em qualquer outro tipo de programa que fosse. Mesmo hoje, não lembro de ninguém lá em casa comentando sobre o fato no dia em que ocorreu. Minha memória sempre foi péssima. Ou talvez meus pais e meu irmão não tivessem comentado nada mesmo de propósito, para não me deixar impressionado.

A verdade é que fui tomar conhecimento desse episódio apenas no ano passado ou retrasado, quando um professor da universidade comentou sobre ele para os alunos de Psicologia Social. Aliás, antes disso, se não me engano, um amigo meu já me falara sobre o famoso documentário dirigido por José Padilha (cujo título dá nome a esta postagem), produzido em meados de 2002. De uma maneira ou de outra, fiquei sabendo da história há pouco tempo.


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Documentário dirigido por José Padilha. Recomendado.


No Rio de Janeiro, no dia 12 de junho de 2000, por volta das duas e meia da tarde, o ônibus da linha 174 (Central-Gávea) parou para que um homem de 21 anos subisse. Estavam nas redondezas do bairro do Jardim Botânico, seu nome era Sandro do Nascimento e ele estava armado com um revólver.

Contam as crônicas que o rapaz não deu início ao seqüestro assim que subiu no ônibus. Ao que parece, a escolha do transporte foi totalmente aleatória, uma vez que o crime não era premeditado e deu-se por impulso. Segundo o que dizem as testemunhas, um dos passageiros do ônibus o viu com o revólver preso na cintura do calção, desceu na parada mais próxima e alertou um carro da polícia que estava passando pelo bairro. 

A viatura não hesitou em interditar a passagem do ônibus. Os policiais saíram do veículo e fizeram uma série de gestos para o motorista e os passageiros, o que provocou uma confusão generalizada. Começou aí. Sandro do Nascimento sacou o revólver enquanto as pessoas que podiam fugir saltavam pelas janelas e pela porta traseira. Depois de alguns segundos de gritaria e desespero coletivo, sobraram dentro dez indivíduos, fora o assaltante. Várias delas foram libertadas de imediato ou poucos momentos mais tarde, sendo que os reféns mais conhecidos desse trágico episódio são os que ficaram até o final do seqüestro: um grupo de 4 jovens mulheres.


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Mensagem escrita no vidro do ônibus, a mando do seqüestrador.


Não é a idéia central da postagem descrever detalhe por detalhe tudo o que aconteceu dentro do ônibus seqüestrado – até porque essa é uma tarefa bem difícil, já que não dá para ter uma noção nítida das coisas que aconteceram lá dentro, e que foram muitas, uma vez que o episódio durou mais de quatro horas. Dá para esboçar o básico: Sandro andando de um lado para o outro do ônibus, segurando a arma apontada para a cabeça de uma das quatro jovens (todas tiveram essa infeliz oportunidade), os policiais do lado de fora tentando dialogar com o criminoso, uma multidão irritada e curiosa nas proximidades, repórteres, todo mundo.

O final trágico todos conhecem: no início da noite, Geísa Gonçalves, uma das reféns, é levada para fora do ônibus, carregada pelo seqüestrador. Usando-a como escudo, Sandro se aproxima dos policiais que estão mais perto. Depois de alguns segundos de conversa, um soldado se aproxima furtivamente pelo lado do assaltante e, numa abordagem das mais desastradas do mundo, atira, acertando não o criminoso, mas a refém. Geísa tem  o queixo raspado pela bala, o que a faz cair no chão junto com o criminoso. A confusão que se seguiu é indescritível: a população, que assistia a tudo impassível, invade o cerco e tenta a todo custo pisotear Sandro, que, por sua vez, dispara três tiros nas costas de Geísa, matando-a.

Colocado da maneira que foi possível no camburão da viatura policial pelos soldados, Sandro foi morto por asfixia ali dentro. Enquanto isso, o carro da polícia seguia pelas ruas do Rio de Janeiro. E foi esse o desfecho que a população do Brasil inteiro assistiu ao vivo pela TV.


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Abordagem do policial: mal-sucedido que custou caro.


