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31 janeiro 2011

Latitudes piratas, de Michael Crichton

"(…) uma pessoa nunca compreendia realmente como era a vida no Novo Mundo, até se confrontar com a verdadeira e rude experiência." (p. 17)

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Hoje de manhã, fui à universidade fazer minha matrícula semestral, como sempre. Quando voltei para casa, exausto, sentei em uma cadeira da bancada da cozinha e finalizei a leitura do romance Latitudes piratas (Pirate latitudes, 2009). O livro foi escrito pelo norte-americano Michael Crichton, um renomadíssimo autor de thrillers, falecido em novembro de 2008.

Eu lembro quando os noticiários anunciaram sua morte. Foi lamentável. Mais impactante do que a morte de Saramago. Como eu cresci lendo Crichton, minha ligação com esse escritor era bem mais consistente.


Sinopse: A história do livro se passa em 1665 e começa em Port Royal, Jamaica, quando o corsário inglês Charles Hunter é contratado pelo governador local para liderar uma expedição a Matanceros, fortaleza espanhola localizada em uma ilha do Caribe.

Segundo informações que chegaram a Port Royal, um galeão espanhol repleto de tesouros está ancorado na ilha, aguardando uma escolta para levar seus tesouros a Espanha. Hunter não hesita: ouro nas mãos dos espanhóis é ouro para ser roubado.

O resultado é uma aventura irresistível, uma clássica história de conquistas e traições.


Uma palavra sobre este livro antes de começar a resenha propriamente dita:

Os fãs de Michael Crichton que leram seu caderno de memórias, Álbum de viagens, se depararam com uma curta mas intrigante passagem no capítulo Jamaica: o autor diz que, por volta da década de 1970, ele vinha trabalhando "há muitos anos" em um livro ambientado no Caribe do século XVII. O estranho é que esse livro nunca fora publicado em lugar nenhum, e ninguém, até pouco tempo, sabia qualquer coisa a mais dele.

Obviamente, por motivos que eu ainda não consigo entender direito, Crichton decidiu não publicar o romance. Mas mesmo depois de sua morte, em 2008, o arquivo com o manuscrito completo de Latitudes piratas continuou em seu computador, que foi vasculhado pelo seu assistente – e o arquivo, encontrado.

O resultado… bem, estamos diante dele. Se é ético ou não publicar um texto que o autor preferiu manter guardado, isso já é outra história.

Mas agora chega de lingüiça e vamos falar sobre o livro em si, se merece ou não ser lido. (Merece.)


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Meu fiel (e detonado) marcador de páginas do Che Guevara!


Podemos não ter aqui piratas com pernas de pau, tapa-olhos ou papagaios tagarelas nos ombros, mas certamente uma grande parcela dos clichês de histórias de corsários está presente em Latitudes piratas. Isso inclui marinheiros excêntricos (um deles é mudo, outro possui apenas dois dedos numa das mãos), um tesouro imenso em jogo, batalhas navais, duelos com indígenas, galeões seqüestrados e até mesmo a aparição de "monstros" marinhos.

Ainda assim, o que eu quero dizer é que a existência desses clichês não constitui um defeito no livro. Nenhum romance que se comprometa a narrar uma aventura corsária está livre desses elementos, e, se não os tiver, perde mesmo a graça. Portanto, o que Crichton fez foi apenas resgatar essas fantasias que compõem o imaginário idealizado por cineastas e por pessoas como Robert Louis Stevenson.

Pelo fato de ter sido escrito na década de 1970 – portanto, no período em que a literatura do autor ainda estava engatinhando –, o leitor percebe traços característicos do começo da carreira de Michael Crichton. E, também, percebe pontos que ele mais tarde desenvolveria e aprimoraria nos livros futuros; como, por exemplo, o suspense dos "preparativos para a jornada propriamente dita", coisa que seria culminantemente bem feita em O Grande Roubo do Trem.

