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24 setembro 2009

A Felicidade Conjugal / O Diabo, de Leon Tolstói

"Queria emoções, perigo e auto-sacrifício. Havia em mim excesso de energia que não encontrava escoadouro naquela nossa vida tranqüila."

Livro0001 Tolstói

Hoje pela manhã -- antes de assistir ao ótimo filme A Testemunha, do mesmo diretor de Sociedade dos Poetas Mortos --, eu finalizei a leitura da edição dupla de A Felicidade Conjugal (Semeynoye Schast'ye, 1859)  e O Diabo (Dyavol, 1916). As duas, publicadas pela L&PM Pocket, são novelas do renomadíssimo escritor russo Leon Tolstói (ou seria Liev? Liv? Leão Tolstói?)

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Sinopse: Em "A Felicidade Conjugal", Tolstói demonstra sua habilidade ao retratar a meninice despreocupada da princesinha Macha, sua aproximação e o posterior relacionamento com Serguêi Mikháilovitch. Em "O Diabo", Evguêni, um bacharel em Direito, se envolve com uma bela camponesa da região, num caso que teria tudo para ser esquecido e relegado às loucuras de juventude -- mas Evguêni é jovem, e não percebe que está criando armadilhas para si mesmo.

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Foram 12 reais muitíssimo bem gastos. Livro comprado na impulsividade (como geralmente acontece comigo), mas não sem antes de eu ter feito as contas e me certificado de que poderia terminar de lê-lo ainda no final de semana, para assim poder dedicar os próximos dias úteis às provas da universidade.

Achei as duas histórias fascinantes. No entanto, senti uma afeição muito maior pela primeira, A Felicidade Conjugal, não apenas por ser a que aparece citada no filme Na Natureza Selvagem, mas por ser aquela com a qual eu mais me identifiquei. E é por isso que eu vou me dedicar somente a ela nesta resenha.

(De qualquer modo, a história O Diabo também é digna de apreço, e vale a pena ser lida juntamente com a primeira e logo após esta.)

A idéia que Tolstói procura transmitir em A Felicidade Conjugal é justamente aquela que ele tanto prezava e sobre a qual ele tanto refletia: o papel do homem e da mulher em uma vida matrimonial. Não sei se ele levaria esse assunto às últimas conseqüências no seu livro Anna Kariênina (que possui mais de 1.000 páginas e o qual estou pensando em comprar), ou se a temática do amor e das obrigações morais entre marido e mulher se limitou somente à esta história do início de sua carreira.

Algumas pessoas podem achar que a novela seja enfadonha por, talvez, tratar de um assunto meio maçante. Afinal de contas, convenhamos, uma novela russa do século XIX discorrendo sobre a vida e os conflitos de um casal soa desagradável aos olhos de gente ávida por leituras profundas. Mas a verdade é que a história cativa qualquer leitor -- seja ele ávido por leituras profundas ou não -- logo na primeira página, quando a personagem Macha fala sobre a solidão que ela, Kátia e Sônia passavam nos dias de inverno da aldeia de Pokróvskoie.

É tudo muito interessante também porque Tolstói narra em primeira pessoa sob o ponto de vista de uma personagem feminina, coisa que não acontece assim com freqüência na literatura. Sequer me lembro da última vez que li um livro que possuía um escritor de determinado sexo falando por uma personagem do sexo oposto.

Quanto à história propriamente dita de A Felicidade Conjugal: trata-se basicamente da vida de uma camponesinha que se casa com um amigo da família, Serguêi, e decide doravante construir uma vida de alegria plena, apesar dos pesares. A partir daí, Tolstói tece toda uma filosofia que ele defendia sobre o papel do homem e da mulher enquanto cônjugues. É realmente cativante.

Enfim, foi com boa surpresa que li o famoso trecho do texto que fala "Eu já vivi o bastante e agora sei o que é necessário para ser feliz..." Aquela mesma que aparece no filme Na Natureza Selvagem.

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Abaixo segue-se uma das passagens mais bonitas que encontrei em A Felicidade Familiar. Eu poderia ter transcrito várias outras do texto, mas esta realmente chamou a minha atenção; não por ser filosófica ou logosófica, mas por ter me transmitido uma sensação agradável na hora em que a li:

"Naquele verão, muitas vezes eu ia para cima, para o meu quarto, deitava na cama e, em lugar da melancolia da primavera, de desejos e esperanças para o futuro, a ansiedade pela felicidade no presente tomava conta de mim. Não conseguia dormir, ia me sentar na cama de Kátia, dizia que estava completamente feliz e lembro que isso era inteiramente desnecessário, pois ela mesma podia vê-lo. Ela falava que também era muito feliz e que nada lhe faltava e me beijava. Eu acreditava e achava necessário e justo que todos estivessem felizes. Kátia às vezes dizia que estava com sono, fingia estar zangada e me mandava embora de sua cama, adormecendo em seguida; eu ficava ainda ali durante muito tempo, repassando na mente tudo o que me fazia alegre. (...)