Logo após esse episódio, discussões acerca da culpa/inocência de Sandro foram levantadas no país inteiro. Pessoas diziam que ele fora absolutamente culpado por tudo o que aconteceu, enquanto outras, por sua vez, defendiam a inocência do assaltante, na medida em que viam que ele era fruto de um sistema doentio de exclusão social.

Me parece uma questão muito delicada e complexa para que eu exponha minha opinião assim, de repente. O que posso dizer é que, é verdade, Sandro foi vítima de uma sociedade que o menosprezou e lhe deu o pão amassado pelo diabo – sua mãe fora degolada à sua frente na infância, seus colegas de rua morreram na Chacina da Candelária, etc. Como diria uma das reféns em depoimento: "Isso não justifica seu ato no ônibus, mas ao menos induz". Quem é capaz de se colocar no lugar de Sandro, durante sua infância e adolescência, compreende um pouco o seu ato no ônibus como uma questão de revolta e vingança contra a sociedade que o massacrou no passado.

Por outro lado, isso não anula o fato de que Sandro teve a oportunidade de escolhas durante a sua vida. Adotado por uma mãe complacente e carente, o rapaz teve a oportunidade de ver que nem tudo estava perdido, e que um ambiente parecido com o familiar o aceitava de modo incondicional. Ele teve a opção de tirar desse ambiente acolhedor o ânimo e a força de vontade de que precisava para mudar de vida. Mesmo assim, Sandro optou pelo crime, pelo tráfico, pela delinqüência. E acabou por fazer o que fez naquele dia no Jardim Botânico, apontando um revólver para a cabeça de vários inocentes. E crime é crime, nem sempre deve ser justificado em termos de histórico de vida do criminoso.


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Todas as imagens desta postagem foram retiradas da internet.


Para finalizar (este post ficou maior do que eu esperava), vejo a questão da culpa nesse episódio inserida num contexto muito mais amplo e histórico. Sandro deve ser responsabilizado pelo que houve? Claro que sim; do contrário, estaríamos caindo em um discurso moralizante evasivo e tendencioso. Mas a culpa também deve ser do Estado, de um modo geral, que nada faz para inibir a existência de mais Sandros na nossa sociedade.

Verbas públicas destinadas à segurança e à educação são desviadas para o cofre de políticos que não precisam de dinheiro, enquanto a população sofre na pele as conseqüências desse ato mesquinho de roubo. O que deveria ser feito na tentativa de tirar todos os meninos de rua da condição em que vivem e colocá-los em escolas sérias não é feito, pelo simples fato de que a prioridade corresponde a determinados segmentos da população, principalmente os segmentos que possuem maior poder aquisitivo. Medidas paliativas, como colocar esses meninos de rua em creches promovidas por ONGs, é uma boa ação, mas – infelizmente – não resolve o problema como deveria ser resolvido. A raiz é mais funda.

O que nos resta é ter a consciência discriminativa de eleger políticos que contornem esse quadro tão negativo no nosso país. É preciso força de vontade, mais deles que nossa. Nós fazemos nossa parte, tentando encontrar quem faça a sua lá no Palácio do Planalto. É preciso evitar que pessoas como Geísa Gonçalves tenham suas vidas interrompidas – logo ela, uma promissora cidadã que, na condição de professora, apostava no futuro do Brasil.

15 agosto 2011

A volta ao mundo em 80 dias, de Júlio Verne

"A verdade é que havia muitos anos que Fíleas Fogg não saía de Londres." (p. 14)

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A maioria das pessoas ao meu redor sabe que eu não consigo ler um livro de literatura no período em que as aulas da universidade estão recomeçando. Os professores indicam muitas apostilas, livros, textos para ler, trabalhos, e aí acaba ficando difícil encontrar um tempo de sossego para se dedicar à arte das letras.

Mas sou incurável e não aprendo. Faltando dois dias para a volta às aulas, fui à livraria e voltei para casa com A volta ao mundo em 80 dias (Le tour du monde en quatre-vingt jours, 1873), do famosíssimo escritor francês Júlio Verne, clássico autor de aventuras e ficção-científica. Costumo dizer que ele foi o precursor dos romances de techno-thriller.