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Depois da Parte I – Port Royal, a ação do livro é ininterrupta. Aliás, ela só é interrompida porque o leitor provavelmente vai passar alguns minutos com um dicionário nas mãos, desvendando o significado de uma série de termos marítimos – joanete, tombadilho, escaler, bombordo, estibordo, proa, popa etc. Fora isso, a leitura é dinâmica, segue em ritmo acelerado, e, mesmo sem compreender os termos, é possível visualizar o cenário com facilidade.

Os personagens são bastante cativantes, se não pela sua personalidade (analisada de modo superficial pelo autor), pela sua aparente excentricidade. Lezue é uma mulher que se traveste de homem e atua como tal, Enders é um barbeiro-cirurgião que possui um exímio controle sobre o timão de um navio, Bassa é um gigante negro que perdeu a língua, e o Judeu é um velho com três dedos de uma mão faltando.

Uma coisa interessante é que o leitor inevitavelmente é levado a ficar do lado de Charles Hunter, o corsário que lidera a expedição, principal personagem do livro – este, normal, sem nada de excêntrico. Ou seja, ficamos do lado do "fora-da-lei", causador da baderna toda. Me surpreende que, no final das contas, o leitor nem se dê conta disso!

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Latitudes piratas é um romance de aventura com um interessante pano de fundo histórico e um envolvente enredo, mas eu tenho algumas hipóteses de por quê Crichton o deixou na gaveta. Não é preciso muito esforço para ver que o romance é o mais simples de todos do escritor e, sim, bastante previsível. Uma vez publicado na época em que fora escrito, certamente receberia críticas negativas.

Além disso, é provável que o arquivo encontrado no computador de Crichton fosse apenas um esboço, que ele desistiu de arte-finalizar. Aliás, essa hipótese é bem viável, uma vez que no próprio Álbum de viagens o escritor diz, após o capítulo Jamaica, que estava feliz porque acabara de "finalizar o esboço de um romance". Portanto, embora esteja finalizado e coerente, o Latitudes piratas publicado recentemente pode não passar de um esboço.

No mais, me diverti imensamente lendo o livro. Não me arrependi em nenhum momento de tê-lo comprado. Foi bom ver o lado "antigo" do autor, descompromissado, despretensioso, bem diferente dos seus últimos e polêmicos livros, como Estado de medo e Next. Fico contente com o fato de ter acabado as férias lendo este romance.


Conclusão: Muito recomendado, não só para os fãs do autor, mas para quem gosta de aventuras sem grandes pretensões.

24 janeiro 2011

O adolescente, de Fiódor Dostoiévski

"(…) a consciência secreta do poder é incomparavelmente mais agradável do que o domínio evidente." (p. 48)

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Depois de algumas longas semanas, durante as quais aconteceu uma série de coisas estranhas, eu finalmente terminei a leitura do romance russo O adolescente (Podrósstok, 1875), escrito pelo consagradíssimo autor Fiódor Dostoiévski, que todos conhecem pelos clássicos Crime e castigo e Os irmãos Karamázov.

O adolescente é um livro que já saiu do catálogo das editoras brasileiras há muito tempo – seu último exemplar, pelas bandas daqui, data de meados dos anos 1980. No entanto, passeando pelas livrarias da cidade (como é meu hábito nas sextas-feiras), dei de caras com uma edição lusitana de 2003 do livro de Dostoiévski.

Li em pé mesmo o interessantíssimo primeiro capítulo e, depois de constatar que o português de Portugal e o português do Brasil são realmente idênticos, levei o livro para casa.


Sinopse: O romance narra a vida de um jovem intelectual de dezenove anos, Arkádi Dolgorúki, filho bastardo de um depravado proprietário de terras chamado Andrei Versílov. Um dos focos do romance está na relação problemática entre pai e filho; particularmente em ideologia, que representa as batalhas entre o velho modo convencional de pensar dos anos 1840 e do novo ponto de vista niilista da juventude dos anos 1860 da Rússia.

O conflito começa quando Arkádi se envolve com conspiradores socialistas e uma jovem viúva, cujo futuro de alguma forma depende de um documento que Arkádi pregou em sua jaqueta.