(...) O que eu achava pior era a sensação de que a cada dia os hábitos aprisionavam nossa vida de uma determinada forma, e que nossos sentimentos já não eram livres, estavam subordinados ao curso monótono e impassível do tempo."

(TOLSTÓI, Leon. A Felicidade Conjugal, págs. 40 e 125; editora L&PM)

17 setembro 2009

Quando Nietzsche Chorou, de Irvin D. Yalom

"Agora sei o que é assumir o controle de meu destino. É terrível e maravilhoso."

Quando Nietzsche Chorou Irvin D. Yalom

Hoje pelo início da tarde, após um grande debate que tive com o meu pai sobre a origem do Universo, eu finalizei a leitura do romance Quando Nietzsche Chorou (When Nietzsche Wept, 1992), escrito pelo eminente psiquiatra Irvin D. Yalom, norte-americano filho de imigrantes russos.

O livro foi o presente de aniversário que recebi do meu amigo Alfred, o padre alemão que estuda Psicanálise comigo na universidade.

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Sinopse: De férias em Veneza, o clínico-geral Josef Breuer encontra a jovem russa Lou Salomé, que lhe pede um favor excêntrico: tratar da depressão suicida de seu amigo Friedrich Nietzsche.

O que se estabelece entre ambos é uma relação na qual as funções de médico e paciente se confundem, pois Breuer encontra na filosofia de Nietzsche algumas respostas para suas próprias dores existenciais.

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As primeiras vinte ou trinta páginas do livro me empolgaram de verdade. "Parece ser realmente uma história muito boa", eu disse para a Natália, uma amiga minha que, assim como eu, é absolutamente aficcionada por literatura. "É mesmo?", ela retorquiu. "Sim", respondi, "pode ser uma boa maneira de mergulhar na filosofia de Fritz Nietzsche e na psicoterapia. Estou gostando do começo: há uma espécie de mistério envolvente."

Porém, quando cheguei à primeira centena de páginas, confesso que não me motivava mais tanto a idéia de pegar o livro novamente e lê-lo. Acho que o tempo escasso proveniente do absurdo de trabalhos na universidade atrapalhou muito a leitura, sim, mas a verdade é que perdi a empolgação subitamente. A trama do livro não conseguia mais despertar o meu interesse; o enredo, para mim, se tornou muito linear, pouco complexo, baseado apenas em extensos e por vezes enfadonhos diálogos entre Breuer e Nietzsche.

Além disso, o estilo narrativo da linhagem "best-seller" me desgostou um pouco. O ritmo da leitura então começou a se arrastar.

No entanto, outra guinada ocorreu de repente, desta vez para cima de novo, como no começo. À altura da página 200, mais ou menos, a trama começou a se intrincar e os personagens começaram a ganhar uma importância maior na história; de modo que a falta de ânimo que eu sentira no desenvolvimento foi compensada pelos momentos agitados do final do livro. E o resultado absoluto foi este: gostei muito, e o recomendo para qualquer pessoa que se interesse pelo assunto.

Tecnicamente, o que temos aqui é um romance que mistura realidade e ficção de uma maneira tal que, se não fosse pela nota do autor nas últimas páginas, não saberíamos precisar onde termina o fato e onde começa a imaginação. Lou Salomé, por exemplo, foi uma jovem que realmente existiu e que realmente se envolveu com Nietzsche, ao passo que o cunhado de Breuer, Max - que eu imaginava ter existido na realidade -, era fruto da criação do autor. Tendo essa confusão em vista, pode-se muito bem abandonar a tentativa de dizer o que é real e o que não é, e simplesmente curtir a história.

Uma coisa que eu achei bem interessante no livro foi ver o papel totalmente secundário de Sigmund Freud, o próprio fundador da Psicanálise. Os únicos momentos em que ele aparece são nas rápidas lições médicas com Breuer, dentro da biblioteca da mansão deste. No restante do enredo, o grande Freud praticamente não dá as caras, mas ainda é curioso ver que as formulações que ele tem com Breuer são a base do que mais tarde viria a ser seu estudo dos sonhos e do inconsciente.