Na minha opinião, das obras-primas de Verne, o livro que terminei de ler ontem é o de que menos gostei. Isso não significa dizer que ele seja ruim. Apenas foi pouco desenvolvido.


Sinopse: Fíleas Fogg, um cavalheiro britânico, aposta com os colegas do seu clube que fará a volta ao mundo em apenas oitenta dias. Acompanhado do seu criado Fura-Vidas, um parisiense esperto e expedito, Fogg dá início à sua jornada. Para ganhar a aposta, teria de regressar a Londres em 21 de Dezembro de 1872, às vinte horas e quarenta e cinco minutos.

Acusado, porém, de ser um audacioso assaltante do Banco da Inglaterra, Fíleas Fogg será permanentemente perseguido pelo detetive Fix, que, todavia, parece nunca conseguir detê-lo.


Quem já leu no mínimo dois ou três livros de Júlio Verne, sabe que seus romances são verdadeiros libelos científicos, que exaltam a tecnologia e o progresso humano e mostram quão divertidas podem ser algumas incursões baseadas nos campos da ciência. Todo mundo sabe que muitas invenções modernas, como por exemplo o submarino, foram "profetizadas" pelo famoso escritor francês. Verne era um amante da ciência e da tecnologia, e isso fica claro na totalidade de seus livros.

A volta ao mundo em 80 dias, como não poderia deixar de ser, reflete esse tipo de relação entre Júlio Verne e o progresso científico. Neste livro, porém, fica muito mais clara a proposta geral do autor, pelo menos na minha opinião. Verne queria mostrar ao mundo onde a sociedade da época estava se situando no desenvolvimento do transporte inter-urbano. Para tanto, criou uma história na qual o personagem principal se disse capaz de dar a volta ao redor do planeta em apenas 80 dias – um recorde incrível na época – utilizando-se dos meios de transporte vigentes.


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Cartaz do filme produzido em 2004, com Jackie Chan


A idéia do livro é boa. Aliás, é ótima. Muito original e criativa, dá margem a um enredo inesgotável, milhares de situações e vários desfechos. Fazer com que um grupo de personagens tenha que dar a volta ao mundo – uma viagem longuíssima – em um tempo determinado é genial, porque prende a atenção do leitor e dá dinâmica à história. Ainda mais se esse grupo estiver sendo perseguido por um inspetor da polícia.

O problema é que, infelizmente, Verne explorou pouco esse material que tinha nas mãos. Ao invés de destrinchá-lo da maneira mais rica possível, incrementando a história com detalhes mais minuciosos e bem trabalhados, o autor apenas escreveu um thriller raso e despreocupado, cujo único objetivo era o divertimento puro do leitor. Foi essa a sensação que tive. Mesmo os trechos em que ele narra fatos históricos dos países visitados parecem superficiais e deslocados. Fui com muita sede ao pote, como dizem.

Achei pouco 190 páginas, dada a grandiosidade da idéia. Ficou uma sensação de correria e pressa; poucas descrições de lugares, poucas descrições de costumes, quando eu esperava um cuidado maior nesse aspecto. (Talvez tenha sido essa a intenção do autor, a rapidez, já que todos os personagens tinham pressa…)


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Mais edições do livro em português


De um jeito ou de outro, isso não foi o que mais me incomodou no livro. É aceitável o fato de que o autor tenha dado menos atenção aos países e mais aos seus personagens, porque, no final das contas, Fíleas Fogg tinha pressa em dar a volta ao mundo, pulando de transporte em transporte, e Verne quis transmitir essa sensação de correria ao texto. Pelo menos eu faço questão de enxergar as coisas assim.