Eu sempre costumo dizer que, salvo exceções, é fácil perceber por que um clássico é considerado clássico por todos. Por exemplo, não é à toa que Olhai os lírios do campo continua vendendo milhares de exemplares dentro do Brasil; também não é à toa que O apanhador no campo de centeio continue fazendo sucesso ao relatar as aventuras de Holden Caufield; ou, ainda, não é por acaso que O Pequeno Príncipe continua sendo considerado a melhor obra infantil de todos os tempos.

Os clássicos  de verdade têm os seus motivos para serem chamados assim. Com Fiódor Dostoiévski, a coisa não é diferente.

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Embora tenha sido mal elogiado por alguns críticos, O adolescente é provavelmente o mais moderno dos romances do mestre russo, tanto pela linguagem utilizada (que, para a época, beirava o coloquial) quanto pelo traço narrativo, que encaixa os acontecimentos em vários planos distintos do texto, sobrepondo-os em uma espécie de níveis.

E essas duas características do romance têm explicação: quem nos escreve é o próprio Arkádi Dolgorúki. Na condição de adolescente, sua linguagem não poderia ser outra que não moderna e objetiva. Além disso, a ânsia em escrever suas memórias justifica o fato de o livro conter vários planos narrativos, posto que Arkádi não sabe ao certo que caminho seguir com as suas confissões apressadas.

Já o primeiro parágrafo é delicioso quando Arkádi admite ao leitor que não gosta de autobiografias. Num dado momento, diz ele:

É preciso estar-se demasiado e ignobilmente apaixonado pela própria pessoa para se escrever sem vergonha sobre ela. (p. 9)

É então que, aos poucos, o leitor vai descobrindo que o herói do romance tem uma personalidade um pouco egocêntrica, instável e ao mesmo tempo determinada – como todos os adolescentes. Parece que, ao relatar "os seus primeiros passos no mundo dos adultos", Arkádi tenta organizar as impressões que tem sobre o seu pai biológico (Versílov) e seu pai legal (Makar), além de tentar situar melhor toda a família dentro desse contexto de instância parental dupla.

As melhores páginas do romance são, talvez, aquelas em que o protagonista resolve revelar ao leitor qual é a "idéia" que lhe passava pela cabeça aos 19 anos de idade. Durante toda a primeira parte do livro, Arkádi tenta como que ajustar-se ao mundo ao redor para poder concretizar sua "idéia". E, durante a revelação dessa idéia para o leitor, muitas coisas interessantes são ditas.


O que é preciso é ter carácter – a perícia, a habilidade e os conhecimentos aparecerão por si. O essencial é não deixar de "desejar". p. 87


Entretanto, é uma pena que Dostoiévski tenha deixado de lado essa questão da "idéia" do protagonista. Esse provavelmente é o único defeito do livro. A partir da segunda parte, uma trama como que novelesca toma conta do cenário, e a "idéia" acaba sendo extinta. Mesmo assim, a trama novelesca não deixa de ser interessantíssima, ainda mais nos capítulos finais, em que começa a ganhar rumos de ação.

No mais, o autor pode ter deixado a "idéia" do protagonista de lado para expor, assim, que mesmo o mais original e firme dos planos está passível de ser esquecido, quando o dono da idéia é levado a penetrar no submundo sujo da alta sociedade hipócrita.

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Recentemente, a Cia. das Letras lançou uma versão de O adolescente destinada ao público infanto-juvenil, condensada e de linguagem mais acessível (imagem acima). Eu já tinha conhecimento desta versão antes mesmo de ler o original, e agora, lido o original, fiquei curioso para saber o que fizeram nessa edição.

No futuro, lerei mais livros de Fiódor Dostoiévski, sem dúvida. Acontece que, agora, quero dar um tempo de leituras "sérias" e me voltar para coisas mais facilmente digeríveis – e mais curtas, de preferência.

16 janeiro 2011

5 livros que eu li em 2010 e que você gostará de ler em 2011

Agora que eu estou ouvindo Bob Dylan, meu espírito se soltou, se desprendeu de todos os preconceitos e me sinto apto – de corpo e alma – a listar as minhas leituras preferidas do ano passado.