Enfim, Quando Nietzsche Chorou é um ótimo romance. Apesar de ter me faltado ânimo no miolo do livro, devo dizer que isso não se deveu a alguma qualidade ruim da história, mas antes a uma exigência meio elevada da minha parte. É um livro bem didático, também: a explanação da Teoria do Eterno Retorno, por exemplo, é bastante clara e provocadora, e me fez pensar muito sobre as coisas.

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A seguir, um dos trechos do livro que têm relação com a Teoria do Eterno Retorno. Não sei se esta passagem surte o mesmo efeito tanto nas pessoas que não leram o livro, quanto nas que o leram.

"Cada vez que você escolhe uma ação, deve estar disposto a escolhê-la por toda a eternidade. O mesmo se dá com cada ação não realizada, cada pensamento natimorto, cada escolha evitada. Toda a vida não vivida ficará latejando dentro de você, invivida por toda a eternidade. A voz ignorada de sua consciência continuará clamando para sempre. (...) Este momento existe para sempre e você sozinho é a sua platéia."

(YALOM, Irvin D. Quando Nietzsche Chorou, página 306, editora Agir; 35ª edição.)

10 setembro 2009

Sociedade dos Poetas Mortos (1989)

"Poesia, romance, imaginação... É para isso que o homem verdadeiramente vive".

dead p. s.

Estados Unidos, 1959. Uma escola preparatória reconhecida pela disciplina ortodoxa e rígida admite um novo professor para lecionar literatura naquela temporada: John Keating, cuja imaginação, humor e sabedoria nada convencionais irão abalar o sistema estabelecido e inspirar os jovens alunos a transformarem suas vidas em algo extraordinário.

Ontem pela noite - após uma tentativa frustrada de assistir ao filme Up em uma sessão 3D -, passei pelo shopping center e, na seção de DVDs de uma determinada loja popular, deparei-me com nada mais nada menos que Sociedade dos Poetas Mortos (Dead Poets Society) por uma soma irrisória de 13 reais. Sem hesitar, enfrentei uma fila quilométrica e o levei para casa.

É um filme magnífico, e eu afirmo isso com toda a categoria possível. Sem correr o risco de parecer exagerado, posso dizer que este filme é o tipo do filme que mexe profundamente com as pessoas que sempre, por algum motivo, questionaram o poder das ordens pré-estabelecidas e se enlevaram com a carga emocional da linguagem poética.

Nem sempre é fácil falar sobre um filme - ou um livro - de que gostamos tanto. Porém, quanto a Sociedade dos Poetas Mortos, digo somente que ele entrou para a minha Lista dos Filmes que Mudaram a Minha Vida e que realmente vale a pena assisti-lo. Não deixe de vê-lo sob nenhum pretexto.

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A seguir, disponibilizo o trailer:


Direção: Peter Weir / Roteiro: Tom Schulman / Elenco: Robin Williams, Ethan Hawke, Robert Sean Leonard.

04 setembro 2009

Clarissa, de Erico Verissimo

"Onde estará então a menina em flor que corria no pátio atrás das borboletas?" (página 132)

Clarissa Erico Verissimo

Hoje pela manhã - antes de receber a notícia de que os estúdios Disney compraram a Marvel Comics - finalizei a leitura do livro nacional Clarissa (1933), que é o primeiro romance de Erico Verissimo e, conseqüentemente, o ponto de partida para a sua carreira literária meteórica.

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Sinopse: Clarissa é uma jovem de 13 anos que mora na pensão da tia enquanto estuda  em  Porto Alegre.  Curiosa, procura descobrir o mundo e a vida.  Observa com meticulosa atenção as pessoas que moram no pensionato e  na  vizinhança: Ondina, a  infiel  esposa  de Barata; Amaro, o músico triste e contemplativo; o distraído major Pombo; a conservadora tia Zina e seu desempregado marido;  a família rica que mora ao lado; e a viúva com o filho mutilado na casa à direita.

"Clarissa" mostra o despertar de uma adolescente para o mundo. No pequeno universo da pensão onde mora na capital gaúcha, a jovem entra em contato com realidades densas e misteriosas que seu otimismo juvenil não imaginava que existissem. (...)

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Eu acompanho a obra de Erico Verissimo desde o início de junho deste ano. Os seus primeiros livros constituem aquilo a que os críticos mais entendidos chamam de "Ciclo de Romances", que são vários livros com histórias diferentes, mas que, por se passarem no mesmo lugar (Porto Alegre) e no mesmo período (década de 30), acabam tendo os seus enredos entrelaçados.