O que incomoda de verdade é a falta de verossimilhança em algumas (muitas) situações envolvendo os personagens. Júlio Verne era excelente em emular invenções e aparatos científicos, mas, pelo menos nessa sua obra, ele pisou na bola em algumas passagens que envolviam assuntos mais humanos. Aouda é uma personagem que surge ao acaso, permanece na história por acaso e, por acaso, termina o livro de um determinado jeito. É uma personagem totalmente à margem, apagada, e suas ações não têm o menor nexo. Dói vê-la sendo levada de um lado para o outro, absolutamente à mercê dos protagonistas.

O próprio Fíleas Fogg tem qualquer coisa de inverossímil. Sempre inexpressivo, sempre calado, sempre matemático demais, o inglês que protagoniza o romance de Verne não parece demonstrar nada de humano, nem quando um atraso de trem põe em risco boa parte de sua fortuna e sua honra. O personagem mais convincente é sem dúvida Fura-Vidas, expressivo, emotivo… em suma, vivo.


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Rota percorrida pelos aventureiros do romance


Mesmo com esses defeitos, ainda recomendo a leitura de A volta ao mundo em 80 dias. Continuo gostando do modo como Júlio Verne conduz uma história de ação/aventura, continuo gostando da visão que ele tem do progresso da humanidade (iluminista, por que não?) e continuo gostando do final dos seus livros, geralmente pouco previsíveis.

08 agosto 2011

Facebook e Orkut

É meio difícil você não ter pelo menos um dos dois.

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Não sei bem por que este episódio ficou gravado de forma tão nítida na minha cabeça, mas a verdade é que me lembro dele como se fosse ontem: eu tinha uns 12 ou 13 anos de idade e estava deitado na cama do meu quarto, quando meu pai chegou do trabalho com uma revista semanal conhecida e a pôs sobre a mesa do hall. Levantei e, curioso, fui lá conferir. Na capa da revista havia uma série de estrelas amarelas estilizadas, acompanhadas de uma manchete enfática: Orkut – Como entender esse fenômeno?

Enquanto eu folheava a revista, tentando entender que fenômeno de nome estranho era esse, meu pai falava algo sobre o futuro das relações sociais. Sobre como as pessoas estavam, cada dia mais, se isolando fisicamente e se aproximando virtualmente – o que, em outras palavras, atendia pelo nome de globalização no século XXI. Utilizando como exemplo o Orkut, meu pai dizia que estávamos testemunhando uma nova era, a Era da Comunicação Virtual. Hoje vejo que ele estava certo, embora nem eu, nem ele próprio, nem minha mãe (que participava da conversa nesse dia) pudéssemos ter um vislumbre do que estava ainda pela frente.

Abri minha conta no Orkut pouco tempo depois. Comecei a participar desse grande fenômeno mundial um ou dois anos após ler a matéria da revista. Fui impulsionado, como sempre, pelos meus amigos mais próximos.  Uma de minhas amigas me disse "Não acredito que você não tem Orkut" e me chamou para participar da sua rede social; ainda na época (vale ressaltar) em que as pessoas tinham que ser convidadas por outras para entrar no Orkut.


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Sendo assim, peguei o Orkut desde o início. Ele ainda era azul e cor-de-rosa, as pessoas tinham porcentagens nos quesitos sexy, inteligente e confiável, você só podia postar doze fotos no único álbum disponível, depoimentos eram coisas sérias, as pessoas tinham que abrir o perfil alheio para responder os recados, a primeira letra do nome das comunidades era formada por silhuetas de bonequinhos… etc. Peguei o Orkut desde o início, mesmo.

Como todo mundo sabe, muita coisa mudou desde então. Para melhor, naturalmente. A interface do site ficou mais enxuta, mais organizada, apenas em tons de azul. Você pode postar quantas fotos quiser e ainda marcar seus amigos nelas. Aliás, você pode esconder seu álbum, se preferir. Conforme os usuários foram ficando mais exigentes, mais atualizações foram feitas no Orkut, e assim ele conseguiu prender um grande número de pessoas, a despeito das novas e atraentes redes sociais que despontavam na Web.