A cada ano, faço aqui no blog uma pequena lista dos melhores livros que li nos últimos 12 meses. É sempre uma tarefa penosa, como podem imaginar, escolher cinco dentre tantas boas leituras; mas, seguindo as antigas conclusões de Darwin, faço questão de que as mais destacadas prevaleçam.

Então, vamos lá. Embora estejam numeradas, as indicações não seguem nenhuma ordem de preferência.


1) À espera de um milagre, de Stephen King

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Envolvente, elegante, belíssimo, misterioso e, como quase todas as obras de King, sobrenatural. Estamos falando de À espera de um milagre, tido pelo Boston Globe como a conjugação de tudo o que existe de melhor nos livros de Stephen King.

Neste romance, acompanhamos o drama de Paul Edgecombe, o chefe dos guardas de uma ala penitenciária onde ficam os condenados à cadeira elétrica. A cruel, mas normal, rotina de Paul e seus colegas de trabalho muda quando chega à ala um gigante negro de nome John Coffey – portador de uma assombrosa habilidade, a de curar doenças irreversíveis somente usando as mãos.

Reflexões sobre morte, velhice, justiça e até mesmo amor são inevitáveis. Um livro emocionante e cativante.


2) Não há silêncio que não termine, de Ingrid Betancourt

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Última ótima leitura de 2010. Não há silêncio que não termine é o relato pessoal de Ingrid Betancourt sobre o seu penoso cativeiro de quase 7 anos nas mãos das Farc – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

Seqüestrada por motivos políticos, Ingrid passou fome e sofreu grandes humilhações, vivendo em condições humanas precárias como prisioneira na selva amazônica. Narrado em forma de thriller de aventura (e aí está o diferencial da obra), o livro é um convite à reflexão sobre as questões sociais que afligem o continente sul-americano.

Com uma linguagem belíssima e poética, clara e contundente, Ingrid mostra aos seus leitores que, mesmo em condições de extrema penúria, a esperança é a última que morre. E, tal como Nando Parrado, nos mostra que o oposto da morte não é a vida, mas o amor.


3) Templo, de Matthew Reilly

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Aqui está um tipo de livro de aventura que eu não via desde a época antiga de Michael Crichton. Aliás, como disse um conceituado jornal americano (que agora esqueci o nome), "Reilly é o Michael Crichton da Austrália".

Pois bem. Templo é um thriller despretensioso que tem como personagem principal um jovem professor de latim, William Race, chamado às pressas para compor uma equipe organizada pelo governo. Missão: seguir as instruções de um manuscrito lendário e, assim, encontrar um ídolo perdido na selva inca, ídolo esse talhado em uma pedra que possui uma substância propícia à construção de uma arma de destruição global, etc. E isso deve ser feito antes que um grupo neo-nazista ponha as mãos no artefato.

No entanto, à medida que a aventura se desenrola, Race percebe que o governo americano está de sacanagem e lhe esconde alguma informação importante.

Mesmo com essa sinopse clichê e tendenciosa, Templo é um livro que vale a pena por causa da história divertidíssima. Entretenimento garantido, cheio de reviravoltas, suspense e surpresas…


4) Quando só restar o mundo, de Mauro Pinheiro

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Desiludido com o trabalho e com as pessoas, deprimido por ter sido abandonado pela namorada que caiu na estrada e foi embora para a Bahia, Pedro Paulo pede demissão do emprego de corretor financeiro e embarca numa jornada de carro através do Brasil.

Seu objetivo, inicialmente, é sair do Rio de Janeiro e reencontrar Dalva, a ex-namorada que fugiu para a Bahia; acontece que, durante o percurso, Pedro Paulo conhece Serena, uma atraente mulher que vaga pelas estradas com o filho pequeno e que tem um passado misterioso. A partir desse encontro com Serena, a história do protagonista toma um novo e surpreendente rumo.

Quando só restar o mundo é a afirmação da maturidade artística de Mauro Pinheiro, autor elogiado por Antônio Houaiss e que traz em seus livros sempre um viés poético e filosófico, além de um vasto panorama do território brasileiro.