Desse modo, por exemplo, a personagem Fernanda - do livro Caminhos Cruzados - esbarra com Amaro Terra - de Clarissa - e com Vasco Bruno - de Música ao Longe - no livro Um Lugar ao Sol, que por sua vez nos apresenta o velho doutor Seixas, que aparecerá mais tarde em Olhai os Lírios do Campo e Saga.

Esse embaralhamento de enredos e personagens é uma das coisas que mais me chamam atenção na obra do escritor gaúcho. De qualquer forma, vou me ater aqui ao romance em questão, isto é, ao primeiro do Ciclo de Romances: Clarissa.

Clarissa é uma história extremamente lírica, poética e romântica, coisa de que antes eu não gostava muito, mas que agora passei a apreciar. (Por que não um pouco de lirismo para nos fazer sonhar neste mundo tão grotesco?) O livro nos fala sobre a construção da personalidade de uma garota ingênua de 13 anos que, em contato com as pessoas e coisas da sociedade, começa a montar a sua impressão e o seu caráter diante do mundo.

Como resumiu muito bem um estudioso da obra:

"Na monotonia cotidiana da pensão de sua tia Zina, Clarissa é um raio de sol, uma mancha rutilante de alegria. É a poesia da vida no meio do realismo mesquinho. Nela, tudo encanta porque tem a inocência que a angeliza, e o sabor das coisas naturais que ainda não sofreram as deformações da sociedade... Clarissa é qualquer coisa de agreste e puro. Clarissa é música e é poesia. Menina e moça - olhos abertos para o mistério da vida. Alma que amanhece."

Confesso que não tenho muito o que dizer a respeito deste romance, a não ser o fato de que adorei e o recomendo aos demais fãs de Erico. Isso basta?

Naturalmente, Clarissa está abaixo dos romances posteriores do autor (?), mas esse detalhe não deve ser justificativa para tirar o seu brilho e a sua mensagem fundamental, que tanto inspiraram gerações e gerações ao longo dos anos.

A única imperfeição do livro - que sinceramente não chega a ser uma imperfeição - talvez seja aquela que o próprio Erico - sábio, como sempre - menciona em um prefácio de 1961:

"Como conjunto, talvez o principal defeito dessa novela seja o seu excesso, não de beleza - o que não seria para lamentar - mas de 'boniteza', de joliesse, de prettiness. Eu como que me esmerei em focar instantes pictóricos e poéticos, numa sucessão de haicais e aquarelas."

Com efeito, a linguagem do livro é laureada, dourada, extremamente poética e espichada; e isso confere à obra um caráter romântico quase irreal, o que muito provavelmente desagrada certos leitores contemporâneos. Talvez Clarissa seja uma grande poesia em forma de prosa, ou uma grande suíte sinfônica escrita em caracteres literários, caracteres esses que apenas os olhos de um leitor sensível conseguem captar.

"Céus, como você lê esse homem!", exclamou Natália, minha amiga de universidade, após eu lhe contar que estivera lendo o sétimo livro de Erico Verissimo.

"Ora... Ele é bom!", justifiquei. "Suas histórias impressionam pela narrativa poética e pelas tramas surpreendentes. É um grande escritor brasileiro, sem dúvida. Foi ele que me incitou a fazer as pazes com a literatura nacional. Sério mesmo!"

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Abaixo, uma das bonitas passagens de Clarissa que sublinhei. Aliás, esta é uma mensagem que está constantemente presente em seus livros: a busca pela liberdade, o sonho incansável de percorrer o mundo e se livrar da modorrenta, pragmática, claustrofóbica e enfadonha rotina da cidade:

"Uma vez, há muitos, muitos anos, um menino olhou o mundo com olhos interrogadores. Tudo era mistério em torno dele. Era numa casa grande. O arvoredo que a cercava amanhecia sempre cheio de cantos de pássaros. O mundo não terminava ali no fim daquela rua quieta, que tinha um cego que tocava concertina, um cachorro sem dono que se refestelava ao sol, um português que pelas tardinhas se sentava à frente de sua casa e desejava boa tarde a toda a gente. Não. O mundo ia além. Além do horizonte havia mais terras, e campos, e montanhas, e cidades, e rios e mares sem fim. Dava em nós vontade de correr mundo, andar nos trens que atravessavam as terras, nos vapores que cortam os mares. Nos olhos do menino havia uma saudade impossível, a saudade de uma terra nunca vista."

(VERISSIMO, Erico. Clarissa; páginas 34-5, editora Cia. das Letras, 5ª edição.)