O Facebook certamente é o "rival" mais conhecido do Orkut. Enquanto este último contava com a esmagadora maioria de brasileiros na rede, aquele era bastante difundido nos Estados Unidos e na Europa, e fazia um tremendo sucesso por lá. Inevitavelmente, o Facebook conquistou os brasileiros também (coisa recente) e agora o site de relacionamentos criado pelo turco Orkut Buyokkokten está testemunhando uma sutil mas notável migração de usuários para a rede de Mark Zuckerberg.

Eu tenho as duas contas. E acho isso estranho.


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De uns tempos para cá, eu criticava muito o Facebook – tenho que admitir isso. Achava que mais uma rede social era apenas mais uma rede social, que as coisas mudavam apenas de aparência e de nome, mas a essência era basicamente a mesma – mandar recados para os amigos. Não é. Facebook e Orkut são tecnicamente bem diferentes um do outro; cada um tem suas vantagens e desvantagens.

Começou do mesmo jeito: amigos meus, impressionados pelo fato de eu não possuir uma conta no Facebook, insistiram para que eu abrisse uma. Depois de algum tempo, foi isso o que fiz de fato, mas com uma idéia inicial de reserva na cabeça: "sou apenas um observador, não vou interferir ativamente no site". No segundo dia eu já estava postando dezenas de coisas, tinha um perfil muitíssimo completo, havia curtido vários comentários, ingressado em eventos e participado de grupos.

O Facebook é uma mistura equilibrada de Twitter, MSN e Orkut. Pelo menos é assim que eu encaro o site. Em suma, você posta suas coisas no seu mural para quem quiser ver (com as devidas configurações de privacidade); qualquer pessoa autorizada por você pode comentar ou curtir suas postagens; você pode iniciar uma conversa em tempo real a partir desses comentários, com vários colegas interagindo ao mesmo tempo, o que dá a sensação de conversa de roda; você pode publicar vários materiais de seu interesse para as outras pessoas verem. E assim por diante.


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O Facebook é uma boa ferramenta, sim, não só para se divertir conversando com os amigos, mas também para otimizar grupos de estudo e/ou trabalho. É uma rede social cativante, sem dúvida. Tem grande mérito.

Mas ainda vou ficar com minha lendária conta no Orkut por dois motivos: lá eu possuo uma comunidade do filme O show de Truman, com mais de três mil pessoas, e posto regularmente nos diversos tópicos das muitas outras comunidades de que participo, alavancando discussões com os demais membros. Isso no Orkut é bem bacana, e é algo que não está presente no Facebook – pelo menos não na forma convencional.

Qualquer coisa eu passo a aceitar e utilizar hoje em dia. Menos Twitter: isso é meio sem sentido para mim, ainda. Aliás, totalmente sem sentido. Por que o sujeito vai se limitar a 140 caracteres por postagem? Para que ter um monte de gente seguindo o que você diz? Isso soa meio perigoso pra mim.

Mas vou fechar o bico. Vai que daqui a alguns meses eu abra uma conta no Twitter…

01 agosto 2011

O Povo da Névoa, de H. Rider Haggard

"Dali em diante, estavam todos entregues aos caprichos do destino." (p. 154)

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Durante os últimos anos recentes, eu achei que os romances de aventura e exploração não despertavam mais em mim o mesmo interesse que despertavam quando eu era criança. Naquela época, bastava uma sinopse que mencionasse ou um aventureiro em terras estranhas, ou um tesouro lendário proibido ou os perigos das selvas incólumes – de preferência, tudo isso junto – para que eu levasse o livro para casa sem sequer olhar o nome do autor.

Depois de crescido, achei que essa fascinação havia ficado para trás. Que agora só me interessavam dramas, relatos jornalísticos ou, no máximo, uma ficção científica. Agradável engano. Assim que pus os olhos na estante da livraria e vi um título chamado O Povo da Névoa (The people of the mist, 1894), que falava de um aventureiro nas selvas africanas e uma coleção preciosa de rubis atrás da qual ele estava – e que, ainda por cima, contava com a descoberta de um mundo perdido na floresta –, não perdi tempo.

Levei o livro para casa, tal como eu fazia nos tempos de criança fascinada. A única diferença é que, hoje, leio o nome do autor do livro que levo. O desse, por exemplo, é H. Rider Haggard, o mesmo do clássico As minas do Rei Salomão.