5) O Palácio de Espelho, de Amitav Ghosh

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Mestre consumado em evocar épocas e civilizações passadas, Amitav Ghosh escreveu O Palácio de Espelho a fim de contar, em forma de romance, todo o processo que levou a Birmânia, a Índia e a Malásia à modernidade, abarcando um período que vai desde o final do século XIX até meados dos anos 2000.

É difícil traçar uma sinopse precisa desta monumental e ambiciosa obra, porque são várias as histórias que regem o enredo. Mesmo assim, o eixo central parece girar em torno do personagem Rajkumar Raha. O livro tem início com Rajkumar ainda criança, já órfão, trabalhando na casa de uma senhora na Birmânia. É aí nesse país que ele, por acaso, entra em contato com Dolly, uma bela pajem da rainha.

Depois que a Grã-Bretanha ocupa a Birmânia e Dolly é obrigada a acompanhar a Família Real no exílio à Índia, Rajkumar adere ao crescente negócio de exportação de madeira, se torna um homem rico e, nunca tendo esquecido seu amor de infância, parte em busca de Dolly.

Dono de uma linguagem com clareza primorosa, Ghosh consegue transformar um romance épico romântico em algo extremamente interessante e rico, perfeitamente explorado por todos os lados, recheado de detalhes históricos.


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O Cubo de Rubik solucionado, enfim! (Foto tremida, eu sei)


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Cubo de Rubik, estante nacional e o pingüim natalino que perdeu o chapéu


É isso! E que venham ótimas leituras em 2011! Aliás, este é um ano que promete coisas boas… Mar de papoulas, Latitudes piratas e, provavelmente, algum romance de Haruki Murakami traduzido pela Alfaguara.

E um Feliz Ano-Novo atrasado para todos! :P

09 janeiro 2011

Filme: Um olhar do Paraíso

Uma boa história e efeitos visuais fantásticos fazem de Um olhar do Paraíso um filme imperdível

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Entre os meus amigos mais chegados, já virou motivo de piada o fato de eu só gostar de filmes mal-recebidos pela crítica cinematográfica. Foi assim com A vila, de M. Night Shyamalan, Fim dos tempos (do mesmo diretor, diga-se de passagem)… e agora, para completar o quadro, adorei o mais recente filme do neozelandês Peter Jackson, Um olhar do Paraíso (The lovely bones, 2010).

Que, infelizmente, tanto a crítica quanto o público não hesitaram em massacrar.


Sinopse: Susie Salmon é uma garota de 14 anos que vive no subúrbio da Filadélfia, com os pais e dois irmãos – uma pré-adolescente da idade de Susie e um menino menor. A família é mergulhada em uma rotina perfeita e comum, com pais adoráveis e filhos adoráveis; mas tudo muda quando, certa tarde, Susie é estuprada e brutalmente assassinada por um dos vizinhos, o psicopata George Harvey.

Depois de sua morte, Susie passa a habitar um mundo fantástico (o Céu?), em que, na companhia de uma garotinha também pós-morte, poderá acompanhar o drama das pessoas que ela deixou para trás.


Assisti ao filme na semana retrasada, poucas horas depois da primeira meia-noite de 2011, e já posso afirmar, sem medo, que Um olhar do Paraíso foi um dos melhores filmes que vi até hoje. Pode parecer uma afirmação leviana e impulsiva, fanática, mas não é. Mesmo depois de vários dias, continuo dizendo que ele é um dos melhores.

Às vezes é difícil para mim entender por que um longa-metragem tão bom (pelo menos, normal) pode ser tão duramente criticado pela maioria das pessoas, a ponto de o chamarem de "o pior de 2010", "vergonhoso" e "puramente vazio". Por que tamanha aversão por um filme que é, repito, pelo menos normal?

E o pior de tudo é que, de todas as críticas negativas que li, nenhuma me pareceu ter argumentos suficientemente convincentes. Falarei delas mais adiante.

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Para começo de história, os produtores do filme tiveram a felicíssima idéia de não inserir o pós-morte de Susie no mesmo plano clichê daqueles fantasmas que estão circulando entre os vivos, mas que não conseguem interagir com eles porque são invisíveis e não podem mexer nenhum objeto (como o espectro de Patrick Swayze em Ghost, embora Ghost seja um filme excelente).