Sinopse: O Povo da Névoa conta a história do jovem inglês Leonard Outram, que, após testemunhar a decadência financeira e moral da família, parte em uma jornada para a África em busca de uma fortuna capaz de reaver o casarão leiloado e a honra dos Outram.

Após uma série de aventuras na selva, Leonard e seus companheiros (incluindo Juanna, uma mulher portuguesa que fora salva da escravidão) encontram o lendário Povo da Névoa, e lá são envolvidos no violento conflito político entre os Sacerdotes e um culto que adora um gigantesco deus-crocodilo.


Haggard é um dos pioneiros na criação de mundos perdidos no universo da literatura, e seus livros testemunham isso da forma mais notável possível. Consultei alguns colegas meus que já leram outras obras do autor, e eles afirmaram que Haggard, sempre que possível, insere nos seus romances de aventura uma sociedade selvagem perdida, misteriosa e potencialmente perigosa.

No caso de O Povo da Névoa, essa sociedade é justamente a que dá nome ao título, embora, ao longo do livro, os personagens se refiram a ela também como Crianças da Névoa, ou Habitantes da Névoa. No geral, o nome "O Povo da Névoa" está aí mais para designar uma qualidade da sociedade desses selvagens, e menos para designar o nome da sociedade deles em si.


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Edições em inglês do romance


H. Rider Haggard foi um homem fruto do seu tempo e, assim como muitos outros nomes da literatura inglesa do século XIX, amparou-se em idéias e concepções que eram amplamente difundidas e aceitas como inquestionáveis naquela época. Basta notar que, na África do autor, todos os africanos são "selvagens" e pensam como tal; são vítimas da escravidão, sofrem, vivem em aldeias miseráveis e, em resumo, são inferiores aos homens brancos.

Otter, o fiel servo de Leornard, é retratado dentre outras coisas como um anão feio, submisso e ingênuo. Não por menos, muitos personagens se referem pejorativamente a ele como "cão negro" – com exceção de Leonard, Juanna e outros personagens europeus. Mesmo assim, apesar dos insultos que recebe ao longo da história – e é isso o que me impressiona em alguns romances daquela época – Otter é indiscutivelmente o herói da aventura, superior em perspicácia e força aos homens brancos, capaz de fazer sacrifícios extremos para salvar a todos, inclusive a seus mestres.

A fascinação desses antigos escritores europeus pelos "selvagens africanos" é imensa e pode ser facilmente percebida na exultação que Haggard faz a Otter, chamando várias vezes seu personagem de homem "forte" e "corajoso". A mesma fascinação pode ser vista em Rice Burroughs, por exemplo, ao criar o seu indestrutível Tarzan.


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Mais edições originais em inglês


E quanto ao livro em si? Posso dizer que adorei lê-lo e que não me decepcionei. Voltei à infância e redescobri aquele mundo longínqüo repleto de imaginação, no qual um punhado de aventureiros corajosos enfrentam sujeitos misteriosos e selvagens. No fundo, inserir-se no universo de um livro desses é a mesma coisa que dizer: "Por ora, quero dar um basta deste mundo real em que vivemos, cheio de paranóias e preocupações modernas".

A história de O Povo da Névoa é basicamente dividida em duas partes. A primeira apresenta alguns dos personagens principais, claro, e foca um objetivo no horizonte: os aventureiros devem resgatar Juanna do campo de escravos. A segunda parte, por fim, se refere aos aventureiros dentro da sociedade da névoa, enfrentando todos os perigos que um romance de aventura como este pode oferecer.

Além da aventura propriamente dita, temos muitos elementos que remetem ao drama e ao romance. No fim das contas, o painel que se forma diante do leitor é o de um típico romance europeu do século retrasado; seu autor nos fala de um continente imenso e pouco explorado, cujos territórios não conhecidos pelo homem "civilizado" guardam muitos segredos e provações.

Recomendo o livro para quem tem o interesse pelo gênero. Vale a pena!