Em Um olhar do Paraíso, a coisa não é assim, o que torna o filme muito mais original: o mundo fantástico em que a protagonista está inserida interage com o mundo "dos vivos" de uma maneira muito mais simbólica, quase junguiana, e assim o telespectador vai captando pistas interessantes que fazem o elo entre o mundo de lá e o de cá. Por exemplo, a cena das garrafas-caravelas se quebrando na orla da praia, que é impagável. Há também a cena do reflexo da chama da vela no vidro da janela, belíssima, em que o pai "entra em contato" com Susie pela primeira vez.

Idéia semelhante pode ser vista no filme Amor além da vida, com Robin Williams. Aliás, paralelos entre esses dois filmes são quase que obrigatórios. Um olhar do Paraíso pega emprestado muitos cenários do filme de Williams, incluindo a evidente sugestão das cores vivas. Até mesmo algumas cenas são parecidíssimas, como a da árvore se desfolhando ou da protagonista sendo tragada por uma espécie de grama aquática.


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Pela seleção de fotos que eu estou colocando aqui, acho que dá para ter uma idéia da qualidade visual do longa. E me refiro não só ao tocante aos efeitos especiais, mas à fotografia de um modo geral: à imagem do filme. Movimentações de câmera agradáveis, iluminação fora de série, paisagens de tirar o fôlego, seqüências de prender a atenção de qualquer um.

Na minha opinião, uma das características mais marcantes do filme é a coexistência de elementos chocantes e belos ao mesmo tempo, em um mesmo plano narrativo. Embora Um olhar do Paraíso seja por demais açucarado (e essa foi uma das maiores críticas a ele), os elementos violentos continuam lá, assombrando o telespectador – pelo menos, assombraram a mim.

A questão do estupro, mesmo não tendo sido mostrada de maneira explícita, é óbvia, e isso mexeu comigo. Além do mais, a garota foi esquartejada, que é outra coisa que salta aos olhos durante o filme. Então, o que mais queriam? Sexo explícito? Violência gratuita? (Diga-se de passagem, uma das cenas é banhada em sangue.)

Achei de muito bom gosto – e é algo que evidencia a habilidade de Jackson – apenas sugerir as coisas, poupando tomadas violentas desnecessárias, que em nada acrescentariam à história. E, ainda assim, chocar o telespectador.

Outra crítica muito freqüente e pouco convincente afirma que o filme é desprovido de propósito e muito confuso. Falando com franqueza, não consegui achar nada de confuso em Um olhar do Paraíso (e não me considero nenhum expert em filmes), até porque a trama toda é encaixada e arrumada de um jeito que o telespectador sempre consegue acompanhar. No mais, a história despertou em mim reflexões sobre a inesgotável questão da vida após a morte (se existe, como será), de modo que taxá-lo de "vazio" também não me pareceu cabível.


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Por fim, é preciso confessar que não acho o filme totalmente desprovido de defeitos. Algumas coisas no roteiro (especificamente no roteiro) poderiam ser aparadas e modificadas, claro. Isso eu não nego. E só não menciono aqui o que eu queria que mudasse porque estaria revelando informações do enredo – em outras palavras, spoilers. Portanto, fica só a menção: uma ou duas cenas finais poderiam ser mudadas.

Além disso, a interpretação de um determinado ator poderia ser mil vezes melhorada e mais convincente. Estou falando dele mesmo, Mark Wahlberg (pai de Susie), cujas atuações são sempre muito criticadas por todos – e com razão. Desde muito tempo eu acho que Wahlberg força a barra em querer continuar sendo ator de cinema.

Porém, mesmo levando em conta essas pequenas falhas, incluindo cenas que certamente poderiam ser modificadas, o filme não perde seu brilho, e é, pelo menos para mim, uma das notáveis produções de 2010.


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02 janeiro 2011

Cemitério de navios, de Mauro Pinheiro

"A história de qualquer maneira nunca tem fim, são os personagens que aos poucos desaparecem." (p. 35)

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Hoje de manhã, antes de sair para o supermercado para reabastecer minha geladeira, eu finalizei a leitura de Cemitério de navios (1993), romance de estréia do carioca Mauro Pinheiro, 53 anos.

Eu só conhecia deste autor o livro Quando só restar o mundo, que é uma obra belíssima e tocante sobre viagens pelo Brasil, amizade e desprendimento. Foi por isso que fui atrás de Cemitério de navios: queria entrar em contato com outros trabalhos desse escritor.


Sinopse: Cinematográfico, Cemitério de navios é um road-book, uma longa viagem do Rio de Janeiro ao Piauí. A história de um rapaz preocupado em refazer a trajetória de um amigo que sempre manda pistas falsas sobre seu paradeiro. Poético, por vezes selvagem, Mauro Pinheiro lembra um Jack Kerouac dos anos 90, espanando o pó das estradas mais esburacadas do Brasil.


Eu penso que Mauro Pinheiro é a maior autoridade da literatura brasileira sobre road-books, ou seja, livros que têm como pano de fundo a estrada, pela qual os personagens estão sempre se deslocando, cruzando o país, com um cenário totalmente mutável. Posso estar errado (alguém me corrija se eu realmente estiver), mas acho que Mauro é o único escritor nacional que de fato tem a estrada como ingrediente indispensável em seus livros.

Também, olhando para a biografia dele, a coisa não podia deixar de ser diferente. Mauro Pinheiro saiu de casa e viajou pelo país (sozinho) com apenas 17 anos; ao completar 21, foi para o exterior e morou no Iraque, na Bélgica e na França, onde começou a escrever Cemitério de navios. Já trabalhou como cortador de lenha, operário de uma fábrica de perfumes e criador de cabras.

Portanto, é natural que seus livros falem sobre viagens…


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Um dia bato uma foto desse Cubo Mágico solucionado, prometo


Quando li a primeira frase de Cemitério de navios, fiquei quase que literalmente de queixo caído. Diz ela: Talvez certas revelações importantes só aconteçam durante a noite. Acontece que, na mesma noite, um pouco antes, eu havia tido uma revelação importante – nada espiritual, claro, mas apenas uma informação que recebi e que mexeu comigo. Na ocasião, só pude pensar: este será um daqueles livros que me lêem.

Infelizmente, não foi. Devo admitir que, ao contrário do que aconteceu com Quando só restar o mundo, eu fui perdendo o ânimo à medida que prosseguia com a leitura. Algumas frases de efeito aqui, outras ali, espaçadas… apenas isso. O tom poético dessa vez não funcionou, e ficou parecendo que o autor queria apenas testar sua habilidade em construir frases bonitas (como romance de estréia, isso é perdoável).

Atualmente, sua linguagem é madura e disciplinada sem perder o viés poético e corriqueiro. Mas, em Cemitério de navios, ela é mais dada a experimentalismos e cacoetes, muito informal. Por exemplo, o uso de "Belô" para substituir "Belo Horizonte", ou de "rodô" para substituir "rodoviária", é irritante. Mesmo assim, vemos que Mauro escreve bem, e durante a leitura não deixa de ficar martelando na cabeça do leitor um pensamento do tipo: "Esse cara é uma promessa para o futuro literário do Brasil".


É preciso continuar caminhando, talvez haja um lugar onde eu queira chegar. Um lugar que se construa à medida que o persigo e o invento. (…) É preciso sempre preencher com um sonho de luz esse lapso entre as trevas que chamamos vida. (p. 159)


Por fim, o livro só não recebeu uma nota imaginária ruim porque o final foi muito bacana. Na verdade, eu diria que o livro é um mosaico, e só quando se chega ao final é que se pode contemplá-lo de longe, observando a imagem que se forma. Nos últimos capítulos, a história consegue mostrar sua forma, seus contornos, e é interessante acompanhar as revelações que se sucedem.

Ah, vale a pena lembrar que, diferentemente do que a sinopse diz, o livro não possui nada de "cinematográfico".

Conclusão: um livro interessante para quem já entrou no universo de Mauro Pinheiro. Para os iniciados, não tão recomendado…

Resenha de Quando só restar o mundo aqui.